Quando o terrorista solitário age de modo inédito e de surpresa

A finalidade do terrorismo não é apenas matar cegamente,
mas lançar mensagem para desestabilizar o inimigo.
Humberto Eco

Perdoar terroristas é coisa de Deus,
mandá-los para Ele é coisa minha.
Vladimir Putin

Palavras aceitas e divulgadas pela mídia são repetidas ad nauseam e ganham interpretações impróprias. Ao ato terrorista isolado propagou-se a designação “lobo solitário”. Os lobos, como tantos outros animais predadores, atacam para defender a sobrevivência. Reunidos em grupo, formam matilhas que ainda hoje, mormente nas terras gélidas do hemisfério norte, constituem perigo para rebanhos e para humanos. Solitário, o lobo busca seu alimento, sempre a atender sua necessidade de viver. Designar “lobo solitário” um tresloucado é retirar do animal selvagem sua altivez.

O espetáculo que foi transmitido largamente pela mídia, de um caminhão em alta velocidade a esmagar em Nice a população que regressava de festejo cívico, é inominável e já teve a procedência garantida (?), a jihad islâmica. Quão mais sórdida a atitude do motorista demoníaco, divulgada em todo o planeta, se observado for o cenário indiscriminado escolhido. Não foram seguranças, militares ou policiais os seres visados, mas uma população feliz constituída por famílias inteiras, adultos e crianças, maravilhada pelo espetáculo dos fogos de artifício.

O princípio ativo dos fogos de artifício originários da China, o pó negro ou pólvora, foi introduzido na Europa por Marco Polo. Na França há uma larga tradição voltada ao deslumbramento produzido pelos fogos de artifício. De um primeiro espetáculo na Place de Vosges (Place Royale), quando do casamento de Ana da Áustria com Louis XIII em 1615, à magnificência das festas da monarquia francesa até as fronteiras da Revolução de 1789, os fogos de artifício simbolizariam séculos a seguir a ratificação do orgulho nacional e assim é entendido até nossos dias. A data de 14 de Julho se confunde com os fogos de artifício, corolário dos festejos noturnos. O notável compositor francês Claude Debussy (1862-1918) eternizaria a ligação intrínseca da festa do 14 de Julho, data nacional francesa, em um de seus mais significativos prelúdios, “Feux d’artifice”, encerrando o segundo volume (1910-1912), a citar nos compassos derradeiros (de très loin) a Marseillaise (dó maior), sob pedal de ré bemol, a substanciar o hino francês em expressiva evocação.

O ato do terrorista solitário atingiu o cerne do símbolo maior da França. Não há alguém minimamente instruído espalhado pelo planeta que não saiba a magnitude do 14 de Julho e não conheça a Marseillaise. Os fogos de artifício sacralizam a data metaforicamente e substanciam palavras hoje em perigo, Liberté, Fraternité, Egalité.

François Servenière, impactado com a tragédia em seu solo natal, enviou-me mensagem que repasso aos leitores. Compositor e pensador, Servenière há um bom tempo tem sido crítico à gestão de François Hollande e de sua incapacidade de ser líder. Eis a mensagem após o blog “500 posts!!!”: “Estou desolado por não lhe ter escrito de imediato, mas todos nós estamos chocados com aquilo que se passou em Nice. Conheço bem a Promenade des Anglais, pois, como muitos franceses, lá fui diversas vezes. No momento exato do atentado em Nice, estávamos, minha mulher e meus filhos, à beira mar em Deauville, pelas idênticas razões, olhar e admirar os fogos de artifício que a cada ano, nas cidades costeiras, transformam-se em evento grandioso. A família Ruggieri, francesa e de origem italiana, tem reputação mundial nessa arte milenar, e tenho a lhe dizer que somos privilegiados ao assistir às proezas artísticas e técnicas em todas as cidades francesas nessa data emblemática.

Ao acabarem os festejos com os fogos de artifício, durante nosso trajeto de 1km até o carro – havia 30.000 pessoas em Deauville admirando a festa -, sirenas de ambulâncias e de carros de bombeiros irromperam e buscavam encontrar um caminho entre a multidão, como se houvesse um alerta. Reconstitui o horário desse acontecimento no dia seguinte, pois não acessei rádio ou TV ao voltarmos para casa e apenas soube da tragédia na sexta-feira pela manhã. O alerta que observamos foi 10 minutos após o atentado em Nice. Deauville está situada sobre o eixo A13, aquele das cidades de terroristas e dos atentados recentes (assassinato de policiais, número de ataques a mão armada na Normandia, bem próxima da periferia islamizada). Tão logo os serviços de inteligência souberam do atentado em Nice, rapidamente os policiais evacuaram as imediações das praias. Inúmeras festividades que contavam com os fogos de artifício foram anuladas em toda a costa francesa. Luto nacional por três dias, duro golpe ao turismo, atualmente o que melhor funciona na França. Alemães não mais querem vir ao nosso país, aeroportos, estações e logradouros públicos não são suficientemente seguros. Militares que patrulham os mais variados lugares não têm ordens para atirar em caso de tragédia… Pessoalmente, não mais viajarei de avião por Roissy, mercê daqueles recrutados que lá se encontram: escumalha de 93 (conferir o livro Les mosquées de Roissy, de Philippe de Villiers). O governo atual, que ainda estará no poder por mais de 6 meses, é inteiramente responsável, pois constituído por incapazes ideólogos que não têm a coragem de pegar o touro pelos cornos”. (Tradução J.E.M.).

O desabafo de François Servenière tem suas razões fundamentadas. Notem-se os  episódios em Callais, onde integrantes das dezenas de milhares de imigrantes, vindos principalmente do Oriente Médio, provocavam à noite um verdadeiro toque de recolher à população local. Morando bem perto na Normandia, Servenière mudou-se com a família para local mais seguro, distante dessas possíveis ameaças.

Não acredito que essa onda de terrorismo finde. Continuará. O terrorismo não seria fruto da pobreza, mas de frustrações de ideologias estanques, que jamais buscaram a marcha da Humanidade. Há nessas ínfimas minorias insanas o pensamento unitário de destruir a civilização e a cultura ocidentais. Imbuídos de dogmas que perduram, essas ideologias cultuam a implementação de um só pensamento, sem qualquer variante. Não há a possibilidade do contrário. Mario Vargas Llosa já apontava que “proibir ou discriminar ‘seitas’ não está ao alcance dos regimes democráticos e sim daquelas sociedades onde o poder religioso e político é um só, como a Arábia Saudita ou o Sudão, em que o Estado determina qual é a verdadeira religião, arrogando-se o direito de proibir as falsas e de castigar o herege, o heterodoxo e sacrílego, inimigo da fé. Numa sociedade aberta isto não é possível, pois o Estado deve respeitar as crenças particulares, quão disparatadas forem elas, sem identificá-las com nenhuma igreja…”.

Paradoxalmente, a divulgação planetária pela internet – uma das causas do recrudescimento sem limites do terrorismo -, as investidas desastrosas dos Estados Unidos no Oriente Médio, a abertura desenfreada à imigração, entre outros fatores, serviram para o surgimento desses grupos tresloucados. Frise-se que a comunidade muçulmana, ao longo de tantos séculos, teve contato sem traumas maiores com a cultura ocidental. Nunca é demais lembrar que nossa presidente afastada propôs “diálogo” internacional com o “Estado Islâmico”, EI (sic). Na realidade, o terrorismo sempre desconheceu a razão. Indiscriminadamente aniquilam crianças e adultos, não importando a quantidade desses infortunados. O convívio com esses atos extremados fará parte da atualidade e, infelizmente, do futuro. Difícil solução. Aguardemos o que está por vir…

This post reflects on the terrorist attack in Nice on Bastille Day. The French composer François Servenière, who was in Deauville with his family watching a fireworks display, describes how, a few moments after the attack in Nice, ambulances and fire engines suddenly appeared in Deauville, trying to disperse the crowds on the seafront. He also shows his disenchantment with the French government’s failure to combat terrorism. As for myself, I don’t believe this wave of terror will end. Modern societies will have to live with this threat, made worse by the mistakes of US foreign policy, open immigration laws and the media. After all, the architects of terrorism need to increase the violence of their acts to take advantage of media sensationalism.