Esquecimento em publicações relevantes

Car la technique, c’est le son.
Alain Lompech

Abordei no post anterior descaso de nossos países irmãos quanto à efetiva divulgação de seus vultos mais expressivos. Portugal e mormente o Brasil pouco fazem para que ilustres músicos, escritores e pintores de mérito sejam conhecidos nos países em que a cultura erudita ainda é cultivada em vários níveis. Despreparo daqueles que mantêm o poder, desinteresse de agentes e da mídia. Dessas três categorias culturais, a música é a mais sacrificada, como se para governantes e promotores a música de concerto fosse realmente de menor expressão do que artes correlatas. Acentuadamente a música descartável, efêmera e de qualidade duvidosa invade espaços e mentes das novas gerações. Não observado com profundidade, esse distanciamento se agudiza entre as duas manifestações, a que perdura durante séculos e a efêmera, que, à maneira de Leviatã, conquista inteiramente a escuta de gerações de adeptos, para gáudio da indústria do espetáculo.

Há alguns anos li o livro “Les Grands Pianistes du XXème Siècle”, de Alain Lompech (Paris, Buchet Chastel, 2012). Ao todo, 44 pianistas entre os maiores, nascidos de 1873 a 1947, são evocados em relatos não profundos, mas a salientar aspectos até desconhecidos das biografias publicadas. Talvez ao autor a ideia de transmitir determinados fatos, por vezes triviais, pudesse dar às narrativas uma maior aproximação do leitor com o artista em pauta. Essa proximidade torna a leitura agradável, sem contudo ultrapassar os limites até de crônicas bem elaboradas. Tantas são as vezes que Alain Lompech, para melhor enquadrar o pianista no cenário proposto, insere algum outro nome relevante, não necessariamente pianista, a complementar seu desiderato de apresentar o pianista em seu labor, nas especificidades interpretativas, no contato com o público e com seus diletos, no convívio social e na recepção crítica. Sem ser profundo, “Les Grands Pianistes du XXe Siècle” chega a agradar. Para músicos e parcela considerável do público que frequenta concertos os nomes são bem conhecidos, de Sergei Rachmaninov (1873-1943) a Catherine Collard (1947-1993) e mais os outros 42 pianistas que nasceram entre essas datas limites.

Se, para explicar a ascendência pedagógica de Edwin Fischer (1886-1960), o autor debruça-se sobre seu mestre Martin Krause – um dos últimos alunos de Liszt -, professor que foi de Claudio Arrau e de meu mestre durante seis anos, José Kliass, igualmente o faz quando aborda Vladimir Sofronitzki (1901-1961), pormenorizando o pianista que o antecedeu, Anton Rubinstein (1829-1894), a explicar uma sequência da denominada escola pianística russa. Essas inserções complementam um conhecimento maior da formação de cada intérprete mencionado no livro.

Um dos aspectos mais marcantes em “Les Grands Pianistes du XXème siècle” refere-se aos repertórios. Frisa bem o autor a quantidade de “concertos históricos” realizados pelos pianistas nascidos no século XIX e que prosseguiram brilhantes carreiras durante a primeira metade do século XX, por vezes algumas poucas décadas mais. Arthur Rubinstein (1887-1982) é um deles. Lembraria que, durante meus anos de aperfeiçoamento em Paris, ainda era relativamente comum essa façanha. Chamaram minha atenção e de meus colegas àquela altura comentários a respeito de uma série de 17 recitais diferentes oferecidos por Arthur Rubinstein. Não me recordo a cidade onde se deu essa extraordinária realização. Curiosa a observação do autor ao afirmar que Arthur Rubinstein – nenhuma relação de parentesco com o mencionado Anton Rubinstein – era “polonês de nascimento, alemão de educação musical, francês de educação intelectual, mas de coração espanhol e brasileiro”. Complementa que isso se deve às turnês pelo Brasil, amizades com a intelligentzia do país e o fato de ter “descoberto” o jovem Villa-Lobos. Acrescentaria que frequentou a morada do nosso mais importante compositor romântico Henrique Oswald (1852-1931), dele se tornando amigo. Dos pianistas brasileiros, dois são lembrados: Guiomar Novaes (1896-1979) e Nelson Freire (1944- ).

Alain Lompech dedica bom espaço à excelsa pianista Marcelle Meyer (1897-1958). Lembro-me que cheguei em Paris com bolsa do governo francês no ano da morte da pianista. Durante os anos que permaneci na capital da França praticamente seu nome não era lembrado. Sabia-a extraordinária, pois na juventude meu pai adquirira a obra para teclado de Jean-Philippe Rameau (dois LPs) e a de Igor Stravinsky por Marcelle Meyer. Nas minhas muitas viagens posteriores à França, seu nome permanecia sempre bem abaixo de sua excepcional qualidade. Lompech observa que a pianista preferia outras atividades àquela de “estar cortejando empresários, a fim de realizar a grande carreira internacional que seu talento certamente mereceria e que na realidade não aconteceu”. Frequentou e gravou repertório do barroco à Stravinsky, foi a intérprete do “Groupe des Six”, que lutava por uma arte genuinamente francesa e se opunha ao wagnerismo e ao até então denominado impressionismo. Gravaria obras de Debussy, Ravel (integral), Mozart, Beethoven, Schubertt e Chopin, apresentando-se com orquestra sob a regência dos grandes nomes de seu tempo. Um de meus primeiro blogs foi sobre Marcelle Meyer (vide: “Marcelle Meyer – A redescoberta merecida”, 06/03/2007)

Lembrar de Marcelle Meyer, nascida em França, diga-se, hoje totalmente reconhecida, faz considerar a ausência no livro de Alain Lompech do grande Vianna da Motta, tema do blog anterior. Quando afirmo que não há a devida divulgação de Vianna da Motta em esfera internacional, e essa publicidade teria de ser originária de instituições do governo português ligadas à cultura, é pelo fato de que ocultá-lo tem triste resultado, pois apequena o que é expressivo em Portugal. Em dois livros referenciais sobre pianistas, Vianna da Motta não é estudado: “Great Pianists on Piano Playing”, de James Francis Cooke (New York, Dover, 1999), e “Great Contemporary Pianists Speak for Themselves”, de Elyse Mach (New York, Dover, 1991). Os autores se debruçam sobre 30 e 25 pianistas, respectivamente. No caudaloso “Los Grandes Pianistas” (Buenos Aires, Javier Vergara, 1990), de Harold Schonberg (1915-2003), conhecido crítico do New York Times, Vianna da Motta é mencionado entre muitos e mereceu um pequeno parágrafo de oito linhas nas 419 páginas do livro, mormente por ter sido aluno de Franz Liszt. Nessas reduzidas linhas observa: “Nas poucas vezes que deu concertos despertou admiração” (sic). Justamente Vianna da Motta que se apresentou centenas de vezes em inúmeros países e foi detentor de imenso repertório!!!

Acredito que teria de haver uma ampla divulgação de sua obra como compositor em termos mundiais. Certamente o pianista Vianna da Motta emergiria nessa promoção. Se tantos pianistas são lembrados e a eles capítulos são dedicados, por que não Vianna da Motta!!! Está por merecer uma maior acolhida internacional.

A few thoughts on the oblivion of some great pianists by the media and musical associations. Think for example of the brilliant French pianist Marcelle Meyer, who even at her time has never received from the media the recognition a performer with her accomplishments would deserve. Her name passed into obscurity shortly after her death, and only recently her reputation as one of the greatest keyboard virtuosi of the XXth century in French was reestablished. The multitalented Portuguese pianist, composer and conductor Vianna da Motta was not so fortunate. Because little has been invested in the promotion of his works outside Portugal, he is virtually unknown outside the boundaries of his native country. Had this been done and today his name would have received the international acclaim he deserves.