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O Encontro de Precioso Livro Perdido no meio das Estantes

Esforcei-me em reunir nesse livro
segmentos de diversos gêneros de nossa antiga literatura narrativa, 
Encontraremos amostras da epopeia nacional,
assim  como fábulas e contos.
Enfim, extraídos dos livros de história escritos na língua vulgar.
Gaston Paris

Em diversos posts referi-me às leituras de minha adolescência-juventude e da grande alegria que sentia ao penetrar no conteúdo dos livros que estavam à altura de meu entendimento. A obra de Monteiro Lobato, os incontáveis livros biográficos e de história das civilizações, o “Thesouro da Juventude”, “O mundo Pitoresco”, romances e narrativas. Um livro era o que de melhor poderia ser-me ofertado.

Em Maio último, ao procurar uma publicação específica sobre um tema musical que me interessava, encontrei, escondido entre livros maiores, um pequeno volume, menor do que um de bolso (15×9.5cm). Sem capa de rosto, quase “desmontado”. Desci a escada de alumínio que me leva às prateleiras mais altas e comecei a folheá-lo. Trata-se de “Contes et Récits extraites des Poètes et Prosateurs du Moyen Âge – Mis en Français Moderne” e escrito por Gaston Paris (1839-1903), (Paris, Classiques Hachette, 1896, 232 pgs.). Foi-me oferecido nos anos 1970, juntamente com outros de poesia francesa medieval e clássica, pela saudosa amiga Lourdes Duarte Milliet, irmã de Paulo Duarte (1899-1984) e viúva de Sérgio Milliet (1898-1966), dois entre os mais ilustres intelectuais paulistas do século XX. Lourdes e eu fazíamos parte do Conselho Deliberativo do Museu de Arte Sacra de São Paulo. Tinha prazer de com ela conversar longamente, pois aguardava-me pontualmente à porta de seu prédio para irmos ao Museu, àquela altura presidido pelo Padre Antônio de Oliveira Godinho (1920-1992).

O livrinho é simplesmente delicioso. Gaston Paris, medievalista, filólogo romanista e membro da Académie Française, tem muitos dons. Competência, qualidade ímpar da escrita e da comunicação, pois a obra é destinada aos adolescentes: “Acredito que eles lerão com prazer e tirarão proveito de todos os textos que eu traduzi para eles, seja de nossos velhos poetas épicos, de nossos contistas e historiadores. A inspiração de nossa epopeia propriamente nacional, em sua ingenuidade simples, forte e por vezes sublime, irá direto ao coração dos jovens franceses”.

Gaston Paris reúne uma quantidade apreciável de narrativas poéticas, contos e fábulas francesas que vêm desde a Idade Média, vertendo-os, como afirma, para o francês moderno. Fá-lo com maestria, sem abandonar determinados termos que ficaram perdidos no caminhar da civilização. Quando isso ocorre, um asterisco determina que essa palavra estará no glossário ao final do livro. Paris descreve as palavras como damoiseau “um jovem de família nobre”, pierrière “máquina de guerra que lançava grandes pedras”, prud’homme “essa palavra designava, na Idade Média, um homem possuidor de todas as virtudes puramente laicas, sobretudo de sabedoria, de prudência e de integridade”, ost “exército acampado ou em movimento; por vezes, esquadra marítima de guerra”. Durante a leitura, constantemente temos de recorrer a esse útil glossário, que deveria enriquecer o vernáculo do jovem leitor francês. Sob outra égide, as notas de rodapé são precisas, claras e sem o ranço acadêmico, que as torna tantas vezes enfadonhas e desnecessárias, mormente nas últimas décadas.

O autor, ao reunir textos que se estendem do século XI ao XV, deles consegue obter a versão, diria competente, dando uma uniformidade que certamente facilitava a leitura dos jovens que viveram nas fronteiras dos séculos XIX e XX. Certamente os textos originais inseridos desse período mencionado impossibilitariam a leitura pelo leigo e, como filólogo respeitado, Gaston Paris transforma-os em agradáveis e profícuas leituras. Há igualmente a intenção de transmitir aos jovens um sentimento de amor à construção da história da “Douce France”, como era chamada a França em tantos textos medievais.

Desfilam personagens reais e lendários. No primeiro texto, “La Chanson de Roland”, Gaston Paris se atém a uma das versões primevas dessa história que encantou gerações através dos séculos, ou seja, a expedição de Carlos Magno (742-814), rei dos Francos, à Espanha, quando em desfiladeiro nos Pirineus sucumbe aos 15 de Agosto de 778 Roland, marquês da Bretagne, que permanecera para garantir o regresso do Rei à França. Traído, morre com seus homens numa emboscada ardilosa dos pagãos (na narrativa assim eram tratados os muçulmanos). Estudos bem mais recentes a partir de outras versões de “La Chanson de Roland” nomeiam bascos e não muçulmanos como os guerreiros adversários. Carlos Magno, distante com suas tropas, ao ouvir Roland soar o olifante (espécie de “berrante” feito de marfim de elefante) de maneira estrondosa retorna com seus homens, vê toda a guarda por terra, persegue e aniquila os sarracenos, de acordo com essa versão apresentada por Gaston Paris. Enfatizo particularmente esse texto, pois as notas de rodapé são interessantíssimas (neste e em outros textos) e poderiam tão bem orientar mestrandos e doutorandos de nossos dias. As explicações são concisas. Não há a necessidade de acréscimos inúteis. Tudo na justa medida. O autor, no curso do texto, explica o significado da “Chanson de Roland” ou de “Roncevaux”, situa historicamente os personagens, comenta a “Chanson de Geste” (narrativa em versos relatando histórias de reis, nobres e cavaleiros na Idade Média: geste quer dizer história), a permanente luta a colocar frente a frente cristãos e muçulmanos, o processo escritural que faz com que determinadas passagens sejam repetidas três vezes de maneira quase similar. Assim procede Gaston Paris, a fim de que o adolescente compreenda o processo literário. Palavras referentes ao cerimonial, o simbolismo da luva ofertada, o sepultamento de ilustres mortos combatentes em sacos de couro costurados. O autor menciona em 1896 que o mais antigo poema sobre a morte de Roland foi escrito nos arredores do Mont-Saint-Michel.

Entre as narrativas, poesias e prosas, tantas vezes a sofrer a influência do imaginário e da tradição oral da Idade Média em França, Gaston Paris perpassa episódios sobre Guillaume d’Orange, a morte vaticinada do duque de Bégon e traços de Aïoul, de Jean de Paris, a lenda concernente a Blondel e outros mais textos épicos que foram objeto de estudo por parte do autor.

No segmento de “Contes et Fables”, Gaston Paris se atém àqueles que perduraram durante gerações. O historiador igualmente mantém o processo utilizado nos compartimentos históricos. Não deixa pairar dúvidas e as notas de rodapé lá estão, pertinentes e concisas, para esses contos escritos mormente por poetas no século XIII e colocados em prosa pelo historiador. Desfilam os divertidos “Les trois aveugles de Compiègne”, conto de Courtebarde; “La Couverture” de Bernier; “Merlin Merlot”, conto de origem oriental readaptado poeticamente no século XIII; “Le partage de Renard”; “La pêche d’Isengrin” e outros mais. Particularmente, a nota de rodapé desse conto tem interesse pela argúcia: “Extraído do ‘Roman de Renard’. O romance, ou seja, o ‘livro francês’ da Raposa, é um conjunto de contos de animais nos quais alguns deles têm nomes próprios, como os humanos. Os dois principais personagens são o lobo, chamado Isengrin e o goupil, também conhecido como raposa. Esses contos foram tão populares que raposa substituiu goupil como nome comum. Em nossa tradução, nós empregamos goupil ao invés do nome comum raposa. A maioria dos contos nos apresentam a raposa aprontando sempre dissabores para seu compadre Insengrin”. Gaston Paris observa que La Fontaine (1621-1695) inspirar-se-ia em alguns desses contos e fábulas medievais.

Importa considerar que essa literatura, preparada para adolescentes a partir dos 12 anos de idade, era pormenorizada e utilizada certamente em sala de aula. Gaston Paris observa: “Malgrado o mérito de muitos historiadores do século XV, eles não me ofereceram narrativas que me parecessem claras e interessantes para agradar aos jovens”.

A leitura do pequeno livro, folheado com o maior cuidados, pois as folhas amarelecidas mostram-se quebradiças, proporcionou-me momentos de deleite, mormente nesses outros tantos dias em que nós, brasileiros, encontramo-nos seriamente preocupados.

I found among my books a small volume published in 1896 by the French writer and scholar Gaston Paris. This post is about this book, a delightful collection of legends, fables and tales of the Middle Ages, condensed and translated into modern French.

              

Quando o Leitor Estimula Argumentos

Nos autores referenciais
o estilo permanece como ponte entre todos os gêneros abordados,
em todas as épocas. É um fato musicológico.
François Servenière

O post do último dia 30 de Março suscitou muitos comentários. Alguns por via telefônica. Da França, Portugal, Holanda e Argentina escreveram-me sobre impasses relativos ao intérprete de hoje, sedimentado no tradicional sacralizado, e outro compartimento de executante, consciente do passado menos frequentado e da ebulição repertorial que está a se processar e que compreende as oportunas palavras de Pierre-Laurent Aimard, ao considerá-lo como “arqueólogo e explorador”.  Essas definições, sob outro ângulo, não são feitas sem consequência, pois ao intérprete voltado à abertura do amplo leque repertorial estará fadado, a partir de atitudes, pagar tributos. O Sistema não privilegia aqueles que traçam caminhos outros. Pouco a fazer.

Mais e-mails comentam o desinteresse da maior parte das obras contemporâneas, tantas delas compostas por jovens egressos do conservatório ou da universidade, sem preparo suficiente, quando não desprovidos de talento. Ratifico a opinião de Serge Nigg, que, a certa altura de seu depoimento para Témoignages (nº3), editado pelo OMF da Paris Sorbonne (2008), diria que estava sempre a ser apresentado para compositores. Eles proliferam. O multidirecionamento das tendências permite que essa Torre de Babel realmente exista. O mais grave é a existência de torres babélicas individuais, encontráveis entre inúmeros que jamais terão impressões digitais a expressar coerência, pois deprovidos de estilo. Não obstante, quem seria realmente bom? Raríssimos subsistem, mas durante bienais, congressos e festivais mundo afora legião de pretendentes têm suas obras apresentadas e incontáveis aqueles sem a menor qualidade. Enfadonhas “composições”, mas que estimulam o mau exemplo. E quantas não são as vezes que buscam explicar ininteligivelmente suas obras? Atônitos acólitos acreditam estar diante de oráculos! Contudo, para os raros que ultrapassam as grandes ondas que vêm findar nas praias, a possibilidade de ganhar o mar aberto e subsistirem pode trazer esperanças. A construção de barcos que venceram o quebra-mar tormentoso foi feita com perícia e o timoneiro tem lá sua maestria.  Desconhecidos ainda desse público restrito da música de nossos dias, esses jovens ou não tão jovens compositores têm de encontrar no intérprete “explorador” (o que descortina) a guarida corajosa que os faça vir a público através da execução de suas composições. Para o executante, resta a necessária missão que o levaria a dizer não quando frente à inocuidade do pensar. Desencorajar a ausência do talento pode parecer rude atitude, mas é a única senda a ser apontada para pretendentes sem pendor.

Posicionara-me em tantos posts anteriores e no do último dia 13 sobre as tendências composicionais. Mencionei Aimard e suas preferências relacionadas à música contemporânea já consagrada, objeto de suas gravações referenciais. Assim como já escrevi também sobre a nossa crítica musical, basicamente inexistente e que, quando presente, tem como redatores  jornalistas de ofício e não músicos, o que impede o olhar novos talentos, mas o sacralizado que não lhes trará riscos de avaliação. Assim, acredito também que será a visão do intérprete atento à qualidade não hesitar e apresentar publicamente um compositor desconhecido de nossos dias, seja ele de qual tendência for, contanto que qualitativo. Sem censura estética ou dogmática, pois. Nesse turbilhão que se divide entre legião de compositores, nesse turnover incessante deveria o intérprete não ficar unicamente atento à fama, tantas vezes aparênca da verdade, mas ter o discernimento da escolha certa.

O leitor, que generosamente tem acompanhado meus posts desde 2007, captou ao longo dos anos uma preocupação, quiçá insistência de minha parte, relativa à mesmice que normalmente sobrevoa sonoramente nossas salas de concerto. Se mencionarmos apenas um gênero, o concerto para piano e orquestra, facilmente o leitor detectará o impasse, pois intérpretes residentes no país, ou aqueles que atravessam os continentes e aqui aterrissam, têm o hábito de repetir uns poucos concertos consagrados. Exceções louváveis existem, mas ficam nessa categoria. Aimard se insurge contra essa repetição. Corroboro a opinião de amiga francesa que me escreveu a dizer que considera a ação da mesmice, no caso preferencial dos intérpretes consagrados, como o ato de um “rentier de l’art” (capitalista da arte), percebendo, sob aspecto outro, a ausência de riscos para esse executante, pois todo o repertório exaustivamente repetido está sedimentado e sob controle. Longe ele se encontra da labuta noites adentro quando o novo de mérito tem de ser apresentado, como professa Aimard.

O tema fez-me pensar em livro que estou a ler a respeito do insigne pianista, compositor, professor e musicógrafo português Viana da Mota (1868-1948). Oportunamente será tema de um post. É inacreditável o repertório do músico lusíada que, em suas tournées, por vezes realizava em uma cidade sete, oito recitais e concertos, todos com programas diferentes. Seu vastíssimo repertório ia de François Couperin a Manuel de Falla e coetâneos, sem negligenciar as 32 Sonatas de Beethoven, parte expressiva do grande repertório romântico e as obras fundamentais de J.S.Bach. Essa característica hoje basicamente inexiste, visto que a regra é o Sistema convidar uma série de intérpretes para uma só apresentação em temporadas com programas que se perpetuam na repetição. Nada a fazer, a não ser imaginar esses extraordinários mestres do passado, que percorriam longos trajetos em carruagens ou navios, mas que, nessas cansativas digressões, não ficavam apenas em uma cidade, frise-se, continuavam seus caminhos a semear vasto repertório.  

Em que porto atracamos? É tão mais fácil seguir o caminho da não abertura! Não há contestação, as mentes se acomodam numa pastosa situação na qual tudo parece bom, nada deve ser mudado. Repetir ad nauseam o sacralizado, quando a parte fundamental do iceberg  que o faz singrar oceanos é incomensuravelmente maior. O Sistema projetaria o olhar à la manière do escafandro para o desconhecido submerso? Sob outra égide, teria abertura para o contemporâneo não consagrado, mas meritório e, sobretudo, de tendências múltiplas? Dificilmente, sem contar as “igrejas” que não admitem outra verdade além da defesa de vanguardismos sustentados ideologicamente por “profetas” da música. A endogenia generalizada parece ter tentáculos imensos. Estimular as mentes através da diversidade. Seria pedir muito?

In this post I resume the subject of the main issues addressed by Pierre-Laurent Aimard in his Inaugural Class when admitted to the Collège de France in 2008: the uneven quality of contemporary composers, the courage of the interpreters that act as pathfinders, making the extremely rare talented contemporary composers and the audiences find each other, the difficulty of the average listener to develop an ear for the new.

      

Um Modelo a Ser Seguido

“[...] (chegamos) à lamentável conclusão
de que nem os portugueses conhecem nada da música brasileira,
nem os brasileiros têm notícia alguma da música portuguesa,
ou, pior do que isso:
que o que nós conhecemos da música do Brasil se reduz ao samba,
que  o que eles [...] conhecem da música de Portugal se limita ao fado. [...]“
Fernando Lopes-Graça (1906-1994)

As agências internacionais de concertos
apoderaram-se inteiramente da nossa vida musical,
onde colocam (por vezes a peso de ouro) o êxito acumulado do “centro”.
E nem sequer passa pela cabeça das instituições e dos seus “programadores”
que Brasil e Portugal, juntos,
bem podiam criar uma nova dinâmica de efectivo intercâmbio
que se projectasse não só no espaço cultural luso-brasileiro,
mas também para fora dele.
Mário Vieira de Carvalho (1943-  )

Uma das dificuldades da propagação da cultura musical erudita em alto nível reside na superficialidade, despreparo ou razões outras que impedem a confiabilidade do que merece ser transmitido. Revistas, periódicos ou guias tantas vezes meritórios perecem após alguns números, outros mais subsistem fazendo concessões de toda sorte e a realidade mostra-se sombria. Publicações, arbitradas ou não, de música de concerto, erudita, clássica e outras mais designações teriam de apresentar  em seus quadros, preferencialmente, membros da área, conhecedores do que se passa em uma partitura. A experiência da escuta é apenas uma entre tantas e tê-la como única salvaguarda é temeroso. Não se exige conhecimento específico em áreas como a Medicina, Direito, Engenharia? Sob a égide acadêmica, nas poucas revistas existentes no Brasil e em Portugal, a endogenia, esse mal que impede o arejamento das ideias e a comparação que enriquece, é realidade constante. Fato. O compadrio universitário propicia malefícios claros.  

“Glosas” nasceu bem em terras lusíadas.  Inicialmente voltada à cultura musical portuguesa, diversificou-se com o tempo. Recentemente a Direção criou o Conselho Científico Lusófono e três núcleos foram formados: africano/asiático, brasileiro e português. Fazem parte do segundo, por ordem alfabética nos créditos da revista: José Eduardo Martins, Paulo Castagna, Ricardo Tacuchian e Susana Igayara. Destes, Susana pertence ainda ao Grupo de Comunicação e Pesquisa  e, de minha parte, recebi o honroso convite para ter uma coluna em cada número, unicamente a tratar da música portuguesa ou de relacionamentos pátrios a envolver a cultura musical dos dois países. Terá como título “Ecos d’Além Mar”. A Revista é quadrimestral e o nº 7 (Janeiro), recebi-o apenas nestes dias, fruto do atraso de nossos correios, pois outras correspondências vindas d’outros países também têm tardado. Por enquanto, nada a fazer.

O número em questão tem matérias relevantes e entre estas destacamos o núcleo temático (44 páginas) sobre o importante compositor Frederico de Freitas (1902-1980), com várias colaborações que enriquecem o conhecimento ainda pequeno que se tem do músico em Portugal. Lembro ao leitor que, em 2012, minha mulher, a pianista Regina Normanha, apresentou em várias cidades portuguesas a encantadora coletânea de Frederico de Freitas, “O Livro de Maria Frederica”, 36 pequenas peças à la manière do “Álbum para a Juventude”, de Robert Schumann. Na década de 1980 adotei-o, juntamente com “Música de Piano para Crianças” de Fernando Lopes-Graça,  nos meus cursos de piano complementar na Universidade de São Paulo. Não tive seguidores. A registrar.

Temas de grande interesse para a cultura musical portuguesa estão pouco a pouco sendo tratados. Glosas fornece textos cuidadosos que remetem ao organista e professor Antoine Sibertin-Blanc (1930-2012), nascido em França e figura ímpar no ensino e divulgação do órgão em Portugal; ao notável compositor Marcos Portugal (1762-1830), mercê de homenagens prestadas por ocasião dos 250 anos de nascimento e a partir de iniciativas de exposição e publicações empreendidas pela Biblioteca Nacional de Portugal (BNP) juntamente com o Centro de Estudos de Sociologia e Estética Musical (CESEM); às entrevistas com músicos portugueses atuantes: o grupo “Músicos do Tejo”, aos pianistas Ricardo Vieira e Tomohiro Hata, divulgadores da música portuguesa e japonesa mundo afora; às conversas com compositores de Portugal (Daniel Moreira e Nuno da Rocha); ao debruçamento sobre a música de câmara de Luiz Costa; ao fundamental texto “Introdução à História da Música em Portugal”, de Maria Augusta Barbosa (1912-2012), traduzido do original em alemão por Otto Solano. De 2007 é o substancioso pronunciamento de Rui Vieira Nery sobre a importância da professora Maria Augusta Barbosa, fundadora das Ciências Musicais em Portugal e a primeira portuguesa que se doutorou nessa área. O compositor Sérgio Azevedo analisa com acuidade devida o conto musical de Fernando Lopes-Graça, “A menina do mar” (1958-59). Colaboradores competentes imprimem respeitabilidade a todos os textos inseridos em Glosas.

Em tantos posts tenho ratificado posição crítica ao descaso quase absoluto que nossos meios de divulgação dispensam à música portuguesa de concerto. Quando sempre, colocam estandartes em raros intérpretes portugueses que realmente nada fazem pela música composta em Portugal, sendo pois executantes que se deslocam pelo planeta a apresentar o repertório sacralizado clássico-romântico de países ao norte das terras lusíadas ou da Espanha. Em seus certificados de nascimento consta que são portugueses. Nada mais. E de pensar que tantos são os intérpretes portugueses de valor que interpretam a excelente música erudita do país e que nunca são convidados por nossas sociedades de concerto! Situação vexatória! As atrações para as sociedades que agendam concertos no Brasil e em Portugal são as mesmas. O Sistema conhece bem a manutenção da mesmice. Mantê-la é sobreviver! Também, hélas, nada a fazer, ao menos por enquanto.

Na contramão desse descaso, é de grande relevância o fato de Glosas prestar homenagem a dois compositores brasileiros. Susana Cecília Igayara, em arguto e inteligente artigo, pormenoriza-se em Oscar Lorenzo Fernández  (1897-1948) na preciosa seção “Compositores a descobrir”. Consegue a pesquisadora traçar perfil bem amplo do compositor para os leitores de Glosas. O Diretor da revista, Edward Luiz Ayres de Abreu, por sua vez, esteve no Rio de Janeiro e São Paulo. Na antiga capital entrevistou o compositor Ricardo Tacuchian (1939- ) em recinto emblemático, o Real Gabinete  Português de Leitura. Ayres de Abreu formulou perguntas a abranger a trajetória do ilustre criador, maestro e professor brasileiro. Bem conhecido em Portugal através da apresentação de suas obras, conferências e participação em bancas nas principais universidades portuguesas, Ricardo Tacuchian sentiu-se à vontade e seus depoimentos revestem-se de rico material nessa imprescindível ligação cultural Brasil-Portugal.

A presença do Conselho Científico Lusófono deverá incrementar certamente uma ligação que de há muito se faz necessária entre os países que comungam a língua portuguesa. Inventariar as manifestações musicais e seus partícipes nas mais variadas áreas poderá estabelecer, com o passar dos anos, documentação invejável. Temos muito a dizer. Nossas histórias precisam formar elos de união.

Os próximos números, Maio e Setembro, já têm núcleos temáticos agendados: Clotilde Rosa, conceituada compositora contemporânea portuguesa, e o compositor romântico brasileiro Henrique Oswald, respectivamente.   

 An appreciation of issue nº 7 of Glosas, the music magazine with news, interviews and articles covering the world of classical music in the community of Portuguese language countries.