Realização Estimulante

Talvez não tenha cada um a sua mundividência:
mais certo seria dizer-se que tem a mundinvenção,
e que só essa é real.
Agostinho da Silva

O filme de curta-metragem tem adquirido a cada ano uma multifacetada abrangência. A sua extensão varia muito e, mais habitualmente, veem-se durações inferiores a vinte minutos, podendo, contudo, atingir minutagens superiores. Concentrados em seus temas diversos, que compreendem política, humor, aspectos sociais, denúncia e protesto, pesquisa experimental, documentário e, bem acentuadamente, a animação, o curta traduz a máxima latina multum in minimo e requer do diretor habilidades extras para a exposição criteriosa em tempo determinado. Festivais existem pelo mundo inteiramente dedicados ao curta-metragem, que, mercê de custos mais modestos e direções abrangendo também estudantes da área, são bem concorridos. O desenvolvimento acelerado da internet e da televisão a cabo tem dado guarida ao curta-metragem e diariamente é acrescentada às redes de ambos os meios de comunicação quantidade expressiva dessa ascendente categoria de filme.

A premissa faz-se necessária, pois a Unibes Cultural abrigou em seu auditório, entre os dias 5 e 6 de Novembro, um importante Festival  dedicado aos curtas metragens portugueses.

Preliminarmente transcrevo o que consta no “libreto” a informar o intuito do Festival, que tem percorrido vários países: ” O NY Portuguese Short Film Festival (NYPSFF), organizado pela primeira vez em Junho de 2011, foi o primeiro Festival de curtas-metragens portugueses nos Estados Unidos. O Festival foi produzido e apresentado pelo Arte Institute e mostra curtas- metragens de ficção, animação e documentário. Este Festival teve a duração de dois dias e exibiu 10 curtas-metragens produzidos por realizadores portugueses em suas terras e no estrangeiro. A quinta edição do Festival terá início no dia 28 de Maio (2015) em Nova Iorque e Cascais, seguido por Lisboa. O NYPSFF promove os melhores trabalhos de uma nova geração de realizadores portugueses, dando-lhes a oportunidade de exibir os seus filmes em diversos países, como Estados Unidos, Portugal, Brasil, Reino Unido, África do Sul, Canadá e Austrália”.

Tive o prazer de comparecer ao primeiro dia. Cinco curtas-metragens foram apresentados, precedidos por breves informações da diretora, organizadora e explanadora do Art Institute em Nova York, Ana Ventura Miranda e do ator Ivo Canelas. Ambos teceram posições sobre o projeto e também comentaram a esperançosa trajetória do curta-metragem em Portugal.

Um interessante curta, a focalizar portugueses que partiram, nessa diáspora que os fez, entre tantos outros pontos geográficos espalhados pelo mundo, fixarem-se igualmente nos Estados Unidos. São depoimentos singelos, basicamente desprovidos da saudade, mas que demonstram que sacrifícios enormes tornaram esses imigrantes adaptados, se assim puder ser entendido, à realidade na América do Norte.

Cinco curtas metragens foram exibidos na primeira noite: “Gigante”, Júlio Vanzeler e Luis da Matta Almeida (animação); “Bestas”, Rui Neto e Joana Nicolau; “Emma’s Fine”,  Miguel M. Matias; “Gu”, Pedro Marnoto Pereira; “Exit Road”, Yuri Alves, variando de 11′ a 15′. Filmes tematicamente concentrados, bem dirigidos nas diversidades compreensíveis de personalidades marcantes, com atores de alto nível, alguns atingindo a excepcionalidade. Mencionaria o desempenho do ator de “Exit Road”, a interpretar um drogado, suas idas e vindas, possibilidade de sair do abismo até o inevitável suicídio, assim como o da atriz única de “Emma’s Fine”, seu impasse diante da vida e a solidão que a massacra até um impasse que fica em suspenso.

Neste mundo conturbado em que vivemos, onde pululam crises por todo o planeta, compreende-se que temáticas sobre tragédia, suicídio,  desamor, solidão, droga e distintos tipos de delito são provocantes para diretores. Foi o que se pode constatar nessa primeira noite do Festival. Quatro dos cinco filmes apreenderam essas realidades que assolam a humanidade. Esse posicionamento não implica crítica ao que foi criteriosamente selecionado para a mostra. Trata-se de constatação, apenas. “O Gigante”, animação de grande impacto pela simbologia transmitida, contrasta com os enredos mencionados. Uma menina instalada no coração de um gigante a observar o mundo e de lá partindo para descobertas e realização de sonhos. O mínimo esboço de um complacente sorriso desse gigante “tranquilo” revela a proteção e o abrigo. O curta-metragem é sensível, lírico em seu despojamento e transmite mensagem profunda.

As rápidas passagens dos créditos impedem a leitura pormenorizada dos autores das trilhas sonoras. Transparece uma sensação alvissareira do que está a ser produzido em Portugal por compositores específicos nesse segmento fundamental.

Após a apresentação houve debate, do qual tomaram parte o ator Ivo Canelas e a diretora Ana Ventura Miranda. Temas de interesse foram levantados, inclusive a assimilação de expressões linguísticas de novelas brasileiras no cotidiano em Portugal. Expressei-me, a mencionar artigo datado de 1992 do excelente poeta açoriano Hector Silva em “O Telégrafo”, suplemento “Antília” (Horta, capital do Faial, uma das nove ilhas do arquipélago dos Açores), em que o vate e editor escrevia sobre o desvirtuamento que estava a acontecer na linguagem do povo açoriano, mercê das novelas. Como correspondente do jornal durante dois anos – a seguir minha tournée pelo arquipélago -, respondi ao artigo, a concordar plenamente com o poeta e acrescentando que recebiam eles os enlatados já “lacrados”, diferentemente da feitura das novelas no país de origem, sujeitas às opiniões dos numerosos seguidores do gênero, que possibilitam alterações dos enredos!!! Mencionei que a produção de novelas portuguesas evolui sensivelmente, mas que, hélas, só há mão única, e que essas produções não chegam ao Brasil, o que traria oxigenação e o convívio com um melhor trato da língua portuguesa, certamente.

Conversamos, o excelente ator Ivo Canelas e eu, sobre a qualidade dos atores portugueses. Disse-me, durante o agradável diálogo, que trabalhou nos bons filmes “Florbela”, como irmão da notável poetisa Florbela Espanca e “Estrada 47″ (estão integralmente no YouTube). Assisti ao filme e gostei muito da direção de Vicente Alves do Ó, do desenrolar da trama e das atuações de Dalila Carmo, Ivo Canelas e Albano Jerónimo. Recomendo-o vivamente.

Infelizmente tivemos público pequeno para mostra tão significativa. Louve-se a guarida acentuada da Unibes Cultural a projetos de áreas artísticas diversificadas.

Unibes Cultural, a non-profit organization located in São Paulo, sponsored the Portuguese Short Film Festival last 5 and 6 November, screening 10 short films directed by a young generation of Portuguese filmmakers. I’ve attended the opening night and this post addresses some of the films and actors that I found particularly compelling. I was captivated. After the presentation, I chatted with the excellent actor Ivo Canelas. He can be seen in two feature-length films: “Estrada 47” and “Florbela”, the latter about the life of the great Portuguese poet Florbela Espanca (directed by Vicente Alves do Ó and starring Dalila Carmo, Ivo Canelas and Albano Jerónimo). Both movies are available on YouTube and highly recommended for their quality.