Um dos grandes mestres do piano

A mera possessão das ferramentas (técnica pianística) não basta;
o que conta é o instinto, a intuição artística que determina quando e como sabê-las usar.
Josef Hofmann
(“Piano Playing: With Piano Questions Answered “)

À medida que o tempo escoa, intérpretes sublimes do passado vão sendo esquecidos. As gerações mais recentes basicamente os desconhecem, pois de maneira acentuada e irreversível a máquina hodierna, voltada a erigir talentos novos, entre os quais alguns a cada ano mais incensados, não tem interesse em propagar os que já se foram. Louve-se o Youtube, que gratuitamente possibilita acesso às gravações dos notáveis intérpretes nascidos nas fronteiras dos séculos XIX-XX. Fatores vários, como a não presença física, o desinteresse da mídia e dos patrocinadores, a tecnologia sonora mais precária de antanho e a concorrência dos executantes atuantes, sempre mais intensa, tornam o passado algo… remoto ou morto. Não ouvir essas figuras incrivelmente dotadas tem consequências irreversíveis para aqueles que acompanham os caminhos da interpretação. Perde-se a origem, e a cada geração só parece importar a que está a eclodir, ou alguns intérpretes remanescentes que ainda guardam a aura, esta a desaparecer lentamente após seus desenlaces.

Josef Hofmann, nascido na Cracóvia (Polônia), filho do compositor e regente Kasimierz Hofman e da cantora Matylda Pindelska, já aos 5 anos dava seu primeiro recital e, como menino prodígio, apresentou-se em vários países da Europa e nos Estados Unidos. A fim de proporcionar ao jovem pianista uma mais completa educação musical, a família se muda para Berlin. Estudaria composição e piano com dois excepcionais músicos: Moritz Moszkowski e Anton Rubinstein, deste sendo o único aluno particular.

A carreira de cerca de 50 anos o consagraria como um dos maiores pianistas do período. As palavras de Rachmaninov sobre Hofmann são incontestáveis, considerando-o um intérprete absolutamente excepcional. Ao ouvir a Sonata op. 35 de Chopin interpretada por Hofmann, impressionou-se pela performance, e o notável compositor e pianista russo retirou-a de seu repertório. Estou a me lembrar de que, após a única e excepcional aula particular que tive com o grande pianista francês Pierre Sancan, cuja técnica era descomunal, perguntei-lhe quais os pianistas que mais o haviam impressionado no quesito técnica. A resposta veio imediata: Hofmann e Horowitz.

Clique para ouvir, de Liszt, a Rapsódia nº 12 na interpretação de Josef Hofmann:

https://www.youtube.com/watch?v=9TI5zoV1TL0

Causa espanto uma das turnês de Hofmann pela Rússia. Em 1912 realizou 21 concertos consecutivos em São Petersburgo, sem nunca repetir uma peça. Ao todo apresentou 255 composições!!! Foi um dos pianistas com o mais vasto repertório. Faz-me lembrar das turnês do excepcional pianista português Vianna da Motta (1868-1948) no Brasil e Argentina e sua diversificação repertorial (vide blogs: “Vianna da Motta” e “Seria Vianna da Motta lembrado à altura de seu mérito?” 07/07 e 14/07/2018, respectivamente).

Hofmann era de baixa estatura e tinha mãos pequenas. A renomada empresa Steinway&Sons fez-lhe vários pianos com as teclas ligeiramente mais estreitas.

Durante a Primeira Grande Guerra praticamente se fixou nos Estados Unidos, sendo que em 1926 tornar-se-ia cidadão americano. Como docente, foi o primeiro chefe do departamento de piano do Instituto Curtis de Música de Filadélfia, tornando-se diretor do estabelecimento de 1927 a 1938. Entre seus alunos: Abbey Simon, Shura Cherkassky, Rutth Slenczynska, sendo que Jorge Bolet recebeu igualmente aconselhamentos de Hofmann. Em 1938 foi orientado a se desligar do Instituto Curtis, mercê do alcoolismo, entre outros problemas administrativos. O álcool foi um dos motivos para o declínio. O pianista Oscar Levant escreveu: “uma das terríveis tragédias da música foi a desintegração de Josef Hofmann como artista. Seu último  concerto público … foi uma provação para todos nós”.

Clique para ouvir, de Chopin, Noturno op. 27 nº 2, na interpretação de Josef Hofmann (1942):

https://www.youtube.com/watch?v=KZOjIVS216U

Josef Hofmann foi reconhecido pelos mais respeitados colegas pianistas como um dos grandes. Suas interpretações são personalíssimas. Nada extrapola o que está escrito na partitura. Logicamente, assim como não há duas interpretações iguais, Hofmann é pessoal, criativo, mas sem jamais perder o norte. Afirmaria: “A verdadeira interpretação de uma composição é o resultado de uma compreensão correta e esta, por sua vez, depende tão somente de uma leitura realizada com escrúpulos e exatidão… A deliberada e descarada exibição que o executante faz de seu querido ego através de acréscimos voluntários de matizes, gradações, efeitos e outros recursos equivale a uma falsificação; no melhor dos casos é tocar para o público das galerias, charlatanismo. O intérprete sempre deveria estar convencido de que está a tocar o que está escrito”. Estabelece parâmetros para essa obediência à fidelidade ao texto: “Diz-se por vezes que o estudo demasiado objetivo de uma peça pode prejudicar a ‘individualidade’ de sua interpretação. Não tenham esse temor! Se dez executantes estudarem a mesma peça com o mesmo grau de exatidão e objetividade, estejam seguros de que cada um tocará de maneira diferente dos outros nove, apesar de que todos entenderão suas interpretações individuais como as corretas”.

Como compositor, Hofmann compôs inúmeras peças para piano e um Concerto para piano e orquestra. Em algumas delas usou o pseudônimo M.Dvorsky.

Clique para ouvir peças diversas de Joseph Hofmann: Mazurka op 16, Caleidoscópio op. 40; M.Dvorsky, Pinguim e O Santuário; Hofmann, Estudo op.32, na interpretação do autor:

https://www.youtube.com/watch?v=RxiE5alKn4s

Professor, Hofmann deixaria como legado escrito muitas observações sobre as várias problemáticas do estudo pianístico através de respostas a questionamentos. Seu livro Piano Playing: With Piano Questions Answered teve várias edições. Num campo diametralmente oposto, foi inventor e teve várias criações patenteadas.

Josef Hofmann was one of the most respected pianists of the past, with performances emphatically praised by musicians and critics alike. Without compromising the content of a score, his interpretations are very personal and built on one of the most accurate techniques in history. His repertoire was immense thanks to his prodigious memory.