Entrevistado pelo Dr. Ives Gandra Martins

São meus discípulos, se alguns tenho,
os que estão contra mim;
porque esses guardaram no fundo da alma
a força que verdadeiramente me anima
e que mais desejaria transmitir-lhes:
a de não se conformarem.

Agostinho da Silva
(“Sete Cartas a um jovem filósofo”)

Senti-me honrado ao receber o convite de meu querido irmão Ives, ilustre jurista, para entrevista em seu consagrado programa Anatomia do Poder, que vai ao ar todos os domingos às 21:00 na Rede Vida, entrando a seguir no Youtube e no Instagram. O nosso diálogo foi transmitido no dia 7 de Agosto.

O motivo central da entrevista esteve ligado à minha recente turnê em Portugal. Pudemos trocar ideias, pois em Coimbra, sempre a convite da tradicionalíssima universidade, apresentei-me ao longo dos anos em recitais privilegiando majoritariamente compositores portugueses, mormente o insigne Carlos Seixas (1704-1742), conimbricense. Durante esse período, meu livro “Impressões sobre a Música Portuguesa” foi publicado pela Imprensa da Universidade de Coimbra (IUC) em 2011. Ives, em sua brilhante carreira, proferiu conferências e participou de bancas acadêmicas na Universidade fundada em 1290, uma das mais antigas da Europa. Apesar de áreas distintas, há entre nós mais este elo fulcral. Devido ao tempo restrito da entrevista, ainda tive oportunidade de discorrer sucintamente no primeiro segmento sobre minha ligação acentuada com a música portuguesa.

Clique para ouvir, de Carlos Seixas, a Sonata nº 34 em Mi Maior, na interpretação de J.E.M.:

https://www.youtube.com/watch?v=QXoSKycVA5k

Numa segunda parte da entrevista dialogamos sobre dissertações e teses universitárias. Concordâncias tivemos nos temas basilares relacionados a esses trabalhos acadêmicos. Igualmente pela brevidade do tempo, estendo-me no presente post sobre colocações por Ives levantadas que substanciaram o diálogo e que se mostram, com o passar dos anos, recorrentes ou, em palavra mais contundente, acentuadas.

Ao longo de mais de 15 anos de blogs hebdomadários ininterruptos, tenho frisado minha apreensão sobre a quantidade exacerbada de dissertações e doutorados, grande maioria deles que, mantidos nos arquivos das tantas universidades espalhadas pelo país, jamais serão consultados. Toneladas, diria. Razões há para essa lamentável situação.

A carreira universitária prioritariamente norteia o docente à progressão na vida acadêmica e dissertações e teses fazem parte desse trilhar. Todavia, parte substancial do corpo docente não tem inclinação para o aprofundamento. Sob outra égide, nem sempre a essência essencial dos temas abordados merece a atenção dos candidatos a posteriori da defesa. Devido ao tempo escasso do preclaro programa Anatomia do Poder, nem tudo foi debatido. Contudo, mencionei em síntese algo que me causou profundo impacto e que publiquei em blog bem anterior. No já longínquo 2007, próximo da aposentadoria, encontrei casualmente um egresso dos bancos universitários que havia tempos atrás defendido sua dissertação de mestrado. Convidei-o para um curto na lanchonete de um supermercado e, a certa altura, indaguei-lhe sobre o tema da dissertação e o desenvolvimento posterior, a ampliar horizontes sobre a matéria. Com naturalidade disse-me que felizmente jamais voltaria àquele tema acadêmico, acrescentando que tivera muito trabalho para concluí-lo. Perguntei-lhe se tivera bolsa e a resposta afirmativa foi imediata, seguida de um acréscimo, pois obtivera bolsa para o doutorado, o que o deixava bem feliz (vide blog: “O Drama da Pós-Graduação – O Perigo do Circunstancial Endêmico”, 21/07/2007). Após o curto, despedimo-nos e fiquei a pensar nessa incongruência que se estende, inclusive, aos Institutos de Fomento. Bolsas são oferecidas desde que obedeçam a requisitos formais e, entre eles, posição do orientador. Submetidas à análise de professores credenciados pelas Instituições patrocinadoras para as tantas áreas do conhecimento, o projeto pode ser aprovado ou não. É a norma. Contudo, acredito firmemente, considerando o caso do aluno em questão, que poderíamos estender a muitos outros na mesma situação, pois, que eu saiba, não há até o momento por parte desses Institutos o day after, o saber quais resultados foram alcançados ao longo sobre as temáticas desses trabalhos acadêmicos e as suas consequências na vida do outorgado, salvaguarda do conhecimento mais embasado, descortino para novas fronteiras. Se negligenciada logo após a defesa da dissertação, tem-se um desperdício absurdo nessa distribuição de bolsas, pois a não sequência evidencia que um ponto final, rigorosamente irreversível, foi colocado naquele trabalho acadêmico, doravante sepultado para todo o sempre. Se o tema do doutorado for outro, aquele do mestrado deveria permanecer aceso no acervo do postulante à nova titulação, mesmo que em prolongado standby.

Inúmeras vezes neste espaço reiterei que temas escolhidos para dissertações ou teses devem acompanhar o novel titulado durante toda a existência, seja de maneira concreta ou por vias complementares. Outras vertentes certamente surgirão no decorrer da vida e esse processo é salutar, pois embasa o todo. Num sentido outro o já portador das titulações poderá se tornar um especialista de um só tema que, mesmo aprofundado, desvia-o da visão de outros horizontes. Vocacionados majoritariamente agem com naturalidade, pluralizam outras vias do conhecimento sem olvidar o que já foi realizado. Infelizmente, quantos não são aqueles para os quais a titulação serve apenas para favorecer a carreira universitária com vistas a melhores salários ou, de maneira nociva igualmente, com vistas ao poder na Academia. Pouco a fazer na atual conjuntura das universidades e dos Institutos de Fomento, que, se prestam reais serviços a quem merece, tantas vezes negligenciam o crescimento do joio.

Continuo a acreditar que a única via é a do relacionamento amoroso com as temáticas. Estou a me lembrar de tantos pretendentes à titulação acadêmica que me procuraram sem sequer saber que tema escolher e que rejeitei tout court. Candidatos que, após escolhida a pesquisa a ser realizada, sem quaisquer origens e ditada pela necessidade, apresentaram-se como verdadeiros franco-atiradores. Sem contar com os acintes à língua mãe.

Meu irmão Ives assinalou algo basilar, fundamento essencial para dissertações e teses, ou seja, serem originais esses trabalhos acadêmicos através de profícuo aprofundamento. Concluo a dizer que prefiro a palavra aprofundamento ao termo pesquisa, pois “todos” se sentem pesquisadores. Banalizar a significativa palavra é fixá-la em patamar duvidoso, hélas.

Fica neste espaço meu agradecimento ao Ives que, após a morte de nosso Pai, tornou-se o verdadeiro patriarca dos irmãos.

Clique para ter acesso ao programa Anatomia do Poder, produzido e conduzido pelo notável jurista Dr. Ives Gandra Martins, e apresentado na Rede Vida no dia 7 de Agosto último:

https://www.youtube.com/watch?v=sVR3JJoB0cI

Invited by my brother Ives Gandra Martins, an eminent jurist, I was interviewed in his renowned program “Anatomia do Poder” (Anatomy of Power), broadcast every Sunday at 9:00 p.m. on Rede Vida TV network. As time is short on TV, in the post of the week I will develop further some topics addressed in “Anatomy of Power”.