Bastam duas Frases

Para mim, correr é tanto um exercício como uma metáfora.
Correndo dia a dia, colecionando corridas,
pouco a pouco elevo meu patamar,
e cumprindo cada nível aprimoro a mim mesmo.
Haruki Murakami

Há mais de trinta anos frequento a mesma feira livre na minha cidade-bairro, Brooklin-Campo Belo. Anos atrás escrevi blog a respeito das feiras ao ar livre onde o congraçamento se dá, mercê da frequência semanal das mesmas pessoas. O passar dos anos é sentido nas transformações físicas e no desaparecimento de alguns feirantes que aprendi a estimar – Miguel, Dirce, Walter… -, mas a relação feirante-freguês continua através da história do mercado ao ar livre, sempre amistosa, quiçá calorosa, o que se torna prazeroso para os que se habituaram a frequentar as tantas barracas espalhadas por ruas e calçadas.

Gilberto é um dos assíduos frequentadores. Conheço-o há mais de dez anos. Arquiteto, alegre e descontraído, lê meus blogs e de bate-pronto perguntou-me a respeito de duas frases do último. A primeira, a epígrafe do treinador e professor Nuno Cobra: “Será preciso muita disciplina, força de vontade e controle sobre as próprias emoções para calçar o tênis e arranjar um tempo”. Quanto à segunda, apenas disse ter gostado, mas não se recordava. Trata-se de frase em que encerro o blog: “Importa apreender momentos da existência e vivê-los com intensidade”.

A frase do preparador físico e professor Nuno Cobra, respeitadíssimo profissional tanto no Brasil como alhures, extraída de seu ótimo livro “A Semente da Vitória” (São Paulo, Senac, 70ª edição, 2004), traduz a essência essencial para que cheguemos à prática esportiva. Sem disciplina, concentração, determinação e vontade, nada, realmente nada se consegue a envolver a prática esportiva ou atividade em quaisquer áreas. A frase de Nuno Cobra tem interpretação bem próxima à de Dráusio Varella em seu livro de muito interesse, “Correr” (São Paulo, Cia. das Letras, 1ª edição, 2015): “Existe sofrimento mais atroz do que deixar a cama quente, no horário em que o sono é mais arrebatador, vestir o calção, a camiseta e calçar o tênis para sair correndo?”. Presentemente é uma de minhas leituras, que se traduzirá em resenha dentro em breve.

O problema maior para aquele que inicia a prática esportiva é o esmorecimento. Tantos conheci que aderiram entusiasmados ao exercício físico de qualquer ordem, mas, indagados meses após, confessam a desistência. Há poucos dias conversava com minha neta Valentina (15) e o tema central era o desafio, seja ele onde estiver, nos sonhos ou nos desideratos mais objetivos. Dizia-lhe que, ao realizarmos na mente determinada proposta após ponderadas reflexões e, ao se ter uma meta a ser alcançada, nosso olhar já direcionado não se deve desviar. É aquele o objetivo a que nos propusemos e faremos os esforços, dentro de nossos limites, para alcançá-lo. O ato de correr pode conter o impulso romântico e sonhador do desafio e do risco. As muitas medalhas que Valentina e sua irmã Emanuela (12) obtiveram no nado sincronizado a nível estadual e nacional só vieram através desse “… deixar a cama quente, no horário em que o sono é mais arrebatador”, como afirma Dráusio Varella. A apresentação pianística condigna frente ao público só acontece se vier precedida de laborioso e permanente estudo concentrado a lhe dar sustentação. No meu caso, a prática vem desde meus nove anos de idade.

Quanto à última frase do blog precedente, busquei evidenciar que há momentos especiais que devem ser vividos com intensidade. São eles que,  contrapondo-se a outros menos ou nada favoráveis e até sem interesse, dão o contraponto da existência. Momentos bons, presencialmente dimensionados,  possibilitam o entusiasmo para projetos em curso, convívio familiar e social,  e enriquecem nossa vida, permanecendo no recôndito da memória para serem ativados quando lembranças afloram.

François Servenière, sempre esse parceiro extraordinário, pois amigo, compositor de grande mérito, pensador e escritor (brevemente terá livro publicado), pondera sobre a prática esportiva após a leitura do blog precedente. Escreve sobre o que se pode deduzir da existência a partir dos 40-50 anos. A reflexão surge: “O tempo decorre e sentimos que ainda pouco vivemos, observando que nada de verdadeiramente essencial foi feito! A vida parece tão curta e já caminhamos tanto”. Essa é uma posição bem comum na atualidade e que pode levar à depressão. Servenière  particulariza: “Cruel perspectiva quando a única escolha possível é a de se dedicar ao esporte e à atividade psíquica natural para o reencontro com a juventude perdida devido às ocupações múltiplas e nem sempre fundamentais. ‘A la recherche du temps perdu…’ Quanto tempo perdemos nos engarrafamentos nessas cidades superpovoadas… Quanto tempo perdido ao sermos obrigados a escutar o barulho das megalópoles ou tantos outros dissabores! São centenas de dias, muitos anos acumulados! Stress, tempo rigorosamente inútil que escapa pelos dedos e que nos leva às doenças!

Sim, a corrida e o esporte nos conduzem à essência de nós mesmos, à própria condição de vida que é respirar, olhar, ver, observar, produzir, mas também sonhar. Isso impede que fujamos de toda espécie desse maelstrom improvável que é a vida moderna. Não seria essa a razão de nossa leitura com avidez dos livros de Sylvain Tesson? Ele compreendeu tudo. Certo, ele é solitário, escritor de sucesso e essa condição lhe permite viver… Mas seu exemplo é primordial. Cessemos de viver que de expedientes e relativismos, de acessórios e do superficial, retornemos à essência essencial. Encontramo-la no esporte e na corrida, essa ligação entre o céu e a terra e nós no meio. Somos então verdadeiros deuses. E sabemos disso graça ao sorriso espontâneo em nossos semblantes e ao bem estar consequente!”. (tradução: JEM). Essas sábias considerações de Servenière implicam  a manutenção da prática esportiva como uma possibilidade para o autoaperfeiçoamento. Podemos, através dela, melhor entender a complexa máquina humana, que será nossa companheira durante toda a existência. A proverbial e tão utilizada citação latina, mens sana in corpore sano, é a síntese das sínteses desse amálgama que deve ser voluntário e amoroso. Sem essa harmonia absoluta um elo estará rompido. Mais do que o ato da prática esportiva, importa entendê-la como indispensável contributo para o nosso equilíbrio físico, espiritual e profissional. Meta difícil, mas possível para aqueles que se dispuserem a tanto. É só acreditar.

Further thinking on the topic of running, this time with focus on the need of discipline, concentration and determination in order not to give up regular physical activities. Just think they improve our health, help us meet people, make friends and decrease depression. They are essential for our physical, professional and spiritual well-being