Impressões a Serem Renovadas

Em Braga, os recitais oferecidos na excelente Escola de Música do Mercado Cultural do Carandá, sob a direção segura da Profª Drª Elisa Lessa, correram a contento. Causou-nos viva impressão, nessa segunda visita ao Carandá, o movimento musical a visar ao aprimoramento de crianças, adolescentes e jovens dessa bela região do Minho. Saliente-se o apoio logístico do dedicado Rui Feio, atento a todos os pormenores administrativos e operacionais.

O belíssimo edifício, todo ele, representa um marco na cultura de Braga, mercê do projeto arquitetônico bem anterior, de responsabilidade do Arquiteto Souto Moura, vencedor do Prêmio Pritzker. Frise-se que a Escola de Música do Mercado Carandá tem a participação ativa da Companhia da Música que, como iniciativa privada, recebe a colaboração do Município de Braga através de protocolo firmado. Um corpo docente de mérito, a ter à disposição salas de aula com sistemas de iluminação e som inusitados,  auditório planejado com excelente acústica e espaços bem funcionais.

Se os últimos recitais apresentados em Portugal foram em Braga é pelo fato de sempre terminar a digressão a pensar numa homenagem simbólica à memória de meu pai, nascido nessa histórica região do Minho. O neto do empregador de meu saudoso progenitor, entre 1918 e 1928, Teotónio dos Santos e a esposa Maria Teresa, sempre nos abrigam em sua belíssima morada ao pé do Bom Jesus de Braga, onde se vive uma realidade paradisíaca. Da janela do quarto, o imenso jardim, pela manhã, recebe a visita de esquilos e de pássaros como o melro, o pombo torquaz, o pica-pau e tantos outros passarinhos canoros que não se encontram no Brasil. Vê-se tudo e mais parte da cidade e a Igreja do Bom Jesus de Braga ao alto. Os sons dos grandes sinos ao alto sobrevoam a densa mata e penetram em nossos corações. A longa escadaria que leva à Igreja é frequentada por turistas e peregrinos. No dia posterior ao recital aproveitei para correr, sempre a subir pela estrada, até bem acima da Igreja, num espaço onde, em um romântico lago, barcos a remo aguardam turistas. Várias voltas pelo lago e a descida pelas centenas de degraus mantiveram-me em relativa forma física.

Ainda em Braga tivemos a grata surpresa de assistir a um excelente recital camerístico apresentado pelo jovem e promissor violinista Miguel Simões e pelo competentíssimo pianista holandês Sander Sittig. Ouvimos interpretações convincentes da Sonata Kreutzer de Beethoven. Com sólida formação na Holanda, Miguel Simões apresentou a sua primeira audição da complexa Sonata de Beethoven. Diria que, ao longo da vida, essa obra estará in progress no  repertório do talentoso violonista que apresentou, frise-se, uma versão muito bem estruturada. A segunda parte do programa teve obras de Kreisler, Tchaikowsky e Bériot. Miguel Simões revelou intensa musicalidade, virtuosidade sem exageros e compreensão estilística, características que fazem antever um belíssimo futuro pela frente para o violinista português. A apresentação se deu no bonito Theatro Circo, construído em estilo italiano no início do século XX, que fica à Avenida da Liberdade no centro de Braga. Bonita via, que tem ao centro jardim muitíssimo bem cuidado.

Insisto em iniciar a tournée em Lisboa, na Academia de Amadores de Música, templo do grande compositor Lopes-Graça, tão bem conduzida nestes últimos anos pelo amigo e professor António Ferreirinho, assessorado por equipe que me é extremamente simpática. Sentimo-nos, Regina e eu, rigorosamente em casa. Mais ainda considerando-se que ficamos hospedados, nestas últimas digressões, no lar do dileto amigo e ilustre musicólogo José Maria Pedrosa Cardoso e sua encantadora esposa Manuela, na bela Oeiras, não distante de Lisboa. Junta-se sempre a nós a fidelíssima Idalete Giga, especialista em Canto Gregoriano e Educação Musical. Encontros onde não faltam conversas musicais e boa mesa. O fato de me dedicar, há décadas, preferencialmente ao repertório pouco frequentado, faz com que essas salas menores recebam o público que realmente quer ouvir outras obras. Não desmerece o tradicional, mas tem a curiosidade da “escuta” de novos horizontes. Bem tem razão meu querido amigo Gilberto Mendes, nosso grande compositor que está a comemorar neste ano seus 90 anos: “O que importa não é a quantidade de ouvintes, mas a qualidade de público seleto que realmente lá está para o conhecimento do que componho”. Certíssimo ele. Os grandes holofotes sabem a quem procurar e tantos são ávidos pelas luzes que podem representar, por vezes, o simulacro.

Ficarão gravada em nossas mentes, de maneira indelével, essas três semanas de intensa atividade musical. Em Évora, Regina e eu tocamos em dias diferentes na bonita Igreja do Convento Nossa Senhora dos Remédios, a integrar as dependências da Eborae Musica, dirigida pela competente professora Helena Zuber. Frisemos as primeiras audições absolutas do excelente Estudo Fúrias, Volutas e Saraivadas de João Francisco Nascimento e da extraordinária Missa sem Palavras (cinco estudos litúrgicos) de Eurico Carrapatoso, compositores que me honraram com suas presenças.  Do curso a seguir, no Departamento de Música da Universidade de Évora, cujo condutor é o respeitado músico Eduardo Lopes, só tenho boas recordações pelo fato de ter ouvido promessas pianísticas debruçadas no repertório português do barroco aos nossos dias. Realmente uma alegria.

Em Tomar ficamos hospedados em casa do excelente regente coral e diretor da Escola de Música Canto Firme, António de Sousa. Ele e sua esposa, Rosário, são dedicados e sabem receber com aquela naturalidade característica da gente portuguesa. Se meu recital foi na ótima e moderna Biblioteca da cidade, o de Regina se deu na Escola Canto Firme. No dia seguinte à minha apresentação, a aula oferecida na Canto Firme para jovens atentos, serviu para a exposição de Canto de Amor e de Morte de Lopes-Graça, entre outros temas interpretativos.

Digressão finda, resta o prazer de termos apresentado, em nossos distintos recitais, não apenas obras em primeira audição dos compositores portugueses de relevo como Eurico Carrapatoso e João Nascimento, como criações pouco executadas de Fernando Lopes-Graça e Frederico de Freitas. Não deixamos de mostrar ao público que nos ouviu obras de Villa-Lobos, Francisco Mignone e Fructuoso Vianna, que também encantaram os seletíssimos ouvintes.

Planos são construídos com antecedência. Já estamos a planejar nova tournée, que será amadurecida nos meses que se seguirão. Faz parte da interação e esta é razão básica para a travessia. Repertório não falta, e qualitativo. É só querer.