SESC disponibiliza ao público CD dedicado a Henrique Oswald

Melhor, bem melhor dar aulas de piano em Florença,
compor para mim e para meus amigos, e,
se quando morrer a minha música for considerada boa, executá-la-ão.
Entretanto, para mim é a mesma coisa,
a mim ela agrada, aos outros que não gostam de ouvi-la,
que escutem outras, existem tantas!
Henrique Oswald
(“Diário de Munique” – 1906)

Os comentários do compositor francês François Servenière, publicados no blog anterior, precisam com agudeza determinado quesito presente na obra de Henrique Oswald, compositor que tem paulatina, mas segura, divulgação. Quanto ao “Nocturne op. 6 nº 1”, gravado em vídeo após recital na Igreja da Boa Morte em São Paulo e anexado ao citado blog, houve inúmeras apreciações.

Maury Buchala, compositor e regente brasileiro residente há décadas em Paris, escreveu: “Sublime este Noturno, Já se evidenciam caminhos e resoluções harmônicas quase atonais, às vezes fora do contexto habitual do romantismo. Percebemos em vários momentos soluções mais próximas do que virá mais tarde no século XX”.

Idalete Giga, regente coral e especialista portuguesa em canto gregoriano observa: “Quem me dera ter vivido no tempo de H. Oswald! Ele é, de facto, um grande romântico, no melhor sentido do termo.  Mas talvez hoje possamos compreender, amar e  sentir melhor a beleza das suas obras e a sua dimensão humana que foi muito para além do seu tempo. O facto de o José Eduardo  ter  dedicado uma parte da sua vida a estudar a obra de H. Oswald e a divulgá-la através de gravações, recitais e palestras, prendou-nos a todos ao revelar um tesouro que estava escondido e manteve assim viva a genialidade do grande romântico. Considero que foi também um privilégio para o José Eduardo o acesso às suas obras e a aproximação tão carinhosa à família Oswald! Nada acontece por acaso. Felizmente, poderei agora ouvir também muitas outras gravadas em disco, ou tocadas ao vivo. Por ex, o ‘Nocturne’ nº 6 que o José Eduardo interpreta magistralmente.  Gostei muitíssimo das reflexões de seu amigo Serveniére sobre este ‘Nocturne’. Ele utiliza sempre imagens muito sugestivas. Por outro lado, mostra bem o contraste entre a grande Música e o estafado e barulhento rock que continua a poluir, ad nauseam, o ambiente, por toda a parte. É que a maioria dos jovens não suporta o silêncio. As escolas não ensinam a ‘escutar’ e, por isso, o silêncio é constantemente crucificado.(!)

Gildo Magalhães, professor titular da FFLECH-USP, observa: “E a chave é a sensibilidade, acima de escolas e períodos, e a que você se dedicou desde cedo e desenvolveu admiravelmente”.

De Thomaz Oswald, bisneto do compositor e responsável pela montagem do site referencial dedicado ao seu ilustre ascendente, veio a mensagem: “Descobri há poucos dias que se espalha cada vez mais o interesse por Henrique Oswald. O YouTube, o Spotify, o Googleplay, o Deezer e outras plataformas de audição de músicas na Internet criaram paginas especiais para Henrique Oswald. (É só colocar o nome dele na busca que surge muita coisa criada recentemente). Ficamos surpresos! Existem hoje páginas especiais criadas pelo Google, Wikipédia e links para tantas outras mais. É tudo muito surpreendente! Você tem um papel mais que importante nisso”.

Maria Clara Porto, também bisneta de Henrique Oswald, escreveu:“Que maravilha, José Eduardo! Aproveito para te dizer que atualizamos o site da família Oswald e inserimos e atualizamos o conteúdo. Isabel, minha filha, está responsável pela administração do mesmo e já inseriu essa última gravação, que está belíssima! Obrigada sempre pela divulgação da obra de nosso bisavô. Somos e seremos sempre muito gratos!”

O leitor poderá ouvir todo o repertório contido no CD “O Romantismo de Henrique Oswald” ao acessar o link do selo SESC, mais uma prestimosa contribuição pública do Serviço Social do Comércio. Após meu texto inserido no encarte do CD, o leitor tem à disposição todo o repertório:

https://www.sescsp.org.br/online/selo-sesc/809_O+ROMANTISMO+DE+HENRIQUE+OSWALD#/tagcloud=lista

Outros mais e-mails que nos chegaram corroboram aspecto fulcral na criação oswaldiana, a presença melódica marcante, estruturada numa configuração plena da escrita impecável. Da mais singela peça para piano à complexidade, mormente em parte considerável da música de câmara, a natural inclinação melódica se destaca.

Em Lagos, Portugal, tenho um velho amigo que durante 60 anos navegou, a pescar pelas águas algarvias. Foi e continua a ser sua atividade, mesmo após a aposentadoria. Perguntei-lhe certa vez: “Firmino, qual é o segredo do mar?”. “O segredo do mar é o vento”, respondeu-me.

Poder-se-ia dizer que, na obra de Henrique Oswald, o “canto”, louvado no blog anterior por Servenière, é um dos segredos. Ele possibilita a flexibilização da frase musical, que jamais se apresenta inflexível. Diria que há uma constante presença do rubato, tão apregoado no romantismo, mas pré-existente inclusive na Idade Média através das linhas do canto gregoriano. Claude Debussy escreveria que não se podia penetrar em seus “Douze Études” sem as mãos preparadas. Logicamente, o mestre francês referia-se à parte técnica, pois os “Études” têm tantas mais implicações, entre as quais a dinâmica, a agógica e a articulação, que os configuram como uma das obras mestras do século XX. São segredos nessa intrínseca dualidade musical que, segundo observação de Stravinsky: “a natureza particular da música comanda sua vida própria e seus reflexos na ordem social, pois ela supõe duas espécies de músicos, o criador e o intérprete”.

Consideremos Henrique Oswald na sua ação como homem. Não há em sua vida o enfrentamento. Em Florença, onde permaneceu por quase três décadas, inexiste um fato relevante gerador de disputa frontal. No Instituto Nacional de Música, que dirigiu de 1903 a 1906, renunciaria para não entrar em estéreis polêmicas. Quando da  ebulição do nacionalismo musical, Oswald não se posiciona, mas menciona em entrevista outros compositores mais familiarizados com as ideias do movimento. Se querelas há, restringem-se às confidências fixadas em cartas ou diários que não vêm à luz.  A interiorização induz à obra que não foi feita para o impacto. Extremamente bem cuidada, não inovadora, contudo identificada com muitas outras criações de pares ilustres. O velamento tem consequências na escritura.  A flexibilização oswaldiana da frase – agógica -, implica, mormente na maioria das circa duas centenas de peças para piano, o entendimento que se pode apreender da índole do compositor e da destinação dessas pequenas criações, ou seja, a aplicação prática nos salões burgueses com olhar aristocrático. A elegância de suas peças se coaduna com o ambiente social, mas revela a introspectividade do autor. Em outras palavras, Oswald não pode jamais ser pensado “metronomicamente”. Minha saudosa amiga Maria Isabel Oswald Monteiro, neta do compositor, a quem tributo gratidão eterna por generosamente, durante anos, expor toda a documentação, constituída de manuscritos musicais autógrafos inéditos, diários da mãe e da esposa de Henrique Oswald, dizia sempre que a respiração constante visando à construção da frase musical era o norte da produção de seu avô. Em recital que apresentei na Sala Cecília Meireles, no Rio de Janeiro, interpretei “Il Neige!”, obra premiada em Paris. Nosso grande compositor e também saudoso amigo, Francisco Mignone, foi ao camarim e me disse: “Oswald entendia essa sua criação muito mais lenta e plenamente flexibilizada”. Não me esqueceria dessa afirmação.

Alvissareira a edição de CDs dedicados a Henrique Oswald, mormente na última década. Ultimamente tem sido um dos compositores mais frequentados pelos intérpretes brasileiros que prestigiam a produção tão sensível do autor. Sob outra égide, já são inúmeras as teses sobre o músico produzidas no Brasil e no Exterior.Causa surpresa e esperanças o interesse pelo compositor. Acredito mesmo que, enquanto sua opera omnia não estiver amplamente divulgada, uma lacuna referente ao romantismo perpetrado por criador nacional se fará presente. Para aqueles que quiserem mais informações sobre Henrique Oswald, o site criado por Thomaz Oswald traz substanciosas informações:

https://oswald.art.br

Ouçamos Henrique Oswald. Neste país pleno de surpresas, absurdos e tumultos, a calma e a paz, apregoadas por François Servenière no blog anterior, após a audição de suas obras, podem ser caminhos para suportarmos a avalanche de desacertos que se perpetuam.

In this post I publish messages received with comments on my recording of Henrique Oswald’s “Nocturne op 6 nº 1”, subject of the previous post, followed by my own considerations on some aspects of the composer’s musical writing.  Included is a link of the SESC label giving access to the entire album “O Romantismo de Henrique Oswald”. His works are on the rise among Brazilian interpreters and it is my belief that, unless his opera omnia is widely promoted, there will be a gap in the history of Brazilian Romanticism. Those who want to go deeper into life and work of this great romantic composer may visit the website maintained by the Oswald family:https://oswald.art.br