Três Exemplos Hodiernos

Car lorsque ce mensonge est total,
embrasse toute la vie, règle chaque pensée,
aucun repos n’est à prévoir sur la route aride et fatale.
Georges Bernanos  (L’Imposture)

Que estamos a viver uma transição civilizacional pareceria patente. Valores antes professados como perenes deixaram de ter validade para a grande maioria. O processo de mutação tem sido muito rápido e acelera-se a cada ano. O Ocidente convive com essa mudança estimulada pelas empresas que visam ao lucro, com a complacência tantas vezes estranhas do Estado e plena divulgação da mídia, também ela em busca dos ganhos. Esse trio está a levar o homem à descaracterização de sua identidade. A consciência dessas transformações torna-se a cada ano mais clara àqueles que querem ver, mas a grande maioria das pessoas se acostuma à massificação. Integrar-se ao imenso contingente que não busca pensar é obedecer à legendária lei da manada.

Escrevemos anteriormente sobre os mega shows da atualidade, em que dezenas de milhares se reúnem para a saudação aos ídolos dos altos decibéis. Embrutecidos pela parafernália dos autofalantes, a multidão apenas segue o ritual do gritar, “cantar” e levantar braços, gesto este a fazer lembrar a juventude nazista. Massas amorfas. Proliferam esses mega shows, mormente pelo fato de que, com a crise econômica mundial, “ídolos” que jamais pensariam aqui pisar apresentam-se nesses espaços amplos e nos estádios de futebol, constantemente travestidos em arenas para os espetáculos, e encontram no Brasil o maná esgotado no hemisfério norte. Essa absurda concepção, hélas, a vigorar no mundo atual, faz com que àqueles pertencentes às gerações anteriores, que conheceram outros comportamentos, escandalizem-se.

Três exemplos de total alienação ocupam presentemente espaço imenso da televisão e do rádio. Refiro-me ao famigerado e insistente BBB, à “música” de uma “estrela” cadente, Michel Teló, e à histeria em torno de “Luisa está no Canadá”.

Do primeiro já se disse tudo, mas, movidos pela ganância representada pela enorme audiência, a Poderosa Rede continuará a apresentá-lo. Tem-se a mais absoluta visão do mundo que não desejamos aos nossos descendentes. Uma verdadeira aberração dos costumes, o sexo como mote in extremis, o linguajar chulo, o descaso aos mínimos valores morais e éticos, o ócio absoluto, resultando consequentemente na mais completa negação da cultura, da arte, da educação, da família, do cotidiano que resulta. Nada mais a falar ou a fazer, pois a Rede continuará a despejar nos lares esse enorme contingente de lixo.

Acabara de redigir o post quando recebo brilhante artigo publicado no “Correio Popular” de Campinas (30/01/2012), escrito por Fábio Henrique Prado de Toledo, juiz de Direito em Campinas e especialista em Matrimônio e Educação pela Universitat Internacional de Catalunya – UIC, sob o título “O Big Brother e o direito à intimidade”.  Avocando em duas situações a nossa Carta Magna, que estaria a ser desrespeitada, o arguto magistrado comenta a respeito da exposição de intimidades: “De fato, o direito à intimidade, ainda que irrenunciável, para ser exercido depende muito diretamente do seu titular, Com efeito, se ele (ou ela) quiser expô-la indevidamente como faz quem se prostitui, p.ex., muito pouco ou quase nada poderá fazer o Estado ou a sociedade para protegê-lo. Mas no caso desse programa, conta-se com o poderoso auxílio de um monstruoso meio de comunicação para promover tal violação. Ou seja, ainda que a intimidade seja exposta ‘voluntariamente’, um canal de televisão se encarrega de a propagar pelos quatro cantos de um país e do mundo. Com isso, as consequências maléficas não se limitam às ‘vítimas’ dessa violação ao direito à intimidade. É que quando milhões de jovens e adolescentes se ‘divertem’ num espetáculo dessa natureza, em que se promove um exibicionismo doentio de comportamentos no mínimo inconsequentes, estão sendo educados a ter uma postura pouco respeitosa com a intimidade do outro, e, talvez, sendo motivados a não resguardar a própria intimidade e até mesmo a esvaziar sua interioridade, o que, em última análise, implica grave ofensa à dignidade da pessoa humana”.

O caso de Michel Teló e a “música” que tem sido divulgada ad nauseam resume bem o estágio a que chegou a total inversão da qualidade. Tocada aqui e alhures, inundou as comunicações de ampla divulgação. “Música” e “letra” são do mais rudimentar pauperismo, mas, é de pasmar, essa coisa teve guarida até entre soldados de Israel, o que evidencia a alienação globalizada. Hipnotizadas, milhões e milhões de pessoas gestualizam esse “fenômeno” de audiência, como insiste a grande mídia.  Assim como tantas outras “músicas” sucumbiram meses após a explosão do sucesso, fatalmente o mesmo ocorrerá com a “criatura” nascida do Sr. Michel Teló. Todavia, também se tem a certeza de que estarão sempre a surgir aberrações escritas por oportunistas de plantão. Estrelas cadentes estão sempre a cortar os céus.

Um terceiro caso que, na aparência, estabelece uma zona de descontração, situa-se no caso “Luisa e o Canadá”. A matéria publicitária que indicou a ausência da Luisa, pressupostamente sem que os autores tivessem a ideia da repercussão de propaganda regional, fez com que, repentinamente, esse episódio sem nenhum interesse ganhasse também os meios de comunicação. No YouTube, vários vídeos já ultrapassaram largamente o milionésimo acesso. É o nada que se transmuta em um tudo. Um tsunami do nada. Repórteres e radialistas exaltaram absurdamente o fato rigorosamente insignificante. Os espaços caríssimos dos meios de comunicação dão lugar à cultura, à arte, à família no que ela tem de melhor? O leitor já tem a resposta. Essa alienação deixa ainda menos preparado o povo, pela absoluta ninharia do que é transmitido, fazendo-o mergulhar na iniquidade. Não resta a menor dúvida que a jovem Luisa estará a receber os mais diversificados convites para exposições públicas.

Esses três exemplos entre tantos que brotam como erva daninha, além de soterrarem aspirações voltadas ao humanismo, preparam infaustamente a maioria da população do país para o voto. Decorre que essa maioria, transformada em manada sem orientação, facilmente se deixa influenciar quando da escolha dos candidatos. Se não sabe selecionar as opções cotidianas que lhe são oferecidas, muito menos quando se trata do momento de definição na cabine de votação. Vê-se que a qualidade não mais está em causa, pois já feneceu há muito tempo. Nada mais a fazer.

On sensational but insignificant news events that make a great splash and then disappear and the meaning behind their triumph: people sometimes willing to risk their dignity for fame; lack of education, of civility, of inner values on the part of the public; a press that chooses profit over principle and has no interest in helping citizens to be fully informed and engaged in the things that really matter.