Quando o interesse se mostra sensível

Corpore. Friendship Day, Corrida da Amizade. 25/04/10. Foto Elson Otake. Clique para ampliar.

L’hypocrisie est un hommage que le vice rend à la vertu.
La Rochefoucauld (1613-1680)

O recente post Dia Mundial e Outros Dias recebeu inúmeros comentários. Houve consenso quanto à manipulação que se faz de todos esses Dias Mundiais ou, simplesmente, Nacionais. Entenderam os prezados leitores que se chegou a um ponto de total desrespeito pela cidadania como fim. O homem deixou de ser um epicentro para tornar-se objeto periférico manipulado à mercê de forças globalizantes cada vez mais poderosas. Já não mais conta o almejar a elevação cultural, espiritual ou do Ser como Ser. A superficialidade inunda mentes preocupadas com o lucro, o poder e a visibilidade. E perde-se o rumo. Como um rebanho de qualquer espécie animal, a coletividade humana é conduzida para fins inesperados devido à incúria administrativa e à corrupção pública e privada, a tudo contaminar. A tragédia que, hélas, já integra o cotidiano do cidadão mostra-se a cada instante mais visível. As avalanches em Angra, Niterói e Rio de Janeiro não são a certeza de que governantes como um todo não se preocupam minimamente com a desgraça da população, desespero sabidamente anunciado? Todavia, a mídia adora focalizar rostos dos mais infortunados. O que aconteceu devido aos aguaceiros deverá repetir-se, pois dentro de alguns dias ninguém mais falará da hecatombe. A degradação ambiental não é uma dessas tristes resultantes? Mas os Dias Mundiais ou Nacionais continuam a dar a impressão que em certa data, determinada parcela da humanidade continuará a ter a “aparência” da felicidade. Só faltam o Dia das Tragédias Ambientais e o Dia da Tragédia Humana. Honoré de Balzac (1799-1850), com sua Comédie Humaine, deveria ser ungido profeta. Será possível até entender que o cinismo governamental crie tais efemérides.
De Belo Horizonte, Mônica Sette Lopes considera com propriedade: “Não desconheço as raízes, a história que justifica o dia naquele dia (os vários dias), especialmente do 08 de março – o da mulher. Tudo transformado num para inglês ver (ou num para esconder). Propaganda. Parafernália. Palavras ocas. Capa e vazio. Só um exemplo, este. Pouca paciência com dias nacionais em geral”.
Maria de Fátima Pereira escreveu-me de Goiás: “Gostei muito das colocações. Meus colegas no escritório leram o texto a meu pedido. Conversamos muito depois disso. É irritante a televisão mostrar sempre que faltam tantos dias para a realização de um grande evento mundial. Um ano antes já anunciam diariamente ‘faltam x dias’ e heróis do passado são apresentados. Nas Olimpíadas, o Brasil envia delegação enorme de atletas que nada vão ganhar devido aos indíces mínimos de aprovação. Oba, Oba, Oba! Só que há uma certeza mesmo: mirradíssimas medalhas e nós, bobos, ficando emocionados. Pode ser? Vem o fracasso, atletas choram, repórteres e jornalistas descem a lenha nos dirigentes. Se um atleta constrangido e humilhado manda o recado é punido ! Os mandões, copos de whisky nas mãos, ficam quietos até o início de nova contagem de dias ‘esperançosos’. Os Dias do fracasso ficam mascarados como os farricocos. O Luca Vitali é um grande artista. Já vimos outros desenhos. Ele não desenha apenas. É genial e penetra nos textos com fantástica criatividade. Por que não falam nele? Só conheço os desenhos publicados no blog e aqueles do site que você tem no menu.”
Idalete Giga observa com acuidade o post. Seus instigantes comentários, bem mais incisivos do que aqueles por mim redigidos, evidenciam a realidade. Cá no Brasil, ou lá em Portugal, o problema é sentido. “Foi uma surpresa muito agradável ler o seu último texto ‘Dia Mundial e Outros Dias – Quando o Excesso Provoca a Desatenção’. Eu fiquei em expectativa quando me disse que ia inserir no seu próximo post as duas quadrinhas que lhe enviei. O querido Amigo compreendeu plenamente a mensagem que eu quis transmitir. Luca Vitali, sempre criativo, foi muito para além do que eu podia imaginar. Expressa, de forma genial, outro dia de coisa nenhuma com um desenho em que não falta a ‘garrafa de champanhe’ com a rolha saltando em jacto, para comemorar a 1ª Feira do dia 30 de Fevereiro de 2010!!!! Ele tem um profundo sentido de humor. Dê-lhe os meus parabéns por ter também descoberto um ‘novo dia’ – O dia D de coisa nenhuma!
Os dias mundiais disto e daquilo arrastam consigo uma grande dose de hipocrisia: Exs: Dia Mundial do Ambiente = (hoje que ninguém polua o planeta, mas amanhã já podem sujar à vontade!!!); Dia Internacional da Mulher = (hoje que ninguém maltrate a mulher, nem com um cabelo, mas amanhã ela pode continuar a ser escravisada, maltratada, abusada, etc !!!!); Dia Internacional da Criança = (hoje que se cumpram na íntegra Os Direitos da Criança, mas amanhã ela pode continuar a sofrer todos os desvarios dos adultos ); etc, etc. Tal como o José Eduardo afirma, amanhã já ninguém se lembra de coisa nenhuma. Para que servem então os dias mundiais? Certamente, para alimentar a hipocrisia humana que não tem limites….
A segunda quadra é a canção do Tudo, porque Tudo o que existe (visível e invisível) foi criação de Deus-Rei do Universo! Ele, sim, é que é digno do Dia Universal de Tudo quanto existe! O seu post terminou muito bem com este Hino ao nosso Criador!” Anteriormente já comentara a convicção espiritualista expressa de minha amiga alentejana.
Salomão de Mattos, de São Paulo, escreveu-me: “Em toda essa ‘Diarada’ que se conhece, não teria observado o professor que apenas os dias consagrados aos Santos da Igreja Católica são reverenciados, mas nunca esquecidos nos dias seguintes pelos devotos? Não estaria faltando a fé verdadeira em todas as nossas ações? Gostaria que o senhor pensasse a respeito. No resto, achei o texto bem elucidativo”.
Rosana Costa, também de São Paulo, enviou seu e-mail: “Adorei a parte que diz: ‘Faz lembrar o fluxo das vagas do mar, pois a cada onda esquecemo-nos da anterior’. Infelizmente quase tudo tem sido assim: escândalos e catástrofes. Depois da ‘onda’ da passagem do ano em Angra dos Reis, e mais recentemente ‘as ondas’ levando vidas no Rio, logo veremos nos noticiários outras ‘ondas’. Podemos lembrar da aflição da virada do século, o final do mundo no ano de 2000, e pensar qual a nova “onda’ !?!?! O novo final em 2012?“
É sempre bom se ter essa aferição em temas polêmicos. Evidencia que há mentes que entendem o drama que persiste neste século XXI motivado pelo descaso aos valores antes respeitados. A globalização se mostra sem rosto, invisível, encoberta pelo anonimato de dirigentes das grandes corporações privadas e seus acionistas. Numa outra fotografia, governantes se apresentam de rosto inteiro, mas a ocultar, com a hipócrita e perene negação aos males por eles produzidos, a grande chaga que corrompe o caráter. Nós, cidadãos comuns, estaremos à mercê do desvario. Todavia, esses senhores do infortúnio saberão encontrar um novo Dia. É tão fácil criá-lo… e esquecê-lo.
Redigi este post após regressar da Corrida da Amizade – Friendship Day, patrocinada pela Corpore. A amizade verdadeira não tem dia para ser comemorada, pois ela é perene. Meu bom amigo, o maratonista Elson Otake, tinha treinado 33km na véspera do Friendship Day, a visar à Maratona de Curitiba. Foi grata surpresa vê-lo de bicicleta, pouco antes da Corrida da Amizade. Durante todo o trajeto, Elson tirou inúmeras fotos do septuagenário corredor, que vestia integralmente o uniforme principal do glorioso Sporting de Braga. Descontração e alegria marcaram o evento.

Many readers of my last post (Nothing Day) submitted online comments with their views on the subject. I selected some messages and they are the post of this week.

Questão de Estilo

Fernando Lopes Graça a reger o Coro da Academia de Amadores de Música. Foto: Museu da Música Portuguesa. Clique para ampliar.

Et quand on pense que le désert n’a été créé qu’en vue de l’oasis…
Henry de Montherlant

O tema recorrente veio a propósito. Estando a me preparar para nova digressão à Bélgica e Portugal para o próximo Maio, referi-me, em pronunciamento em data festiva na Casa de Portugal em Março último, aos objetivos da viagem que tudo tem a ver com a criação em terras lusíadas. Falava eu do grande compositor Fernando Lopes Graça (1906-1994), uma das maiores figuras da cultura luso-brasileira em toda a sua história e um dos mais importantes músicos do século XX em termos mundiais. Dizia da grande importância de sua produção composicional e literária, de seu engajamento ideológico, que o fez recluso em várias oportunidades no regime salazarista, e de sua força de expressão extraordinária.
Cerca de um mês após conversava com o bom amigo Fernando Gouveia, jovem e ativo membro das comunidades luso brasileiras em São Paulo. Queria saber mais sobre Lopes Graça e deste meu interesse confesso em relação à sua obra que será, durante Maio, várias vezes mencionada neste espaço.
Considero realmente vergonhoso o desconhecimento que se tem no Brasil da chamada música clássica, de concerto ou erudita portuguesa. Existem correntes “intelectuais” brasileiras, nem sempre claramente expressas, que à força de uma aproximação mais intensa com outros países europeus, economica e estruturalmente em posição de maior destaque, minimizam expressamente o que vem de Portugal. Seria possível até supor que séculos de colonialismo e de imigração – no caso, referia-me à da primeira metade do século XX, que mais sensível e pejorativamente marcou mentes brasileiras – tenham estabelecido um tipo de couraça à criação portuguesa e proporcionado a minimização de muito conteúdo que vem de Portugal. Diminuem ainda expressamente a inteligência de um povo, mercê dessa imigração que se fazia necessária à altura e que, no seu todo foi uma das responsáveis pelo desenvolvimento de tantas áreas, sobretudo da economia brasileira.
Num outro enfoque, musicalmente teimamos no Brasil em repetir fórmulas atávicas, repetitivas ad nauseam, e nada se faz a respeito. Antes, ratificam-se tendências à maneira de um realejo e ficamos a ouvir sempre as mesmas obras, executadas basicamente pelos mesmos intérpretes. Trata-se de um forte empobrecimento. Uma grande musicista nascida em terras lusíadas já me escrevia recentemente de Lisboa, a afirmar que “A doença de Chopin é incurável”, ao referir-se à verdadeira histeria hoje reinante em torno do segundo centenário de Fréderic Chopin (1810-1849), grande compositor, mas não o único. Legião de pianistas, pátrios ou não, estão a inundar repertório chopiniano em nossas salas onde a música se faz ouvir, com composições que já desfilaram incontáveis vezes por seus dedos nessas últimas décadas. Sob outro contexto, assim como na música pop, idolatra-se o que é conhecido. Se Chopin é extraordinário, Robert Schumann também o é, tendo sido, inclusive, compositor extremamente mais diversificado ao escrever para piano, conjunto de câmara, canto e piano, orquestra… Frise-se, o centenário do tão imenso Robert Schumann (1810-1856), está a ser comemorado até discretamente.
No que tange à riquíssima produção composicional em Portugal, intérpretes portugueses bem ventilados fora de seu país preferem sedimentar-se no repertório sacro santo perpetrado per omnia saecula saeculorum nas salas de concerto de tantos países. Logicamente, Chopin será foco de seus interesses. Ignoram a existência da composição musical em Portugal. Felizmente, alguns outros notáveis mestres da interpretação em solo português têm buscado o resgate, e essa atitude é salutar e louvável.
Voltando ao tema fulcral, dizia a Fernando que a massacrante maioria de nossos músicos desconhece a criação portuguesa, do gregoriano à contemporaneidade. Nada se faz. Culpa existe, igualmente, das comunidades portuguesas, que não incentivaram ao longo de décadas a divulgação do repertório português, clássico ou erudito. É um fato. Todavia, louve-se em contrapartida a perpetuação dos conjuntos folclóricos de dança e música autênticos existentes em São Paulo, que preservam com dignidade costumes das várias regiões do belo Portugal, contrariamente a outras atividades pretensamente de raiz, que podem beirar o caricato e que ainda são acalentadas. Pouco a fazer nessa área, pois mentes têm de ser estimuladas para que o crescimento aconteça. Tem a comunidade de se penitenciar. Mas há esperanças quanto ao resgate. Importa, no que tange à música de concerto, que partituras eruditas cheguem às mãos de mestres pátrios conscientes. Haveria a necessidade de uma vontade luso-brasileira nesse sentido. Urge acrescentar que o fascínio por concursos de interpretação, com resultados muitas vezes estranhos, seduz definitivamente músicos em torno de repertório por demais executado, o que provoca a pouca oxigenação das mentes, pois o jovem já se atira à mesmice desde cedo. Importante esse repertório sacralizado? Reiteradas vezes afirmei que sim. Importante e fundamental, mas não único. Eu próprio percorri, durante decênios, incontáveis obras do repertório sacralizado, fazendo-o ainda hoje, homeopaticamente. Não visito com maior assiduidade a obra dos mais frequentados compositores, devido à massacrante perpetuação por parte da maioria dos intérpretes nesse segmento. Há outros fantásticos autores não visitados. Valeria uma comparação. Não houvesse existido no século XV o infante D. Henrique, que buscou antever o desconhecido a partir da Escola de Sagres, aspiração seguida por D. João II e o sucessor, D. Manuel I, teria Portugal permanecido sem sonhos voltados às terras desconhecidas intermediadas por mares assustadores.
De Portugal, compositores como Carlos Seixas (1704-1742); Marcos Portugal (1762-1930), que viveu cerca de 20 anos no Brasil e autor de significativa expressão, mas pouco estudado pelos músicos brasileiros; Francisco de Lacerda (1869-1934); José Viana da Mota (1868-1948); Luís de Freitas Branco (1890-1955) ); Jorge Peixinho (1940-1995) aguardam divulgação. Tantos outros autores sequer conhecemos. Quanto a Fernando Lopes Graça, acredito ter sido uma das expressões maiores do século XX em termos mundiais. O que dele se sabe no Brasil? Praticamente nada. O que dele se ouve em salas de concerto? Uma fração infinitesimal, mercê de pouquíssimos músicos que à sua produção têm um olhar atencioso. Em Portugal, o resgate para o mundo da grande produção composicional já se faz sentir através de inúmeras edições de suas obras e gravações significativas. Louve-se a publicação crítico-literária do autor, que está a merecer uma edição mais atualizada. Grava-se a sua criação e intérpretes portugueses de sensível expressão dedicam-se a apresentar as principais obras do grande compositor nascido em Tomar. Perguntou-me Fernando a respeito da música brasileira em Portugal. Mercê da absoluta diferença populacional, é natural que intérpretes do Brasil, toquem o repertório brasileiro quando no país de Camões. Contudo, não nos iludamos. Basicamente quase todo esse manancial concentra-se em Villa-Lobos, ficando reservado pequeno espaço a outros compositores aqui nascidos.
Se a literatura portuguesa sempre teve guarida entre nós, mercê de viagens constantes de nossos estudantes, durante séculos, à tradicionalíssima Universidade de Coimbra em especial, o mesmo não se deu com a música, pois nossos músicos, mais acentuadamente a partir da segunda metade do século XIX, buscaram o aperfeiçoamento na Itália, França e Alemanha, o que provoca, em certa medida, uma desproporção quanto ao conhecimento, no Brasil, das áreas literária e musical portuguesas.
O tema é fascinante. Merecerá outros posts, na medida em que sintamos a continuação dicotômica. Temos de persistir, e sociedades de concerto necessitariam tomar consciência de uma rica produção musical em terras lusíadas. É questão de vontade e bom senso.

On the eve of a new concert tour in Portugal, where I will perform works of the Portuguese composer Fernando Lopes Graça, I can’t help considering how shameful it is for us, Brazilians, to ignore the works of this outstanding artist and the Portuguese classical music in general. The reasons for this, I believe, are our tendency to think much of everything that comes from European core countries – like France, Italy and Germany – and the stubborn insistence of Brazilian performers on exploring basically a handful of celebrated artist so as to win the hearts of the audience, ignoring those that are little known. Before Portugal I will go to Belgium in order to record a double album entirely devoted to works by Lopes-Graça, some of them world premiere recordings.

Quando o Excesso Provoca a Desatenção

Charge de Luca Vitali. Clique para ampliar

Descobri um novo dia
E espero que o céu mo assuma
É o dia mundial
De coisa nenhuma

Idalete Giga

Recebi um substancioso e-mail de minha querida amiga Idalete Giga, competente professora de Canto Gregoriano em Portugal, acompanhado de duas quadras a partir de versos do grande poeta português Agostinho da Silva (vide A Lembrança do Honoris Causa – Encontro Prazeroso com Ilustre Colega, 13/03/10). Vieram a propósito dessa necessidade imperiosa que o homem tem de buscar sustentação em datas comemorativas que saúdam movimentos sociais, membros da família, profissões, e tudo o mais. O calendário contempla por tradição efemérides religiosas e históricas. Em posts anteriores o tema já foi tratado de maneira focalizada. Entretanto, o primeiro quarteto de Idalete levou-me à reflexão. Após a redação li o texto ao amigo Luca Vitali, que sem dizer nada, enviou-me dias após charge instigante.
No Brasil, tudo é reverenciado em dia específico, mas imediatamente esquecido, mercê de outra efeméride a ser festejada. Faz lembrar o fluxo das vagas do mar, pois a cada onda esquecemo-nos da anterior. Nessas datas, há congraçamento e os meios de comunicação tecem comentários, anunciando-as com certa antecedência. Quando categorias profissionais ou sociais, o contingente que tem seu dia realiza aparatosas reuniões em locais públicos ou privados, premiações ocasionalmente, e seria possível supor que o país é lider mundial em homenagear profissionais e políticos em dias específicos, alguns, frise-se a bem da verdade, comemorados mundialmente. Quando bem planejadas, organizadores aproveitam o “seu dia” para ofertar prêmios, diplomas, placas e medalhas que fazem parte da cultura brasileira, pois habituamo-nos a entendê-las como integrantes das trajetórias e os agraciados são considerados merecedores. As inúmeras entidades buscam, em princípio, prestar justas ou não tão justas reverências. Se certo ou errado, não teríamos parâmetros para emitir juízo de valor, apenas para constatar essa provável liderança de nosso país nesse mister.
Fiquei atento à tão anunciada hora mundial da conscientização de economia de energia, um apagão mundial entre 20,30 e 21,30 horas de um certo dia de Abril. Divulgado profusamente, o tema levou-me às ruas em minha cidade bairro àquela hora, pois fui a pé com minha mulher a um restaurante próximo. Rigorosamente nada aconteceu, a ratificar os dois últimos versos da epígrafe. Quantos não são os dias mundiais ventilados antecipadamente e esquecidos no day after ? Efêmeros como as gotas do orvalho. Estiolam-se no calendário a partir do infinitesimal milionésimo de segundo do dia que está a nascer. E o homem tende a repetir as festividades com a convicção – ou nem tanta – de que valeram as intenções. Há toda uma engrenagem oculta por trás dessas comemorações. Seria impossível para um leigo tentar descrevê-la. Interesses os mais diversos, forças de determinadas tendências que abrigam ideologias ou os mais variados propósitos. O fato é que os mais comemorados dias mundiais ou nacionais fenecem de imediato, mas prolongam-se ainda na mídia por poucas horas, pela necessidade da menção ao acontecido. Logo serão definitivamente esquecidos.
Sob aspecto outro, não seria o Dia Mundial ou Nacional uma fuga da solidão? As pessoas têm essa necessidade de perpetuação, de não se sentirem excluídas, de se congraçarem. A exclusão não acentuaria a solidão? Mesmo nas mais conhecidas entidades de classe, o indivíduo é insondável e a solidão pessoal pode lá estar. O alívio proporcionado pela efêmera festividade de classe ou de ideologia, ao resultar no esquecimento no dia posterior, não seria a certeza de que penetramos cada vez mais acentuadamente no disfarce do ser, uma necessidade de não conhecer o nosso interior, que pode ser até desastroso? Esses dias especiais, ao não terem na grande maioria consequências a seguir, não favorecem ainda mais a debilidade do cidadão? Há beneficiados movidos por outros interesses, pois comemorações requerem planejamento. Firmas especializadas encarregam-se de tornar o todo agradável aos participantes envolvidos no evento privado ou destinado às grandes coletividades. Mas, saliente-se, fugazes horas. Tão logo findas, equipes já estão a desmontar toda a parafernália. Sinto isso durante as corridas de rua. Quando trajetos contêm retornos nas avenidas, para regresso ao marco largada-chegada, passamos por contingente de outros atletas que ainda não contornaram. Quando esse grupo finda, pois já estamos em direção ao final da prova, verdadeiro batalhão de limpadores de rua está a recolher quantidade inusitada de copos de plástico espalhados pelas vias públicas. Uma ou duas horas após, ao se passar pelos locais, não há mais vestígios da corrida da qual participaram milhares de entusiastas atletas, profissionais e amadores. Assim também nos Dias Mundiais. Nada persiste, desaparecem os sinais. Outro Dia Mundial ou Nacional está por vir… Alegremo-nos, mesmo que no lampejo. Apesar do efêmero, Idalete, espiritualista, não deixa de ter lá suas esperanças, e a segunda quadra de seu curto poema trazuziria essa intenção:

Mas o Dia Universal
Aquele a que DEUS assiste
É o Dia Mundial
De Tudo quanto existe

A short poem written by my friend Idalete Giga about the “nothing day” was the origin of this post, a reflection upon the human need to celebrate world days proposed by national and international organizations. People gather together feeling they belong to a group and promote activities intended as fodder for stories and photos that will be forgotten the following day.