Recepção em Portugal nos tempos dos LPs

Le progrès en art ne consiste à l’étendre ses limites,
mais à les mieux connaître.
Georges Braque

Há tempos não apresentava Ecos, manifestações de interesse dos leitores que acompanham meus blogs. Dois comentários vindos de Portugal, escritos por amigos que não se conhecem, mas que, por incrível coincidência, abordam precisamente o contato auditivo com a interpretação de Guiomar Novaes através dos antigos LPs, fazem com que prazerosamente divulgue essas mensagens plenas de um “sabor” muito especial, nessa rememoração de tantas décadas passadas. Três outras mensagens paulistanas transmito ao leitor.

António Meneres é arquiteto e tem entre seus méritos pesquisas e divulgação no âmbito do patrimônio arquitetônico. Escreve:

“O texto que tive a ‘honra’ de receber trouxe-me à memória um antigo LP que eu muitas vezes ouvi na casa da Quinta do Romeu, fundada por meu bisavô Clemente Menéres que, com 16 anos, embarcou para o Rio de Janeiro, onde um velho parente tinha o seu negócio de ‘secos e molhados’…, expressão brasileira que aqui ninguém conhece…, e aos 17 casou-se com a filha, sua prima.

De regresso a Portugal, começou a comprar cortiça em Trás-os-Montes e lá, próximo a Mirandela, mandou construir uma bela casa que, infelizmente, sofreu um enorme incêndio e ficou em cinzas, isto em 1944… tinha eu 14 anos.

Foi construída no local outra moradia, que ainda visito, embora muito raramente.

Mas, nos anos 50, um meu tio avô, seu filho, procurava os meus conselhos de jovem arquitecto para mandar fazer melhorias nas casas dos empregados desta grande propriedade (ele, meu bisavô, foi adquirindo parcelas com sobreiros, durante a sua longa vida) e ainda hoje é a maior propriedade em Trás-os-Montes, embora extremamente fragmentada.

Mas vamos ao assunto: – quando eu regressava a casa, depois de um dia passado em cima do jeep nas aldeias próximas onde residiam alguns dos empregados, tomava o meu duche e ia para a sala, ligava o gira-discos e colocava um LP, julgo da His Master’s Voice, com o concerto para piano e orquestra nº 20 de Mozart interpretado justamente por Guiomar Novaes (quase me apetecia roubá-lo para o ouvir mais vezes no Porto, mas, como desde pequeno ouvia minha mãe dizer que era muito feio fazer isso, sempre procurei seguir esse bom conselho).

Era, de facto, o disco que sempre escolhia….eu, que não distingo um Dó de um Ré, ficava sempre deliciado, logo de início, com aquela introdução espantosa e quando o piano aparece, então eu entrava num outro mundo.

Não me sei explicar de outro modo…..sei que gostava de levar para o outro mundo este concerto, a par dos quartetos de Beethoven, um conjunto que sempre me faz pensar que só um génio pode organizar na sua mente (em especial os últimos),….o que nunca pode ouvir como nós, felizes mortais.

Pois do nº 20 tenho um LP interpretado por Svjatoslav Richter e mais recentemente em CD com a interpretação de Malcon Bilson, um pianista de que nunca tinha ouvido falar….mas julgo que deveria ter também a mensagem de Maria João Pires, gravada pela Deutsche Grammophon.

Tudo isto, repito, sem distinguir um Dó de um Ré, tal é o poder da Música dentro de mim……Como me arrependo de não ter perguntado sobre Mozart, e também sobre Schumann, ao velho Óscar da Silva, que acabou os seus dias acolhido em casa de uma sua antiga aluna e vizinha de casa de meus pais em Leça… e como eu era amigo dos filhos da senhora, sempre procurava conversar com o senhor Óscar, como sempre era tratado carinhosamente naquela casa. Óscar da Silva, aluno de Clara Schumann, disse-me que o seu exame final em Leipzig foi o também belo concerto para piano de Schumann (naturalmente, digo eu).

E, por hoje, por aqui me fico”.

Óscar da Silva (1870-1958), compositor e exímio pianista, legou uma produção onde não falta o apelo à virtuosidade. O seu idiomático técnico-pianístico estaria a atender às suas mãos, naturalmente possuidoras de grande abertura”. Em digressão a Portugal em 2009 apresentei algumas criações de Óscar da Silva.

Clique para ouvir o Concerto para piano e orquestra nº 20 em ré menor K. 466 de Mozart na interpretação de Guiomar Novaes, sob a regência de Hans Swarowsky. Gravação de 1953.

https://www.youtube.com/watch?v=TgVq3HQwWPI

Romeu Pinto da Silva, também formado em arquitetura, tendo estudado igualmente no Conservatório Nacional, teve ativa ação diretiva em várias Instituições voltadas às artes em Portugal. Chamou-me atenção o impacto simultâneo que o blog anterior causou nos dois ilustres amigos portugueses. Por sua vez, Romeu Pinto da Silva escreve:

“Fique sabendo que me emocionou muito o facto de você me ter falado da grande Guiomar de Novaes. Foi ela que, tinha eu entre 14 e 15 anos, me deu a conhecer o 4º concerto para piano e orquestra de Beethoven. Um LP de 25 cm Panthéon, que guardo religiosamente como uma autêntica relíquia e do qual  tenho cópia em CD, carinhosamente feita por mim há já muitos anos. Suponho que o meu Amigo conhece esta gravação, com a Orquestra Sinfónica de Viena dirigida pelo colossal Otto Klemperer.

O desaparecimento da Guiomar não é caso único! O que é feito do Wilhelm Backhaus e do Arhur Schnabel???

Mas…. temos agora os Trifonov’s.…..e outros quejandos…..

Estou-lhe muito grato por ter trazido até a minha ‘quarentena’ a evocação da grande Música de Guiomar Novaes”.

O arquiteto paulista Marcos Leite comenta: “Mais um belo texto e resgate da memória cultural-musical tão desprezada pelos pobres meios de comunicação. Não conheci pessoalmente Guiomar Novais nem Magdalena Tagliaferro, mas tenho com ambas ligações indiretas. Luiz Octávio, filho de Guiomar, foi amigo do meu pai, gentil e educado, recordo com pesar seu precoce e trágico desaparecimento. Quanto à Tagliaferro, minha filha foi aluna da Fundação, que infelizmente teve que encerrar suas atividades devido às dificuldades de manutenção, a despeito do empenho e dedicação da direção. Lembro ainda de gravações de ambas em discos 78 rpm originários da Casa Sotero, que era do meu avô. Situada na Rua São Bento, além de pioneira na gravação de discos, importava instrumentos musicais e partituras. Alguns anos após o falecimento do meu avô, no começo dos anos 60, a família vendeu a loja. Tempos idos…”.

Gildo Magalhães, professor titular da FFLECH, escreve: “Ótimo relembrar Guiomar Novaes! O comentário sobre o YouTube foi mordaz e certeiro!”

A professora titular aposentada da USP, Maria Stella Orsini, autora do livro mencionado no blog anterior sobre Guiomar Novaes, observa: “Que felicidade ver a sua homenagem para a nossa intérprete maior neste Dia das Mães”.

Tantas outras mensagens teceram rasgados elogios à Guiomar Novaes. Trazem esperanças.

I received many messages with comments on the previous post about the great pianist Guiomar Novaes. By coincidence, two of my Portuguese friends who do not know each other have written about the emotion felt when listening to Guiomar’s music in the distant days of long-playing records. Many other readers praised her talent with rapturous applause.  I have selected some of the messages and they are the post of this week.