Apesar de saberem-me leigo, leitores reagiram positivamente

O que finalmente eu mais sei sobre a moral e as obrigações do homem devo ao futebol…
Albert Camus

Não pensava receber mensagens tão significativas. Geralmente curtas, focalizaram, até de maneira mais incisiva, a participação pífia da seleção brasileira e a preocupação exagerada daquele que é considerado seu jogador principal, Neymar, com seu visual, suas reações abusivas ao sofrer ou simular faltas, sua ação desmesurada e ridícula nas redes sociais e a ausência, durante seus raros pronunciamentos, de um discurso ao menos palatável. O treinador Tite, considerado pelos leitores como o melhor nessa função no Brasil, é contudo salientado como tendo deficiências evidentes. Trataram-no como um bom motivador, mas incompleto sob o aspecto tático, fato amplamente ratificado nos jogos da seleção brasileira na Rússia. É algo a se pensar.

Tite e Neymar, não figurando nas listas dos dez mais do ano em cada especialidade elaborada pela FIFA, são provas inequívocas de que algo está errado no nosso futebol. O preocupante não é apenas a ausência dos dois, mas a de qualquer outro jogador brasileiro. Antolha-se-me que há equívocos essenciais em toda a cadeia futebolística no Brasil. Nesses incontáveis erros não nos esqueçamos da CBF, do agente ou empresário, este a ter o lucro como única preocupação.

De maneira unânime tem o brasileiro a consciência plena de que estamos rigorosamente defasados – seleção e times da série A do Campeonato Brasileiro – em relação ao futebol praticado pelas principais equipes da Europa. Sou mais um nessa quase unanimidade. Razões econômicas e culturais são apontadas. Realmente não esperava tão expressiva resposta ao tema futebol, que, no dizer popular, “é a coisa mais importante entre as menos importantes”. Entretenimento sim, que é hoje o mais visualizado no mundo inteiro.

Um dos leitores comentou a ilustração e perguntou-me se poderia dizer mais. O pequeno quadro, pintura sobre madeira de Sérgio Duarte Milliet (1898-1966), foi-me oferecido no início da década de 1980 pela viúva do literato e pintor, a saudosa Lourdes Milliet, irmã do escritor, poeta e jornalista Paulo Duarte (1899-1984). Participamos durante dois anos do Conselho Deliberativo do Museu de Arte Sacra de São Paulo, então presidido pelo Padre Antônio de Oliveira Godinho (1920-1992).

Como a maior parte dos ótimos comentários foi bem sucinta, selecionei três mais extensos. Flávio de Araújo, um dos maiores locutores esportivos da rádio brasileira, narrador de eventos memoráveis, como as corridas da Fórmula 1 de Emerson Fitipaldi e Nelson Piquet, assim como lutas de nosso campeão de boxe Eder Jofre, sem contar campeonatos brasileiros, o milésimo gol de Pelé e as cinco copas do mundo de futebol, de 1966 a 1982, escreveu com a competência que lhe é familiar:

“Caríssimo José Eduardo, excelente e inteligente artigo, que li com a mais profunda atenção. Só gostaria de acrescentar que, infelizmente, também na Europa e em seu futebol a corrupção corre solta. Veja o caso de Sandro Rossel, ex-presidente do Barcelona. O futebol se espraia hoje também pela Ásia e chega ao Oriente distante, onde há exploração desonesta no ramo de apostas, gerando também corrupção. A América do Sul, se souber aproveitar as lições que a Copa da Rússia trouxe, não deixará de estar presente nas próximas competições. Lembro que nosso subcontinente tem 10 países concorrentes, contra mais de 50 da Europa. A Copa do Mundo é um grande festival de futebol internacional e uma das razões de seu êxito, e aqui incluo também os principais campeonatos europeus, reside na presença de africanos e, principalmente, sul-americanos. Além do que, dos 21 campeonatos do mundo, a América do Sul, com apenas três campeões, Brasil, Argentina e Uruguai, tem 9 títulos. Considero que a situação política no nosso país e a corrupção endêmica que nos domina exercem também influência no péssimo momento de nosso futebol. Enquanto a CBF for dirigida por falsos esportistas, desonestos mesmo, pagaremos um preço muito alto. Enquanto isso, a China está construindo estádios na África e fez um acordo com a Inglaterra para fortalecer seu futebol. Daqui a pouco estará também entre os grandes da Copa. Seu artigo só eleva meus parcos conhecimentos e continuo seu admirador incondicional”.

O escritor e advogado Pedro de Almeida Nogueira comenta: “Gostei de seu texto. Tem muita razão quando diz de treinadores desejando manter unidas ‘as famílias’, quando alguns integrantes já não são ou estão em condições. Detesto essas formações para disputas de amistosos para criar ‘entrosamento’. Seleção tem de ser montada com os melhores do momento, para uma determinada competição. Enfim, você diz que FIFA é FIFA e eu digo que CBF é CBF”.

O compositor e pensador francês François Servenière, amante do futebol arte, ficou exultante com a vitória da França na Copa recém finda. Escreveu:

“Li seu artigo em que o futebol sul americano e a Copa do Mundo são abordados com pormenores globais e concordo plenamente. Faltou, na minha opinião, em suas brilhantes observações o fato de que os melhores jogadores sul americanos jogam e vivem na Europa durante o ano e que, pela defasagem horária, a cada viagem internacional ficam esgotados nessas constantes idas e vindas de 24 horas, com cerca de 36 ou 48 horas de adaptação em cada sentido”. Apenas observaria que jogadores da elite futebolística viajam de classe executiva, quando não em seus jatos particulares, e que a adaptação ao fuso horário é minimizada pelo aconselhamento diário de especialistas na matéria. Continua Servenière: “Jogadores sul-americanos recebem bem mais na Europa e parecem sentir-se mais felizes nessa situação (assim como os artistas franceses que recebem mais nos Estados Unidos – marasmo da música francesa idêntico ao futebol brasileiro). Seus argumentos no blog são essenciais. Malgrado essa constatação, temos dificuldades crescentes, apesar do amor pela camisa nacional, de motivar os atletas para os torneios eliminatórios ou jogos no continente americano. Não obstante o fato, observando-se as melhores equipes europeias, sua ossatura é constituída pela safra inesgotável sul-americana, mormente as brasileiras, argentinas e uruguaias e, numa menor quantidade, pela safra africana, cuja maioria dos jogadores, sem ter a mesma técnica existente daqueles oriundos dos países citados sul-americanos, impõem-se pela força física, velocidade, resistência incrível e musculatura bem acima da média. É fato também. Quanto aos sul-americanos, possuem eles talento e habilidade absolutamente alucinantes. Os pampas e o futebol de praia tornam as pernas fortes e possibilitam técnica extraordinária. Pouco a pouco o futebol de praia torna-se familiar na França, mesmo aquele praticado nos clubes. Assim como conseguimos os melhores cavaleiros fazendo-os correr na água fria da região da Manche (Deauville), Usain Bolt treinava seus arranques (tiros) nas piscinas de água gelada”.

Às corretas observações de um especialista da área, Flávio Araújo, de um respeitado articulista e advogado, Pedro de Almeida Nogueira, e de um aficionado pleno e músico de expressão, François Servenière, acrescento aspectos que têm de ser considerados. A farta corrupção que imperou (impera ainda?) na cúpula da Confederação Brasileira de Futebol, com um ex-Presidente preso nos Estados Unidos, outro banido pela FIFA e mais outro às voltas com a Justiça, ambos não mais podendo dar um passo além-fronteiras, pois visados pela INTERPOL, e um atual absolutamente despreparado, devastou o futebol brasileiro. Federações Estaduais, que votam ratificando membros que se perenizam na cúpula da CBF, mídia diária que incensa ou critica em debates apaixonados, tantas vezes a ultrapassar o limite da exacerbação, e exercida por tantos não especializados na origem, mas com milhões de seguidores, clubes endividados que conseguem sobreviver “driblando” adversidades contábeis, reféns de torcidas organizadas, eivadas em suas fileiras de marginais travestidos em torcedores, toda essa triste realidade resulta na permanente queda de qualidade do futebol praticado no Brasil. O êxodo exagerado de nossos jogadores ainda imberbes para o Exterior retira de nossas terras o talento que, não desfilando mais pelos gramados, não estimula os que aqui permanecem ao menos ao aperfeiçoamento. Transferindo-se os artistas da bola precocemente, muitos têm aferido somas altíssimas. Ao vestirem a camisa da seleção, teriam eles no de profundis a ligação amorosa às raízes? Eliminada a seleção, viu-se que alguns jogadores retornaram ao Brasil, outros se dirigiram diretamente aos países onde moram e foram vistos descontraídos, usufruindo férias do verão europeu. A Copa do Mundo, para alguns jogadores brasileiros, não representaria apenas uma grande vitrine para exibição das habilidades individuais? O considerado salvador da Pátria não participou a pensar ser ungido o melhor da Copa? Tem o jogador que veste a “amarelinha” a noção verdadeira de Pátria? O êxodo sem tréguas não seria igualmente um descompromisso perene com as raízes? Indagados, todos afirmam o pleno envolvimento com o país de origem. Tenho minhas dúvidas.

In today’s post I publish messages received from readers with new thoughts regarding the steady decline of Brazilian football.