Recitais Debussy em Portugal

Jamais senti tamanha gana para o trabalho…
Tenho ainda muito a dizer!
Há tantas coisas musicais que jamais foram realizadas!…
Claude Debussy
(1914)

Foram dois os posts comemorando os 100 anos da morte do grande compositor francês Claude Debussy (1862-1918) em torno da data, 25 de Março. Lembrava que em 1980 apresentei  em São Paulo, em quatro recitais no MASP, a integral para piano, repetindo-a em Campinas em dez apresentações, no caso cada récita precedida de palestra sobre características da opera omnia. Minha mulher, a pianista Regina Normanha Martins, e eu apresentamos a integral para piano a quatro mãos e para dois pianos. Dois anos após, a cada turnê em Portugal, um recital era dedicado às composições de Debussy. Nessa configuração, toda a criação para piano de Debussy foi apresentada.

O transcorrer das décadas mudou hábitos, a Cultura Erudita tornou-se mais massificada e efêmera e as integrais, quanto mais longas, menos interessantes para as Sociedades de Concerto e empresários. Explica-se pela quantidade de intérpretes que pululam no universo musical e que buscam espaços. Realmente gostaria de realizar novamente a obra completa para piano de Debussy (quatro recitais). Fi-lo dois anos atrás com a integral de Jean-Philippe Rameau para teclado, em duas récitas na Sociedade Brasileira de Eubiose. Entendo a conjuntura atual, que estabelece naturalmente parâmetros outros para a cultura musical erudita – numa abrangência sempre diminutiva, diga-se – basicamente estruturada nos repertórios repetitivos e com pouca ventilação. É fato. Decorrendo dessa situação, intérpretes mais divulgados e com agendas plenas dificilmente ficariam numa cidade para a apresentação da integral das Sonatas de Beethoven ou de Schubert, como exemplos, o que demandaria suas presenças durante prolongados dias em determinada cidade. Teríamos público, hoje, para essa maratona? A transitoriedade dos acontecimentos cotidianos, advinda sobretudo após os avanços da internet  e de outras tecnologias, não influenciaria o gosto e a natural vontade do público de sempre querer ouvir a diversidade? A concentração “simplificada” não seria um dos apanágios da modernidade em termos coletivos? Essa concentração não inviabiliza a apreensão do todo? Desfilam os anos e os repertórios sacralizados se perpetuam, com raríssimas exceções. Penso nas palavras do grande musicólogo argentino Juan Carlos Paz (1897-1972), que em 1965 vaticinava que sua conterrânea, que acabara de receber o primeiro prêmio do Concurso Chopin em Varsóvia, certamente passaria o resto de sua vida dedicando-se às obras sacralizadas. Afirma: “Outra campeã de todos os pesos em Chopin. Mas a música ganhará algo com isso? Nada, por certo, porque a música é algo que a rigor não conta, não interessa nem ao virtuoso-monstro, nem ao público que só deseja ouvir uma vez mais”. Faço minhas suas palavras, pois, ao ler hoje entrevistas de jovens intérpretes, observo que suas mentes pensam ainda exatamente nessa perpetuação do repertório repetido incansavelmente, exaltando-o, exibindo-o como conquista e meta futura. Sequer buscam na opera omnia desses compositores consagrados criações de grande valor, mas pouco tocadas. Logicamente há um tributo a pagar se o intérprete penetrar em seara pouco conhecida. O resultado será a pouca divulgação, pois o mercado é implacável se não houver a submissão aos seus desígnios.

Conversava com o amigo Denis sobre a obra ignota de um grande compositor. Motivos vários determinam esse ocultamento. Caso específico de Images (oubliées) (1894), de Claude Debussy, cujo manuscrito permaneceu durante longo período na coleção do grande pianista francês Alfred Cortot  (1877-1962). Curiosamente, nesse caderno a segunda das três peças tem o título Souvenir du Louvre, uma sarabanda que será, com mínimas alterações, a Sarabande da célebre suíte Pour le Piano (1894-2001), assim como a jocosa e rápida Quelques aspects de ‘nous n’irons plus au bois’ parce qu’il fait un temps insuportable, terceira peça das Images (oubliées), será uma primeira versão da também consagrada criação Jardins sous la pluie, da suíte Estampes (1903). São sobejamente conhecidos os dois cadernos de Images para piano (1904-1905 e 1907) e Images para orquestra (1909). Sempre divulgadas através das décadas. Dizia eu ao Denis que obra redescoberta tardiamente de compositor sacralizado dificilmente adquire a divulgação das consagradas e repetitivamente interpretadas. Agentes, sociedades de concerto e o intérprete, a seguir indicações desses, evitam majoritariamente sair do status quo estabelecido. Images oubliées é obra extraordinária, mas pouco divulgada. Oxalá equipare-se às suas homônimas posteriores, o que seria justíssimo.

Claude Debussy, no que concerne às obras para piano, é conhecido por criações insistentemente interpretadas. As duas Arabesques, Rêverie, Suítes Bergamasque (Clair de Lune inclusa, uma das mais ventiladas composições do planeta no campo da música de concerto), Pour le Piano, Images (1º caderno), Children’s Corner e alguns Prèludes, entre os quais La Cathedrale engloutie e Feux d’artifices, são permanentemente apresentadas. Neste ano darei dois recitais na Sociedade Brasileira de Eubiose (16 e 22 de Setembro), interpretando Debussy. Num ciclo distribuído durante o ano, serão interpretados por pianistas de mérito os 24 Prèludes, os 12 Études,  Suítes e peças isoladas bem conhecidas. Isso é bom, a fim de que se tenha uma visão geral da extraordinária produção para piano de Debussy. A montagem dos programas para a SBE determinou a mesma atitude para com Portugal, pois PréludesÉtudesSuítes mais tocados estarão também em pauta nas programações lusíadas. Assim sendo, resolvi apresentar criações menos executadas, mas de imenso valor, não descartando, contudo, obras referenciais e bem conhecidas de Debussy.

Dentre as obras menos tocadas, farei em Tomar (Canto Firme), Guimarães (Simpósio de Musicologia), Lisboa (Museu Nacional da Música) e Alcântara (Centro Ward de Lisboa) duas apresentações, uma primeira precedida de palestra-ilustrada, sob o título “Debussy e a  química harmônica”, interpretando a seguir algumas pequenas peças isoladas ou retiradas de suítes ou coletâneas, nas quais Debussy privilegia aquilo que ele entenderia em 1915, em carta a B. Molinari, como “a beleza do som”, a busca incessante do timbre seletivo. Preparei, para o recital da tournée portuguesa, repertório também pouco usual. Entre as obras, Images (oubliées), Danse Sacrée – Danse Profane (versão para piano solo realizada pelo editor de Debussy, Jacques Durand, e aprovada pelo compositor – 1907), La Boîte à Joujoux (1913), a criação monolítica mais extensa de Debussy para piano solo, e as célebres Masques e L’Isle Joyeuse (1904).

Como tem acontecido durante as viagens ultramarinas, os blogs serão mais sucintos. Quanto às imagens das apresentações, por motivos operacionais penso inseri-las, já em São Paulo, no blog de 26 de Maio.

A few notes on my forthcoming recitals in Portugal, visiting Tomar, Guimarães, Lisboa and Alcântara. The recitals will be entirely dedicated to the music of Claude Debussy. Among his works, I have selected some remarkable piano pieces seldom played by other pianists, together with compositions well known among classical music aficionados.