“Variações sobre um tema de Barrozo Netto”

Efetivamente não há combinação sonora que não possa
se interpretar como variação de algum elemento
ou de alguma outra combinação desde a modificação do som puro.
André Souris (1899-1970)

Henrique Oswald (1852-1931) foi certamente o mais importante compositor brasileiro do período, cultivando vertentes do caudaloso movimento romântico. Ao longo de dezesseis anos Oswald foi tema de vários blogs, nos quais abordei aspectos da vida, da obra e da divulgação através de CDs que gravei na Bélgica. Algumas das peças camerísticas gravadas em 2002, assim como o Concerto para piano e orquestra em sua versão para piano e quinteto de cordas, já estão no Youtube. Também se encontra na internet a íntegra do CD “O Romantismo de Henrique Oswald”, igualmente gravado na Bélgica e lançado pelo SESC em 2019.

Foi com prazer que recebi mensagem do combativo músico Alexandre Dias, que preside o Instituto Piano Brasileiro, por ele fundado (institutopianobrasileiro.com.br) no almejo de introduzir a gravação das “Variações sobre um tema de Barrozo Neto”, de Henrique Oswald, na internet. A criação integra o CD “O piano intimista de Henrique Oswald”, lançado pela Academia Brasileira de Música em 2010. Realizei a gravação em Mullem, na região flamenga da Bélgica, sob os cuidados do notável engenheiro de som Johan Kennivé. Bem anteriormente gravara as “Variações…” para o álbum duplo de LPs lançado pela Funarte em 1982, dele constando um LP com a integral para violoncelo e piano, tendo o excelente Antônio Lauro Del Claro ao instrumento de cordas, e outro a conter obras para piano solo, dentre as quais as “Variações…”.

Nesses últimos anos, em que a degradação cultural voltada ao erudito é fato concreto, a ação de Alexandre Dias no sentido de resgatar o repertório brasileiro, não apenas as gravações, mas igualmente partituras, documentação e fotos, é louvável, uma porta para a esperança. A tarefa inclui igualmente a recuperação de nossa significativa música popular da primeira metade do século XX à bossa nova, composta e interpretadas por músicos inspirados e competentes. Essa música, infelizmente, proliferou nas últimas décadas em inúmeras vertentes, tantas delas vindas do Exterior, desvirtuando a identidade do gênero, acompanhadas progressivamente por elementos visuais, tantos deles histriônicos.

A obra para piano solo de Henrique Oswald tem real interesse. Compôs aproximadamente 200 peças espalhadas em coletâneas, criações avulsas que obedecem a singularidade escritural do compositor. Seria em Florença, onde viveu durante décadas, que a maioria de sua produção viria à luz. Curiosamente, a maioria das criações para piano solo não apresenta o pianismo mais virtuosístico que é encontrado em sua obra camerística ou no Concerto para piano e orquestra. Esse piano solo, sensível, tem preferencialmente índole intimista. À maneira de compositores românticos, seus antecessores, exemplificados por Schubert, Schumann, Brahms, Grieg e Tchaikovsky, entre tantos, a reunião de pequenas peças formando coletâneas descende, sob outra égide, das suítes escritas para cravo, tendo danças diferenciadas e tão comuns entre os séculos XVII e XVIII. Esse espírito voltado à criação guiou Henrique Oswald durante sua trajetória, quando o almejo era a peça para piano solo. Todavia, como a forma Sonata norteou Oswald quanto à composição camerística, o compositor legaria uma provável Sonata para piano a faltar um andamento, certamente escrito, mas infelizmente perdido.

Henrique Oswald comporia, sur le tard, as “Variações sobre um tema de Barrozo Netto”. O autor do tema, compositor, pianista, revisor e professor (1881-1941), foi amigo de Oswald. Ingressou por concurso no Instituto Nacional de Música como professor de piano. Nesse mesmo ano, Oswald, a convite do Barão do Rio Branco, tornou-se diretor da mesma instituição de ensino. Ao compor as “Variações…” em 1919, a grande maioria de sua criação para piano solo já havia sido escrita. Maria Isabel Oswald Monteiro, neta do compositor, ofereceu-me a edição impressa da partitura em 1978. Após a leitura diante da saudosa amiga, neta do compositor, considerou que não se deveria interpretá-la sem a observância de sua intenção intimista. Entendia ela que a primeira e a derradeira variação têm esse caráter quase religioso, sendo que a finalização, através da mais longa das sete variações, estende-se sempre a modular para um término em plena paz. Na realidade, seria na década de vinte que Henrique Oswald legaria duas importantes Missas e peças para canto e piano de índole religiosa nessa linha de recolhimento.

O filósofo–musicólogo Vladimir Jankélévitch (1903-1985), ao discorrer sobre o “Thème et Variations” de Gabriel Fauré (1845-1924), comenta que “… a imobilidade aparente implica, longe de excluir, a profunda continuidade do fluxo interior e a circulação das correntes submarinhas. Tudo o que é imóvel não está em repouso”. O extraordinário pianista Artur Rubinstein (1887-1982) afirmava que Oswald era o Fauré brasileiro, mercê de certas afinidades com a linguagem do compositor francês. Essa afirmativa é mais evidente se consideradas forem as músicas de câmara dos dois mestres.

Clique para ouvir, de Henrique Oswald, “Variações sobre um tema de Barrozo Netto”, na interpretação de J.E.M.:

https://www.youtube.com/watch?v=f7YAL3lGmqQ

Há ainda muito a ser realizado em torno da obra de Henrique Oswald. Após a minha tese de doutoramento junto à USP em 1988, a primeira sobre o compositor, é alvissareiro saber que mais de uma dezena já foi defendida no Brasil e no Exterior por especialistas, o que leva a crer que a memória do notável Henrique Oswald se perpetuará. Brevemente, um excelente pianista e professor italiano, Marco Rapetti, estará a defender em Florença uma tese de doutorado significativa, tendo recolhido rico material in loco a substanciar seu trabalho acadêmico, pois Oswald viveu e constituiu família na bela cidade da Itália.

Ratifico o meu apreço ao empenho do Instituto Piano Brasileiro nesse desiderato de não deixar no olvido a produção específica composta por nossos músicos de valor. Enquanto não tivermos o resgate de nosso passado musical, mormente o erudito – o menos privilegiado -, o Brasil permanecerá, nesse domínio, um país menor aos olhos de fora. Villa-Lobos (1887-1959) pontua como o mais privilegiado no Exterior, mas não ventilado como em décadas passadas, segundo auscultei em vários países europeus onde me apresentei em recitais. Haveria a necessidade imperiosa de uma intensa divulgação da criação musical erudita ou clássica fora das fronteiras. Mas, para tanto, passos do Estado voltados à área deveriam ser dados. Estaria ele interessado, mormente na atualidade?

Estava a finalizar o blog, quando verifico que o Instituto Piano Brasileiro acaba de introduzir a “Polonaise op. 34 nº 1″ de Henrique Oswald, obra dedicada à notável Antonieta Rudge (1885-1974), constante do mesmo CD, “O Piano intimista de Henrique Oswald”.

https://www.youtube.com/watch?v=fY8suJqIHW0

Invited by musician Alexandre Dias, President of the Brazilian Piano Institute, my recording of “Variações sobre um tema de Barrozo Netto”, that I recorded in Belgium in 2010, was posted on the Institute website with my full approval. Here are some notes about this magnificent creation by the Brazilian composer Henrique Oswald.