Não há como evitá-los
Lembra-te que, para ser útil à humanidade,
o pensamento deve traduzir-se em ações.
Não tomes sobre ti novos deveres para com o mundo;
porém, daqueles que já te encarregaste,
desempenha-te perfeitamente,
entenda-se,
os deveres definidos e razoáveis que tu próprio reconheces
e não os deveres imaginários que porventura
alguém pretenda impor-te.
J. Krishnamurti
Foram três blogs dedicados às corridas de rua e às reflexões e comentários de leitores sobre o tema. Decididamente, elas fazem parte de minha vida e me trazem grande alegria e prazer. Periodicamente o tema retorna ao blog, mormente quando fato inusitado assim pede. Se minha digitação percorria o teclado nessas últimas semanas na tentativa de passar ao leitor todo esse envolvimento, não estava alheio aos gravíssimos problemas que nos assolam e que têm sido debatidos por profissionais abalizados. Mais a operação Lava-Jato se aprofunda, mais intensamente temos a certeza de um projeto inescrupuloso de poder que há mais de uma década está a deixar o país completamente à deriva, mercê da endêmica corrupção agigantada e da má governança. As democracias consolidadas têm como constante a alternância do poder, que no mínimo gera arejamento, apesar de alguns problemas vitais permanecerem. Todavia, a intenção do aparelhamento definitivo de um país não se dá. Desgraçadamente, a ânsia da perpetuação de um partido no poder que já deu água desde os primórdios está a levar o país ao impasse. Os planaltinos de plantão nunca negaram o desejo de permanecer décadas no poder. Expressamente.
Sob outro aspecto, como não se indignar com a grande invasão migratória do Oriente Médio e da África do Norte rumo à Europa, via Mediterrâneo, graças às ditaduras e ao fanatismo ideológico e religioso? Assiste-se “passivamente” ao extermínio indiscriminado de vidas e a destruição de propriedades público-privadas, assim como de monumentos arqueológicos. Numa outra situação, a corroborar as tragédias, a implacável natureza a provocar secas aterradoras. Tempos difíceis, quiçá de insolúvel acerto. Estou a me lembrar de texto que li nos anos 1980, escrito pelo ilustre historiador inglês Eric Hobsbawn (1917-2012). Dizia que, passadas as primeiras décadas do século XXI, o hemisfério norte estaria inteiramente invadido pelos povos do hemisfério sul, Europa e América do Norte como destinos. Verdadeira profecia! A atualidade assiste com estupefação a essa realidade! Fome, ação de ditadores sanguinários, guerras e guerrilhas sob a égide de intolerância religiosa ou diferenças étnicas. O Médio Oriente totalmente convulsionado, a maior parte da África fadada às batalhas fratricidas. A barbárie como rotina. Hobsbawn apresentava razões, se bem que, àquela altura, o acelerado e pandêmico terrorismo ainda não se mostrava aterrador.
A fazer parte sistematicamente de meus blogs, os comentários de François Servenière testemunham a leitura atenta e enriquecedora. Esse olhar distanciado, vindo da Normandia, tem dois méritos incontestáveis, o talento do compositor e pensador francês e, necessariamente, uma visão outra dos fenômenos que estou constantemente a narrar. Nessa última mensagem, Servenière aborda dois temas, a alucinante migração que tem o Mediterrâneo, de fantásticas tragédias desde a Antiguidade, como palco atual, para outra categoria de desgraça, o total desprezo que os poderosos têm pelos infortunados sob seus jugos. Como bálsamo retorna em seu e-mail à atividade esportiva. Escreve:
“É sempre motivo de alegria a publicação de meus comentários em seu blog, após tradução. Interessam-me muito os seus temas hebdomadários, pois os assuntos que você aborda são essenciais e focalizam problemas de nossa sociedade mundial em sua essência atual. Na realidade, todos os países hoje estão interconectados pela mundialização. Não seria difícil compreender que as sociedades sigam as mesmas direções e sofram os efeitos de idênticos atavismos…
Todos nós ficamos horrorizados esta última semana pela foto da infortunada criança síria sobre uma praia da Grécia. Tínhamos a impressão de que ele dormia, alongado na posição em que Tom (filho pequeno de Servenière) dorme sobre seu leito. Ficamos arrasados. Essa emoção correu mundo. Que injustiça para esses países, suas famílias e seus pequeninos! Que irresponsabilidade também, da parte dos governantes, sempre cruéis ditadores que não deixam outra opção a não ser a fuga em massa das populações, pois, no afã de se perpetuarem, preferem ver cidades, vilas e aldeias completamente destruídas! Que irresponsabilidade também desses inescrupulosos traficantes de homens fazendo-os atravessar sobre embarcações da miséria, muitas vezes por somas, a partir de informações publicadas, que chegam a 10.000 euros por pessoa! Tudo isso é loucura, é apocalíptico! Devemos acolher essas pessoas na Europa, é certo, mas tendo de tomar cuidado para que esses alucinados da Daesh (Estado islâmico, organização jihadista que proclamou em Julho um califado entre o Iraque e a Síria) não se misturem aos infortunados fugitivos, apesar de certamente ter havido infiltrações. Já é o caso dos Bálcãs, a 1.000km de Berlin e pouco mais de Paris. Horror à vista, se não houver a necessária união europeia para erradicar o flagelo.
Retornando ao esporte e ao seu artigo, estamos diante de uma das mais belas atividades do planeta. Se cada um de nós pensasse no mens sana corpore sano evidentemente haveria menos guerras e conflitos.
Todos, sem exceção, podem e deveriam fazer esporte ou alguma atividade artística. Evidentemente uns pouquíssimos se tornarão Usain Bolt ou Renaud Lavilenie, Arthur Rubinstein ou Vladimir Horowitz. Mas cada um pode alcançar a felicidade simples que consiste em atingir seus próprios limites, tanto nos esportes como nas artes. Na música, como exemplo, nós dois iniciamos o caminho ainda crianças, sem outro ferramental que nossas visões, nossos sonhos, nossas possibilidades, pois tivemos a chance de ter pais compreensivos, o que, na realidade, deveria ser sempre uma constante.
Estamos atados a essas aspirações, como você menciona em seus textos, uma vontade i-na-ba-lá-vel acoplada ao nosso corpo para a realização de nossos sonhos mais íntimos. O esporte e a arte integram e desenvolvem essa vontade. Não somos seres excepcionais, longe disso. Mas trabalhamos para a realização de nossos ideais, convencidos de que as únicas barreiras que tínhamos em nossas vidas estavam em nossas cabeças e não no exterior. Compreendido esse paradigma, todas as portas estarão abertas, necessário apenas abri-las. É tudo!
O esporte e a arte são verdadeiramente espaços propícios a todos, que permitem ultrapassar barreiras físicas, psíquicas, sociais, éticas, religiosas… “. (tradução: JEM).
Para o leitor, diria que essa última concentração de posts sobre as corridas buscou mostrar esse lado tão benéfico da prática esportiva, independentemente de eu estar a praticá-la. Se as mensagens caírem em solo fértil, o objetivo terá sido alcançado. O refúgio junto à família, à música e à corrida é necessário para o provável equilíbrio da mente.
Regressando ao desastre ético, moral, político e econômico que assola o Brasil nessas governanças do século XXI, sem uma almejada esperança, pois terra quase arrasada, ao cidadão laborioso, que trabalha com seriedade e que cultua valores sacralizados como a família, a moral e a solidariedade – tão inerentes no povo brasileiro -, dedicar-se com entusiasmo às tarefas diárias, sejam elas de quais áreas dignificantes forem, mostra-se como o caminho desse acreditar, ainda.
In today’s post I transcribe message from the French composer François Servenière, in which he addresses with great acuteness the uncontrolled mass migration of refugees to Europe – a serious political question with global dimensions – and stresses once more the importance of sports and music as ways to refresh our soul in moments of crisis.
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