Preservando o recital de piano em São Paulo

Do trilho só entende quem o trilha.
Adágio Popular Açoriano

Tempos outros. Mudam-se perspectivas. A invasão da cultura de massa é um fato irreversível. Agrava-se a queda, que está a se tornar abissal, relativa à minimização feita pela mídia, da cultura musical erudita. Quando há espaço nos meios de comunicação, este está reservado às figuras super conhecidas do Exterior ou a uns poucos músicos pátrios com carreiras solidificadas nos países do hemisfério norte. Não se trata de observação leviana. A realidade é certa e, ao que parece, pouco se pode fazer.

Reiteradas vezes ao longo de meu blog, desde Março de 2007, aponto para uma redução progressiva de público que está a se passar no que concerne às apresentações individuais de instrumentistas no país, nossa cidade inclusa. Matematicamente, conjuntos de câmara e, de maneira majoritária, corais e orquestras tendem a levar público consideravelmente maior. É natural e somente amigos e parentes dos músicos em ação já representam contingente apreciável. O mesmo não se dá com um recitalista, sobretudo sendo ele músico pátrio.

Estou a me lembrar de que, na década de 1950, recitais individuais levavam público considerável, e mesmo o jovem que eu fui teve audiências plenas em vários recitais. Quando apresentei a integral para piano de Claude Debussy  em quatro recitais no ano de 1982 no MASP, pessoas sentaram–se nos corredores, tão grande era o afluxo. Situação idêntica se dava nas apresentações de alguns de meus colegas. Tantas vezes mencionei neste espaço que só em São Paulo existiam cerca de 13 críticos, quase todos músicos com formação competente e que compareciam aos recitais dos intérpretes consagrados e dos jovens promissores. Os muitos jornais existentes publicavam e eram sorvidos pelo iniciante na carreira. Raramente erravam na conceituação. Quanto aos articulistas,  concentravam suas críticas nas obras e vaticinavam futuro alvissareiro ou não para o músico que surgia. Conheciam o métier de crítico musical. Louvem-se a mídia descompromissada com o lucro na época e críticos com pleno conhecimento musical, diga-se, que davam total guarida às apresentações. O tempo passou, pouco a pouco aqueles críticos músicos ou responsáveis pela secção de cultura de nossos jornais e hebdomadários mais ventilados foram sendo substituídos por figuras menos credenciadas e os espaços se estiolaram. Sob outra égide, conjunto de fatores corroboraram o desmonte de um julgamento crítico competente. Presentemente articulistas não ousam escrever após a apresentação de jovem intérprete pela simples razão desse conhecimento precário que têm do conteúdo musical. Verdadeira lástima! É tão mais fácil elogiar o consagrado!!!

Voltemos às apresentações individuais de música. Progressivamente a promoção foi-se esvaindo na mídia. O interesse diminuiu. Lembro-me também de que a grande pianista Iara Bernette, ao regressar definitivamente da Alemanha, após brilhante carreira como pianista e pedagoga, disse-me que os recitais de piano estavam em declínio na Europa, exceção para pianistas mediáticos, tantos deles competentes. Essa comprovação tive-a também em países em que atuo e em conversas com músicos europeus. A pianista Eudóxia de Barros, em seus depoimentos à Rosângela Paciello Pupo para o  livro “Valeu a Pena? – Conversando com Eudóxia de Barros” (Brasília, Musimed, 2016), discorrendo sobre sua vida e trajetória, comenta esse menor afluxo aos recitais, fenômeno que aponta como progressivo. Justamente ela, que se apresenta em todo esse nosso imenso país com brilhantismo. Brevemente farei resenha neste espaço do livro em apreço.

Para o denominado recital de piano com músicos pátrios aqui residentes, houve diminuição de auditórios para tal fim. Se há várias pequenas salas na cidade que ainda abrigam série de recitais de pianistas, são elas heroicas e subsistem com dificuldades. Frise-se também que o público, majoritariamente de terceira idade, que outrora frequentou as grandes temporadas em São Paulo, prestigia os músicos em suas várias fases etárias, saudando aqueles com carreiras consolidadas e estimulando jovens promissores. Estudantes de música compromissados têm acorrido aos recitais. Mas, há de se convir que, para as apresentações individuais, a audiência é quase sempre reduzida por falta dessa divulgação em jornais e revistas e pelo desinteresse dos patrocinadores.

Essas considerações tem tudo a haver com a luta corajosa da Sociedade Brasileira de Eubiose, que apesar de imensas dificuldades tem mantido temporadas desde 2011. Saliente-se, a SBE prestigia pianistas de várias faixas etárias. Os recitais aos sábados recebem um público fiel. Louve-se sempre a figura de Carlos Augusto de Souza Lima, batalhador incansável, que não apenas desperta respeito da parte dos que o conhecem como organiza criteriosamente sua temporada pianística.

Há muitas décadas que desistira de me apresentar em São Paulo. Rarissimamente o fazia em meu país, mercê de jamais ter tido empresário e nunca ter me aproximado das sociedades de concerto por motivos rigorosamente de ordem pessoal. Todavia, certo dia o dileto amigo Denis Molitsas perguntou-me se daria um recital na Sociedade Brasileira de Eubiose, pois Carlos Augusto pedira-lhe para transmitir o convite. A sinceridade com que foi formulada a proposta recebeu de pronto minha aquiescência. Desde 2015 já foram quatro recitais com programas contemplando compositores contemporâneos, o grande músico português Lopes-Graça e dois recitais interpretando a integral para teclado executada ao piano de Jean-Philippe Rameau, respectivamente. Sinto-me em casa e assinalo que gostava imenso de tocar no velho Blüthner, sempre bem conservado pela SBE.

Há duas semanas Carlos Augusto me telefona e novo convite surge relacionado ao novo piano recém adquirido, um Yamaha 3/4 de cauda (modelo C 7). Disse-me que seríamos seis pianistas nessa oportunidade, todos colegas que sempre respeitei. Portanto, prezados leitores, novamente estarei na Sociedade Brasileira de Eubiose, sempre com imensa alegria. Após a apresentação festiva deste sábado deverei em 2018 novamente estar presente na programação da Sociedade Brasileira de Eubiose.

O blog da semana é publicado justo no dia da apresentação, pois o da semana anterior já estava programado. Desejo longa vida às temporadas da SBE.

On Sunday, October 16, the presentation recital of a new Yamaha piano (model C7) will be held at Sociedade Brasileira de Eubiose in São Paulo. Six pianists have been invited: Eudóxia de Barros, Fabio Luz, Gilberto Tinetti, Maria José Carrasqueira, Renato Figueiredo and myself. For years I’ve been feeling the audience of classical music is shrinking. This is true in particular with solo recitals. I’ve been noticing it in my own recitals and in conversations with fellow musicians abroad. As a rule, music associations and sponsors invest on names known to the greater public – a guarantee of box-office success. That is why I have to praise Sociedade Brasileira de Eubiose, a small music association that strives to keep classical music alive by sponsoring a series of concerts with young and senior soloists throughout the year, providing quality music at affordable ticket prices.