Mais uma significativa realização promovida pela EMAC-UFG

Podemos enganar a vida durante muito tempo,
mas ela acaba sempre por fazer de nós
aquilo para o qual somos feitos.
André Malraux

Reiteradas vezes apontei meu afeto pela bela cidade de Goiânia, que remonta à década de 1970. Incontáveis vezes lá estive, primeiramente oferecendo curso mensal de interpretação pianística n0 Musika – Centro de Estudos, dirigida àquela altura pela dileta amiga e competente professora Glacy Antunes de Oliveira, que desenvolveria notável carreira como professora de piano e camerista, assim como sólido desempenho acadêmico junto à Universidade Federal de Goiás.

Goiânia tem tradição no ensino voltado ao piano. Tanto a saudosa Belkis Carneiro de Mendonça (1928-2005) como sua discípula Glacy formaram uma bela escola pianística, ambas alunas de meu também grande mestre José Kliass (1895-1970). Souberam as duas estabelecer, no planalto central do Brasil, o ensinamento que tece ramificações pelo país inteiro. Às duas a cidade de Goiânia deve tributo eterno. A escola pianística permanece ativa na cidade e a condução da Escola de Música e Artes Cênicas da UFG tem dado exemplos de como organizar Simpósios e Encontros neste nosso país tão carente no que tange, sobremaneira, à arte musical. Louve-se uma equipe atuante e competente, que está sempre a pensar na aquisição e divulgação de novos conhecimentos. Na área pianística, uma das virtudes da EMAC-UFG tem sido manter a chama acesa pela professora Belkis Carneiro de Mendonça. Os Encontros relacionados ao piano promovem o intercâmbio que se faz necessário para que ideias concernentes à interpretação, técnica pianística e repertório estejam sempre visando à atualização.

Foi com grande alegria que estive a participar do IV Encontro Nacional de Piano em Goiânia. Na Comissão Organizadora estavam professores atuantes e competentes: Ana Flávia Silva Frazão, certamente uma das melhores cameristas do país com atuações marcantes no Exterior e gravações referenciais com músicos europeus, Carlos Henrique Coutinho Rodrigues Costa, Denise Maria Zorzetti, Gyovana de Castro Carneiro, que brevemente estará a defender sua tese de doutorado na Universidade Nova de Lisboa, Maria Lúcia Mascarenhas Roriz, Martha Martins e Othaniel Pereira de Alcântara Junior, sendo que a Coordenação Geral esteve sob a tutela da competente Consuelo Quireze Rosa. Apraz-me constatar que alguns dos docentes mencionados tiveram este velho professor, ao longo dos anos, participando das bancas examinadoras para as quais se apresentaram nos vários concursos acadêmicos. Felicidade interior. Uma das ilustrações do post indica a rica programação do IV Encontro. Tive o prazer de apresentar o que a direção denomina minicurso estruturado, no caso, na integral da obra para teclado de Rameau executada ao piano. Optei por essa forma de apresentação, pois importa transmitir informações essenciais de repertório específico, um dos pilares para que a interpretação adquira bases sólidas. Como bem dizia o grande Claude Debussy, não basta apenas ter as mãos preparadas para a difícil atividade de pianista.

Dividido em quatro módulos, apresentei palestra a abordar vários aspectos basilares sobre Rameau, e após cada exposição, executava obras do compositor que tiveram execução integral durante o minicurso. Para o leitor, diria que a experiência foi gratificante, pois tive a oportunidade de expor inicialmente traços biográficos para, a seguir, progressivamente penetrar nas várias áreas musicais frequentadas por Rameau. O grande teórico foi exposto em, quiçá, seu mais representativo estandarte, a importância das fundamentais na estrutura composicional. Busquei evidenciar que, segundo Rameau, esses sons graves prevalecem sobre a melodia. Ao interpretar suas obras durante o minicurso, os exemplos ficavam tipificados, evidenciando esse basilar fundamento ramista. Suas teorias, tão bem documentadas no “Traité de l’Harmonie”, de 1722, e consolidadas no “Géneration Harmonique”, de 1737, foram preciosos elementos para todos os compositores pósteros. Em um dos módulos debati o tema cravo x piano, hoje absolutamente sem importância, pois o repertório para cravo tem sido brilhantemente apresentado nos dois instrumentos com grande aceitação, apesar de determinados radicalismos ainda, como estertores de uma discussão estiolada, persistirem para uma minoria. No último módulo abordei o tema tratado nos dois posts anteriores, as “Réflexions…”, e salientei a absoluta presença da observação arguta, por parte de Rameau, no sentido de edificar bases para uma pedagogia musical, tendo como objetos de exemplificação prática o instrumento cravo, a voz e a dança. Fiz notar a absoluta atualidade desse ensaio exemplar.

Em cada módulo, como exemplo comparativo relacionado aos processos da técnica digital empregada na composição para cravo, minha mulher, a pianista Regina Normanha Martins, apresentava uma Sonata de D.Scarlatti (1685-1757). Assim posto, Regina, que tem em seu repertório mais de 50 Sonatas do ilustre músico napolitano, tocou Sonatas privilegiando notas repetidas, cruzamento de mãos, escalas e arpejos e também uma Sonata lenta e plena de lirismo, cada peça após a exposição de um módulo. Ficou evidente a presença de determinados procedimentos comuns aos compositores do período e também a prevalência, entre os mestres franceses, da exuberante presença de ornamentos. Só para precisar, Rameau, o compositor que tem a obra mais reduzida – multum in minimo – entre os mais importantes mestres do período, F.Couperin, J.S.Bach, D.Scarlatti e G.F.Haendel, assinala mais de 5.000 ornamentos em suas diversas tipificações!!!

Os quatro módulos do minicurso substanciaram apreensão do programa elaborado para o recital que ofereci no dia 28 de Setembro, pois dedicado a Rameau e Debussy, mercê de obras deste corroborando títulos descritivos propostos por J.-P.Rameau e, naturalmente, como não poderia faltar, o tributo prestado ao seu antecessor, “Hommage à Rameau”.

Se, através das décadas, admirava convictamente os esforços da cidade no ensino e divulgação da música dita erudita, clássica ou de concerto, mais me convenço de que as bases se mostram sólidas, e os Congressos, Simpósios, e Colóquios que anualmente são promovidos pela EMAC-UFG testemunham que a área musical na universidade goiana está bem solidificada, para o bem não só da Música como das Artes em Geral. Paralelamente ao “IV Encontro Nacional de Piano”, a EMAC-UFG promovia o “Seminário Nacional de Pesquisa em Música”. Exemplos singulares, que deveriam ser modelo para tantos outros departamentos de música no Brasil.

This post addresses the 4th Music Meeting held at Universidade Federal de Goiás (UFG), located in Goiânia, a progressive city in the Brazilian Central Plateau. In a week of intense activities, I conducted four lectures about Rameau, with the presentation of his complete keyboard works, followed by a recital Rameau-Debussy at UFG concert hall. I believe UFG is today one of the top schools for classical music education in Brazil.