Edição Brasileira de Livro Lançado em Coimbra

As agências internacionais de concertos
apoderaram-se inteiramente da nossa vida musical,
onde colocam (por vezes a peso de ouro) o êxito acumulado do “centro”.
E nem sequer passa pela cabeça das instituições e dos seus “programadores”
que Brasil e Portugal, juntos,
bem podiam criar uma nova dinâmica de efectivo intercâmbio
que se projectasse não só no espaço cultural luso-brasileiro, mas também fora dele.
O mesmo se passa do outro lado do Atlântico,
onde o repertório e a programação
revelam notório desinteresse por compositores e intérpretes portugueses.
Mário Vieira de Carvalho
(Prefácio:  A Jangada de Pedra)
Cascais, 26 de Fevereiro de 2011

Confesso que me comoveu a acolhida que a Editora da Universidade de São Paulo (Edusp) deu ao meu livro editado em 2011 pela Imprensa da Universidade de Coimbra (IUC). Tendo-se esgotada a edição promovida pela lendária universidade portuguesa, o lançamento da obra no Brasil é motivo a mais para uma aproximação entre duas culturas musicais que pouco interagem. Para a edição brasileira conservou-se o prefácio do insigne professor catedrático da Universidade Nova de Lisboa, Mário Vieira de Carvalho, e houve a necessidade de determinadas adaptações ortográficas de meus textos que, na realidade, minimamente intervêm no todo do livro. Sob aspecto outro, capa e contracapa tiveram nova apresentação. A presente edição mantém CD com obras escolhidas de notáveis compositores portugueses: Carlos Seixas, Francisco de Lacerda, Fernando Lopes-Graça e Jorge Peixinho. Gravei-as na Bélgica, Portugal e Bulgária para diversos selos.

Concerto – guia mensal de música clássica -, em sua edição de Maio, publica artigo do ilustre maestro e membro da Academia Paulista de Letras, Júlio Medaglia, sobre o livro e apresenta em um box pequeno trecho de meu texto de abertura. Transcrevo-os para o leitor.

Júlio Medaglia em Atrás da Pauta, coluna mensal do maestro, escreve: “Sentados ao computador, dando tratos à bola para encontrar temas para meu programa de fim de tarde na Rádio Cultura, ocorreu-me o nome de um compositor português pouco lembrado e tocado: Frei Jacinto. É que toda sua obra, com raríssimas exceções, foi destruída no terremoto de Lisboa de 1755 – ele teria nascido em 1712. Entrei no YouTube e encontrei uma Sonata em ré menor para cravo. Fiquei boquiaberto. A composição possui qualidade técnica, ousadia e beleza comparáveis às de qualquer das suítes de Bach para o instrumento. Procurei, então, mais informações a respeito, mas os dados que encontrei eram os mesmos que eu já tinha. Numa reação de fazer, talvez, um ‘mea culpa’ no sentido de encontrar outros autores da Santa Terrinha, possivelmente também menosprezados pela história ou intérpretes, iniciei uma busca de dados sobre a música portuguesa. Sempre soubemos do elevado interesse e do alto nível musical da corte daquele país. E o Brasil se beneficiou com isso. Desde meados do século XVIII, praticava-se nesta colônia extrativista, muito distante da ‘civilização europeia’, a mais sofisticada música clássica, feita, aliás, por nativos, negros e mulatos, escravos ou alforriados. O próprio D. João VI, no dia que aqui chegou, levou um susto ao assistir à execução de uma obra de um padre, filho de escravos, um ‘Haydn negro’ de nível internacional.

Como por encanto, porém, naquele momento chegava à minha casa, não pela internet, mas pelo correio, um precioso livro de estudos escrito pelo nosso grande pianista José Eduardo Martins: Impressões sobre a Música Portuguesa, editado pelas Universidades de São Paulo e de Coimbra.

Há décadas acompanho e admiro o trabalho de José Eduardo, um dos raros instrumentistas deste país que vê a música como parte de um rico e complexo emaranhado cultural, e não como um simples malabarismo ao teclado (*). Cada vez que recebo uma notícia dele é sempre uma agradável surpresa. Seja um estudo musicológico, seja uma nova gravação entre as mais de duas dezenas (seis só de música portuguesa) por ele realizadas aqui, em Portugal, na Bélgica, na Bulgária ou sei lá onde, José Eduardo contribui sobremaneira para a dilatação da cultura e da literatura musical em nosso país em elevado e consciente nível profissional.

Impressões sobre a Música Portuguesa, que está sendo lançado neste mês pela Edusp, oferece um panorama abrangente da criação musical em Portugal. Apoiado em quatro colunas mestras da criação, ele abre o leque de análise para os mais variados assuntos, composicionais, interpretativos, históricos ou profissionais, em um resultado das 49 viagens de pesquisas e atuação pianística do autor naquela vida musical. Impressiona a densidade dos estudos de obras e características de interpretação como Carlos Seixas, Scarlatti português e mais importante compositor barroco daquele país; Francisco de Lacerda, impressionista amigo íntimo de Debussy; Fernando Lopes-Graça, o maior compositor português do século XX, plenamente integrado na estética contemporânea e ao mesmo tempo preocupado com a ação social da música, o que lhe valeu sérias dificuldades em seu país, tantos anos sob regimes ditatoriais; e Jorge Peixinho, que se envolveu com as vanguardas do final do século XX, particularmente as da Neue Musik, dos dodecafonismos aos aleatorismos de então.

E para que a enxurrada de informações não fique só nos textos, a edição traz também um CD com obras dos compositores analisados, interpretados pelo próprio José Eduardo Martins.

Esta publicação vai contribuir decisivamente para que intérpretes e estudiosos revejam e ampliem relações com a rica vida musical portuguesa, que, apesar de nossa relação umbilical com aquele país, nunca foi devidamente cultivada.

(*) Leia também J.E.Martins, un pianiste brésilien, coleção de entrevistas que resumem suas ideias (série Témoignages nº 4), publicação da Universidade Sorbonne de Paris”.

Gentilmente, Júlio Medaglia selecionou trecho do livro, que insiro neste espaço:

“O relacionamento de um músico com a panorâmica musical de uma nação pode ser estabelecido através das mais diversas vertentes: a admiração pelas culturas de um povo, motivada por estágio curto ou prolongado, mas impregnante pela intensidade; laços que ratificam o genético e o atávico; apreensão espontânea, muitas vezes independendo da presença física do estudioso; idealização de um modelo cultural, a emergir em determinado momento, movido pelas mais variadas causas. Seriam estas, basicamente, as amarras para que haja a relação.

Os 75 anos de existência permitem a liberdade da revisão parcial, do olhar o passado, de relembrar trajetórias, a fim de buscar melhor entender o porquê de uma ligação amorosa com personagens de uma nação e com a geografia acarinhada de um país. Essa promenade física, musical e espiritual levar-me-ia a captar tenuemente parcelas das culturas de Portugal. Poder-se-ia mencionar, como estímulo maior, sempre, a sanguinidade, a carregar consigo moléculas essenciais às aproximações posteriores”.

“Impressões sobre a música portuguesa” será lançado na Livraria da Vila (al.Lorena, 1731, São Paulo, dia 13 de Maio, às 18h30, precedido por debate em torno do livro entre o maestro Júlio Medaglia e o autor. Seria um prazer enorme contar com a presença de leitores que têm acompanhado meus posts ininterruptos desde Março de 2007.

Abaixo, seleção de faixas do CD que acompanha o livro, com José Eduardo Martin ao piano. Clique para ouvir.

On the release of my book “Impressões sobre a Música Portuguesa” (Impressions on Portuguese Music), originally published by Coimbra University Press and now being released by São Paulo University Press. The launch of the book will be on May 13, preceded by a discussion mediated by conductor Julio Medaglia.