Navegando Posts publicados em abril, 2015

A Capela de Sint-Hilarius em Mullem, na Planura Flamenga

Devemos o que temos a duas espécies de homens:
os que trabalham por gosto,
embora na maior parte das vezes o gosto lhes fosse turvado por outros homens,
e os que sem gosto tiveram de trabalhar nas tarefas impostas.
Agostinho da Silva

Desde 2010 não gravava na Bélgica. A partir de 1995, anualmente visitava o país para gravações e recitais; mas com a interrupção das atividades da De Rode Pomp, excepcional organização que realizava a cada ano cerca de 130 recitais, concertos, gravações e palestras na cidade de Gent, houve um espaçamento. Foram 22 viagens durante esse período! O retorno à cidade que aprendi a amar por todas as oportunidades que lá tive, entre as quais os numerosos CDs gravados e lançados pela De Rode Pomp, traz-me uma alegria profunda. Rever amigos diletos, conviver com músicos e pensadores íntegros e competentes é motivo dessa feliz ansiedade.

Ivan, um bom amigo, questionou-me, poucos dias antes da viagem para Gent, qual a razão da Europa se resumir, hoje, a apenas três países em minha agenda, d’après meus blogs. Respondi-lhe que três aspectos são essenciais. Primeiramente, minha atividade pianística sempre foi, de maneira voluntária, low-profile e essa situação jamais me incomodou, pois adequada ao meu modo de ser. De certo modo, a categoria low profile tem de ser impulso natural e não impositiva ou resultado de traumas ou desilusões. O ato voluntário de escolha deve pressupor harmonia com a existência, um estado de espírito e de ação.  Em segundo lugar, os 76 anos fazem-me pensar no período da síntese e, se tantos países foram visitados para apresentações ao longo, concentrar-me nestes últimos anos na Bélgica, França e Portugal reconforta-me. Finalmente, nesse terço final do existir, a escolha tem razões musicais e afetivas e essas contam, e muito. Bélgica-Gent-Mullem fazem parte do registro da memória e, como dizia meu dileto amigo gantois André Posman, “é aqui que sua herança musical está sendo fixada através das gravações”. A França, por um passado que remonta a 1958 e que me ligou decididamente à música francesa. Portugal, pela paternidade bracarense e pela infinita admiração por sua música do barroco aos nossos dias. São meus países de afeto, pois amizades estão profundamente enraizadas.

No repertório que fará parte dos dois CDs que gravarei, obras rigorosamente contrastantes. Se o primeiro será inteiramente dedicado aos “Estudos Contemporâneos” para piano, fechando um longo ciclo de 30 anos de convites a compositores meritosos, sem contar contribuições espontâneas de vários outros, um segundo CD terá como fulcro obras de nosso romântico maior, Henrique Oswald (1852-1931). Verdadeiras joias musicais serão gravadas e entre elas várias inéditas da lavra oswaldiana. Se o CD dos “Estudos Contemporâneos” já teve longos comentários em blogs imediatamente anteriores, o dedicado a Oswald se caracteriza pela excelsa qualidade das criações. Folga-me verificar que perpassa em tantas das peças, a grande maioria com titulação francesa, essa atmosfera nonchalante do fim do século XIX. Oswald foi um melodista da cepa, extraordinário. A sua escrita pianística é clara, mas a interpretação de suas obras merece um cuidado extremo em quesitos essenciais: dinâmica, articulação e agógica. Busco sempre, ao tocar criações de Oswald, encontrar a flexibilização a mais fluida, pois qualquer tratamento menos envolvente torna sua obra engessada, sem respiração.

Quantos não foram os motivos para me lembrar da Capela Sint-Hilarius, em Mullem. Se fatos variavam, a essência essencial para que as pegadas através das gravações ficassem registradas sempre foi a mesma. Johan Kennivé, mestre irretocável como engenheiro de som, este pianista e as paredes milenares e cúmplices da Capela abrigando as sonoridades que ecoam pelos espaços. Há mística em Sint-Hilarius, razão primeira para preferenciá-la desde a década de 1990. Creio igualmente que a personalidade tranquila de Kennivé promove o amálgama. Paradoxalmente, inexiste o relógio do tempo da gravação, que se pode prolongar até que este intérprete entenda necessária a interrupção. Psiquiatra de formação, antimercantilista por vocação, Johan registra os sons, aconselha seus microfones e a parafernália eletrônica, interrompe-me ao sentir que uma xícara de chocolate quente e fatia de torta de maçã, cuidadosamente preparada por sua mulher Tineke, far-me-ão bem. Como não estar na mais profunda harmonia com essa atmosfera criada? A música agradece. Sei que essa será a rotina prazerosa de intensa dedicação, pois os aspectos mencionados deverão se repetir, assim espero. O repertório é sempre renovado, diria, basicamente inédito, mas a compreensão das obras em questão dá-me a certeza de que estamos diante de criações excepcionais. Na medida em que desdobramentos da estadia na Bélgica e em Portugal forem acontecendo, transmitirei ao leitor, que, em meu primeiro post de 2 de Março de 2007, foi convidado a ser partícipe e cúmplice de meus blogs. Continuemos.

E seguimos rumo a Gent…

This post addresses my forthcoming trip to Belgium to record two CDs: one with contemporary Etudes and another entirely dedicated to works by the Brazilian composer Henrique Oswald. I’m looking forward to meeting old friends and the magic scenario of St. Hilarius chapel, in Müllem.

 

 

 

 

 

Quando Repertório Tem Gosto do Desvelamento

O público pede sempre a canção “célebre” repetida por determinado cantor,
aquela que ele ouviu tantas vezes pela rádio ou através do disco.
Deploremos sua preguiça.
Não é o compositor contemporâneo que fala:
é o músico que a defender seus ascendentes, como seus pares e aprendizes,
lamenta a estreiteza do gosto.
Beethoven é o deus dos melômanos: que seja.
Isso não significa que toda sua obra tenha a mesma acolhida.
Entre suas sinfonias…
Arthur Honegger

Após o recital do dia 11 de Abril na Sociedade Brasileira de Eubiose conversei com várias pessoas que prestigiaram o evento. A pergunta formulada por um jovem músico intrigou-me. Retornarei ao tema. Seria interessante frisar que a Sociedade privilegia essencialmente o aperfeiçoamento dos jovens em direção à reflexão sobre o homem, suas aspirações, seu caminhar pela humanidade nessa partícula mínima do espaço universal. Por total coincidência, acaso, diria –  palavra esta contestada pelo dileto amigo Carlos Augusto Souza Lima, um dos organizadores da temporada musical da SBE, que acredita não haver acaso – a maior parte do programa estava relacionada com o espírito da Sociedade: “Missa sem Palavras”, de Eurico Carrapatoso, “Et Iterum Venturus”, de Gheorghi Arnaoudov”, “Études Cosmiques”, de François Servenière” e “Vers la Flamme”, de Alexandre Scriabine, integram esse Universo incomensurável, que estamos a buscar entender desde a Antiguidade.

O jovem questionou-me a respeito de minha insistência em tocar obras inusitadas, apesar de ter declarado sua estupefação diante da qualidade dos “Estudos Contemporâneos” apresentados. Disse-lhe que a resposta estaria no blog da semana. Infelizmente não retive seu nome. Contudo recebi e-mail, num direcionamento bem próximo, de Patrícia Luciane de Carvalho, que se inquieta com programações paulistanas e com o público ainda menor quando repertório não sacralizado é apresentado.

A inserção semanal dos blogs, ininterruptamente desde Março de 2007, faz-me por vezes não quantificar determinados regressos a conceitos ou temas. É normal e humano. Em repetidas oportunidades observei que não me sentiria à vontade se tivesse de atravessar o Atlântico tendo de executar com insistência as mesmas obras do repertório sacralizado. Essa posição rigorosamente pessoal desvia-me de um desconforto espiritual, de vida e, consequentemente, musical. Ficar sentado longas horas em um avião, sendo durante decênios o repetidor de segmento do repertório constituído pelas grandes criações de excelsos compositores, não me entusiasma particularmente desde os anos 1970. Não que não as admire e que não as tenha tocado. Considerando-se que sempre há público diferenciado, constituído pelas gerações que se sucedem ou mesmo por visitantes de passagem por determinada cidade, parte considerável dos que vão aos concertos estruturada no tradicionalismo, aprecia ouvir o mesmo intérprete a executar as mesmas obras. Isso é fato evidente e que parece se perenizar. Insisto que o público habitual, afeito ao Sistema, aprecia a comparação e “teme” o novo, seja ele paradoxalmente do passado ou da contemporaneidade.

A temática Cósmica, tão presente no recital apresentado no último dia 11 de Abril, inclina-nos a entender que, nesse grão de areia que é a Terra, não desvendar o micro mais micro do Universo existente no repertório amplo e ignoto é preocupante. Se consideramos uma das teorias cósmicas que entende o Universo em Expansão nessa “célula” que é o nosso Planeta, há a mente criativa, partícula da partícula em escala infinitesimal. Como não admirar a ideia, a criação e a concretude de uma obra recém produzida por um compositor, desde que as musas sobrevoem sua mente? Revelá-la é dar-lhe a possibilidade da perenização, se qualitativa. Não havendo essa prerrogativa, o olvido será o destino implacável. Sob outra égide, a obra extraordinária do passado e ignorada poderia ser compreendida como um astro perdido no Universo e que uma lente de telescópio poderosíssimo descobre.

Compete ao intérprete optar. Trata-se de ato voluntário e intransferível. A grande maioria tem preferenciado essa permanência no status quo que tranquiliza mentes, “robotiza” inúmeras execuções, mas também revela aperfeiçoamento para eleitos no melhor dos sentidos. Através do YouTube é possível constatar obras interpretadas por músicos, décadas após uma primeira gravação. Existiria mesmo determinada evolução para conceitos menos exuberantes e bem mais introspectivos. As gravações de extraordinários pianistas do passado,  como Vladimir Horowitz, Wilhem Kempff, Sviatoslav Richter e Claudio Arrau, como exemplos, testemunham, no estertor de suas existências, a síntese conceitual da trajetória esplendorosa de décadas anteriores. Dá-se o mesmo na composição, e a história da música está repleta de compositores que se interiorizam em suas mensagens, caso específico de Franz Liszt que, em suas últimas obras, testemunha a mais absoluta síntese, a não concessão, mas paradoxalmente a abertura de caminhos para os pósteros. Situação similar encontramos em Claude Debussy. “Noël des Enfants qui n’ont plus de Maison” e “`Elegie” são exemplos claros, impensáveis em períodos anteriores da existência.

A apresentação na SBE primou pela mostra em primeira audição no Brasil de duas obras significativas, a “Missa sem Palavras” (cinco Estudos Litúrgicos), de Eurico Carrapatoso, e os “Études Cosmiques”, de François Servenière, estes em primeira mundial. O que entusiasma o velho pianista é saber que, das cerca de 170 obras apresentadas em primeira audição ao longo, muitas correm o mundo através de pianistas de tantas latitudes e longitudes. Estou a me lembrar do notável compositor Aurelio de la Vega (nascido em Cuba em 1925 e cidadão norte americano desde 1966), que, ao ter sua magnífica “Homenagem a Villa-Lobos” de 1987 (CD Music of Tribute, Labor USA) apresentada por mim em primeira audição no mesmo ano, gentilmente enviava-me programas dos Estados Unidos, Extremo Oriente e Europa nos quais a obra era executada e tendo nas notas do programa o nome deste dedicatário. Redigia a mão que aquele que motiva uma criação é partícipe e que, sem essa “cláusula”, o tributo a Villa-Lobos jamais teria deslizado para o papel pautado.

O tempo que se afunila é “infalível e insubornável”, na pena do ilustre escritor e poeta português Guerra Junqueiro. Todo o longo caminho trilhado nessa busca interminável pela qualidade do passado submerso e do presente em constante ebulição é motivo de uma surda sensação de estar a participar desse descobrir tesouros. São tantos que continuam a aguardar o encontro criador-intérprete!!! Enquanto houver sopro, a mente estará atenta a essas preciosidades. Assim espero.

The recital last April 11 led me to reflect upon transoceanic crossings and my imperative need for repertoire renewal.

 

 

Uma Apreciação que Merece Leitura

Para o público,
a arte musical se resume na execução das obras clássicas ou românticas.
O compositor contemporâneo
é pois uma espécie de intruso que quer absolutamente se impor
em uma mesa à qual não foi convidado.
Arthur Honegger (1951)

Reiteradas vezes servi-me de frase antológica de Igor Stravinsky, a supor duas espécies de músicos: o criador e o intérprete. A posição de um dos mais importantes compositores do século XX estabelece um entendimento, quiçá amálgama, que deve existir entre a obra feita e aquela a ser vivificada ou perenizada através da execução.

Tema insistente em tantos blogs anteriores, friso sempre a necessidade de o intérprete estar aberto à cultura como um todo, especialmente às artes e à literatura, não desprezando o cotidiano e todas as suas implicações.

A relação entre compositor e intérprete, aquele, do passado ou do presente, é focalizada de maneira arguta por François Servenière na última mensagem que me enviou. Qual a atitude do executante frente à música de nossos dias? O comprometimento com o exaustivo repetitivo  repertorial não poderia ser decorrência do voluntário desconhecimento da música contemporânea? Compositores do passado não encontraram obstáculos para à divulgação de suas obras por intérpretes coetâneos? Essa atitude não teria sido uma das causas de tantos compositores dos séculos anteriores dedicarem-se à função interpretativa? O distanciamento da maioria dos intérpretes da música contemporânea não estaria relacionado ao foco muitíssimo menos intenso dos holofotes? O rigor do debruçar sobre o repertório da modernidade, que tem de ser idêntico ao dedicado ao tradicional, não afugentaria intérpretes? Temos, ainda, o cerceamento criativo do compositor de música para filmes na atualidade e tantas outras possibilidades que Servenière, como músico e pensador, explana de maneira clara e objetiva.

A apresentação aos 11 de Abril em primeira audição mundial dos “Études Cosmiques” para piano  (7+1) de Servenière  justifica, sob outra égide, a inserção no presente post das oito telas do excepcional artista plástico e designer, o saudoso Luca Vitali.

“Apreciei o comentário de Daniel Barenboim apresentado como epígrafe de seu último blog. Ele coloca em evidência o problema da interpretação contemporânea e o principal desgosto dos compositores relacionado aos intérpretes, ou seja, a não consideração, em nível de igualdade, do trabalho sobre as obras do passado e as do presente. Você sabe perfeitamente que todos os compositores de qualquer época, desde os períodos clássico e romântico, tiveram de sofrer as tempestivas atitudes de seus intérpretes coevos. Seria essa, possivelmente, a razão principal a levá-los ao esgotamento físico, por vezes mortal, por serem eles os intérpretes de suas próprias obras… e para que, enfim, pudessem ouvir suas obras interpretadas da melhor maneira, segundo o que ditava o coração e a aspiração artística. Hoje é praticamente impossível o desempenho das duas carreiras simultaneamente, mercê das exigências precípuas concernentes às duas atividades, composição e interpretação. Aqueles que porventura tentam nem sempre conduzem satisfatoriamente as duas categorias musicais. Em período não muito distante, compositores chegaram a ter suas criações menosprezadas por intérpretes, que as consideravam ‘menores’ frente ao caudaloso repertório tradicional.


O compositor deve fazer face permanente à predisposição deplorável de muitos intérpretes diante de obra nova a ele apresentada. O executante célebre colocará toda sua energia na interpretação de uma obra referencial, porque sua reputação estará em jogo nessa trama que consiste na comparação entre intérpretes quando da execução de uma mesma obra, pois esses outros também tocaram e gravaram obras consagradas. Luta sobre o mesmo terreno concorrencial, pois. A energia colocada nas obras atuais e desconhecidas do grande público é tão mais diminuída ou ‘desonrada’,  graças ao fato de não serem prioridade na carreira dos intérpretes, a menos que a obra se torne referencial e célebre, independentemente de seu nível técnico ou artístico. Assistimos a intérpretes, reconhecidos executantes de obras pianísticas pertencentes à cumeeira qualitativa, apresentarem-se tocando amenidades descartáveis hollywoodianas… É fato corrente como atitude, preconizado pelos agentes com a finalidade de quebrar a barreira ‘público de música clássica/grande público’. Curiosamente, somente nesses momento o virtuose em geral coloca energia ‘transcendental’ nessas superficialidades ‘contemporâneas’ tão intensamente como naquelas obras primas do passado. Uma lástima!

Como você bem explica em tantos de seus blogs anteriores sobre interpretação do virtuose e que serve de parâmetro às atitudes de tantos outros virtuoses: carreirismo, conformismo, modismo. Em geral, enquanto muitos intérpretes adquirem sucesso e brilham em cena, a grande maioria dos compositores sobrevive com dificuldade. Única exceção aos raros ‘vanguardistas’ que vivem exclusivamente de sua arte, o compositor de música para filme, no qual o compositor emerge e, mercê de seu sucesso, domina social e profissionalmente os intérpretes. Todavia, a música de filme é raramente de avant-garde, ela retoma as banalidades que alimentam realizadores raramente afeitos à cultura musical. Adaptam-se esses compositores à cultura nivelada por baixo. É fato notório na profissão. Outro fato digno de registro na composição destinada ao filme é a ausência, tantas vezes, de preocupações criativas.

Não podemos dizer que o compositor de música de filmes escreve uma obra integralmente. Muitas vezes essa obra ‘integral’ fora do filme, salvo raras exceções, é decepcionante, pois levada à sala de concertos mostra-se desprovida de sentido. Trata-se de música de complemento, decorativa, de sustentação narrativa e de ilustração do estado de espírito dos personagens. Muitas vezes impregnada de talento, a partitura destinada ao filme se diferencia substancialmente da obra musical completa, pois, no caso da ‘indústria cinematográfica’, o compositor tem de adaptar-se ao realizador, ao visual, ao público. Os maus hábitos de montagem e de realização em Hollywood e na França incluem em acréscimo músicas pré-existentes, pré-montadas e perfeitamente sincronizadas sobre as imagens. O compositor passa a ser não um criativo, mas um imitador, pois lhe é pedido recopiar de maneira ‘original’ uma música já inserida sobre o filme. Muitos compositores se insurgem contra essa prática nefasta ao gênio musical. Foi-se o tempo da florada durante a idade de ouro do cinema, da rádio e da televisão”. Lembraria um post que publiquei sobre a série Bonanza (vide “Bonanza – um Seriado que Marcou”, 10/12/2010). Encantava-me a música que David Rose (1910-1990) escreveu para a série e sua maestria no trato dos leitmotivs (motivo ou tema que faz lembrar personagens, sentimentos e que retorna idêntico ou modificado). Por vezes David Rose desenvolvia verdadeiros temas com variações extremamente sofisticadas, a depender da índole do capítulo da série.

Prossegue Servenière “Através da mídia mais popular, o compositor que escreve para filmes e para o teatro de variedades terá mais sucesso durante sua vida do que o compositor de música clássica moderna. Friso, aprioristicamente não tenho restrições a estilos e gêneros, pois um compositor bem formado pode abordar todos eles. Leonardo Da Vinci e Michelangelo Buonarroti não são exemplos? Aliás, toda a Renascença estava aberta para a expressão dos gênios pluritalentosos. A atualidade restringe, anatematiza e limita criatividades, tutelando-as sob as égides das tendências ‘progressistas’.

Raros são os intérpretes como você ou outros, como o ilustre Barenboim, que colocam tanta energia na interpretação de uma obra atual ou do passado e que consideram a obra unicamente pelo seu aspecto artístico ou criativo, cegamente, sem se importar com a notoriedade do autor e sim com a simples beleza da arte, sendo este o único critério. Hoje, todo o meio artístico se extasia diante da obra de Van Gogh em nome de critérios soi-disant artísticos (bem retumbantes). Sou mais realista. Todas as celebridades atuais que o elegeram um demiurgo da arte teriam tido certamente desprezo para com sua personalidade de perdedor, fossem eles seus contemporâneos. O mundo não mudou. Despreza-se sempre o perdedor e admira-se tão somente o vencedor, não importando o talento ou a obra envolvida.

Visto de uma perspectiva profissional, daí decorre o desinteresse de intérpretes virtuoses contemporâneos pelas obras de seu tempo. Raros os que apreendem essa perspectiva social e profissional e consideram igualmente a obra antiga e a atual, tornando verdadeiro desafio o conceito de Stravinsky, como você observou em um de seus blogs anteriores, a particularidade única da arte musical separada entre o tempo da criação e aquele da interpretação. Há a necessidade da abertura da mente quanto ao repertório. O primeiro reflexo do intérprete virtuose, antes da leitura de uma partitura, será SEMPRE o de conhecer o nome que se esconde atrás do papel pautado. Desse conhecimento exclusivo decorrerá, salvo exceção, seu interesse pela obra. O intérprete poderá passar um tempo enorme para dominar as dificuldades incríveis de uma partitura referendada pelo público. Porém, não aceitará JAMAIS o mesmo desafio artístico e técnico diante de uma partitura de criador seu contemporâneo e cujo nome não brilhe no panteão da música. É minha experiência, partilhada por muitos colegas compositores. Como dizia um de meus colegas recentemente ou eu mesmo, já não o sei: ‘um bom compositor é um compositor morto’ “. Essa frase traduz bem a visão de muitos intérpretes e do público frente ao compositor “vivo” e seria atribuída ao compositor  francês Arthur Honegger  (1892-1955): ” A primeira qualidade de um compositor é estar morto” (Arthur Honegger. Je suis compositeur. Paris, Conquistador, 1951, p. 16).

Servenière finaliza: “Posso dizer que nos sentimos imensa e eternamente gratos pelo seu empenho em tornar conhecidas nossas obras contemporâneas com o mesmo trato que é dado às obras dos mestres do passado de nossa área musical. Você terá necessidade de carburante psicológico para as apresentações programadas em São Paulo e para a gravação desses ‘Estudos Contemporâneos’ no fim do mês na Bélgica e em primeira audição. Estou, estamos a pensar com energia positiva, como sua família de coração, quase de sangue, artística e musical, naturalmente. (tradução: J.E.M.)

Resuming the subject of last week’s post, I transcribe passages of message from the French composer François Servenière, explaining why, in his view, interpreters, concert goers and sponsors find modern classical music unattractive and idolize composers of bygone days. He also considers the differences between contemporary classical music composers and those who pursue a career as film composers.