Atitudes frente à existência

… Quem há neste largo mundo que me confesse que uma vez foi vil?
Ó príncipes, meus irmãos,

Arre, estou farto de semideuses!
Onde é que há gente no mundo?

Então sou só eu que é vil e errôneo nesta terra?
Fernando Pessoa
(versos do “Poema em Linha Reta”)

Novamente o post anterior teve recepção a promover opiniões de interesse. Posições limites existem e, entre elas, várias intermediárias. O artista voltado intensamente à mídia, não podendo passar um dia sem que alguma notícia sobre suas performances aconteça, contrasta com atitudes daqueles que apenas focalizam seu trabalho, conhecendo o papel da mídia, mas sabedores de todas as implicações para que algo seja divulgado. Outros tempos aqueles em que o mercantilismo não invadira tantas penas. Graças a essa última postura, figuras mais reservadas, quando eventualmente dão entrevistas, mantêm certos receios. Espontaneamente não buscam a mídia. Há que se considerar nesse item aquele entrevistador despreparado para o mister. Infelizmente ele existe e todo o mal estará feito. Louvem-se os raros culturalmente aptos. No extremo oposto há o artista “eremita”, que sob nenhuma hipótese se aproxima da mídia. Esse estaria a produzir uma arte destinada a si próprio. Fecha-se e aguarda que o post mortem lhe faça justiça

Pareceria claro que a vocação narcisista tende a sedimentar-se com o passar dos anos, podendo exacerbar-se a depender das circunstâncias. Em uma das entrevistas colhidas ao longo, intérprete voltado ao holofote proclama peculiaridades de sua presença frente à plateia. Essas “substanciam” a identidade aceita doravante pelo público. Percebe-se que a necessidade imperiosa, nessa busca frenética pela notoriedade, faz com que tantos, em tantas áreas, utilizem-se de fórmulas as mais heterodoxas para o reconhecimento. Algumas características desse permanente “ator” estariam na peculiaridade do traje a evidenciar de maneira excêntrica sua “personalidade”; no viver o cotidiano, onde o sensacionalismo está sempre à espreita; no desempenhar sua atividade panfletariamente. Já abordamos, em blog bem anterior, o gesto exagerado como elemento chamariz de um público ávido pelo inusitado artificial. Numa outra área “artística”, a somatória dessas características apontadas compõe o caldo grosso. O público-leitor das inúmeras colunas de nível deplorável nos portais internéticos e frequentador de tantos programas televisivos alimenta a falta de cultura de eleitos e de seus entrevistadores, dedicando às “celebridades” a idolatria que apenas agrava o próprio vazio interior do “artista” e, por consequência, daquele que o cultua. Realmente, aprofundamo-nos num abismo cultural sem fundo previsto.

Regressando à música erudita, clássica ou de concerto, há aquele que se serve da música para, apesar da presença do talento, fixar uma imagem singular. O que pareceria também evidente é a ausência quase absoluta em sua fala durante entrevista da essência essencial da obra que ele interpreta. Comentei em blog passado o excepcional livro de Wilhelm Kempff (1895-1991), no qual o grande pianista aborda sua juventude (vide Cette note grave – les années d’apprentissage d’un musicien. Paris, Plon, 1955. 03/10/2009). Em toda a narrativa há o culto à criação musical e a juventude se amalgama amorosamente à música, suas estruturas e interpretação. Poder-se-ia acrescentar, no caso, a Música como Missão.

Separei duas mensagens, uma com forte dose de humor, mas a bem traduzir realidades. São tantas as notícias rigorosamente inúteis e frívolas publicadas ad nauseam nos portais de grande frequência, narrando as “entranhas” das vidas vazias de tantos daqueles denominados “famosos”, que o arquiteto Marcos Leite, com agudeza, escreve: “Mais uma vez perspicaz e acertando na mosca. Sucesso fazem as moçoilas de coxas grossas que contam nas entrevistas o segredo de quantas horas de academia por dia para ficarem ‘fortinhas e definidas’; mas incapazes de ler uma pauta ou distinguir uma nota musical. Faça- as usar saias longas e serão esquecidas pela plebe ignara”.

O compositor e pensador francês François Servenière está sempre atento aos blogs, o que muito me honra. Escreve:
“Passo ao seu artigo. Você descreve o real. Adorei particularmente o último parágrafo: ‘Servir à música ou dela servir-se’. Torna-se evidente que obter a celebridade interpretando um texto de compositor consagrado pela história, mesmo que bem difícil, a fim de chegar mais rapidamente ao pináculo e após, em letras grandes, fazer inserir seu nome como intérprete, relegando ao compositor e sua obra caracteres pequenos… o que dizer? Inútil criticar essas práticas odiosas e pouco respeitosas com o pensamento do mestre criador absoluto pelo necessário controle das flatulências do ego. Inútil falar ou denunciar, pois essas vaidades pairam no grotesco e no ridículo. O mais grave é que esses stars tratam aqueles que se insurgem como invejosos!!! Certo, a celebridade é um olimpo desejado que poucos atingem!!! Certo… Mas quantos (todos, salvo exceções) usam métodos absolutamente abjetos para se manter no pináculo. Sim, há exceções como Barenboim, que graças ao talento incrível, um denodo sem trégua ao serviço da arte (em Berlin, na semana passada, diretamente por canal a cabo, ouvi a 9ª de Beethoven, extraordinariamente interpretada por ocasião de reabertura de instituição após reformas), realiza proezas magníficas sem qualquer gesto supérfluo. Uma verdadeira e autêntica glória esse músico descomunal”. Resenhei dois livros de Daniel Barenboim neste espaço (vide La musique Éveille le Temps, 17/09/2011 e La Musique est un Tout, 25/10/2014). Barenboim conceitua permanentemente. Haveria a necessidade de se autoelogiar? Não o faz, felizmente.

Servenière finaliza a mencionar “antigo ministro francês, amigo de Pierre Boulez, que telefonava regularmente aos periódicos para estar sempre na lista das personalidades pesquisadas quanto à notoriedade. Aliás, Boulez tem seu lado essencialmente político, fato que podia ser sentido em sua música. A história fará o seu trabalho” (tradução JEM).

Importa saber distinguir. Não é difícil. Geralmente, cada categoria de artistas vem precedida de pormenores da personalidade. Ao público julgar, se tiver o bom senso de separar o músico atuante de sua persona fora da atuação musical.

Today I publish two messages received from readers with interesting views on the topics addressed last week: hollow headed egocentric performers who use their art form just for the sake of being admired and the celebrity culture in the consumer society.