Navegando Posts publicados em fevereiro, 2017

Tradição que se estiolou

Peu à peu, la mémoire m’est cependant revenue.
Ou plutôt je suis revenue à elle,
et j’y ai trouvé le souvenir qui m’attendait.

Albert Camus

A fazer parte de tradição cultural que se perpetuou até basicamente o advento da internet, o denominado “Livro de Ouro” era comum entre os jovens que buscavam, num impulso natural, obter autógrafos ou mesmo depoimentos de figuras respeitadas. Colegas da minha geração também os conservavam com carinho. Meu irmão João Carlos e eu, sempre que possível, colhíamos simples dedicatórias ou opiniões abalizadas de mestres consagrados. No meu Livro de Ouro constam depoimentos de Marguerite Long, Fernando Lopes-Graça, Felicja Blumental, Camargo Guarnieri, Lídia Simões, Antonieta Rudge e tantos outros. Em outros segmentos de registro, conservo carta do grande pianista Alfred Cortot sobre os dois irmãos pianistas.

O Livro de Ouro tinha uma dupla função. Uma primeira relativa à alegria da “colheita” de autógrafos de personalidades de nossa área recentemente adentrada. Numa outra visão, bem mais profunda, serviam determinados depoimentos como incentivo que corroboravam o intento de prosseguir estudando. Mais focalizado, o depoimento  adquiria a força da crítica musical competente publicada em jornais àquela altura e que impulsionava os jovens que éramos à difícil escolha já feita.

A depender da área de atuação, nossos tempos eram generosos. Figuras reconhecidas pela competência assinavam ou depunham nesses pequenos relicários o que sentiam pelo solicitante, e tão mais intenso o envolvimento se o convidado já conhecesse virtudes do jovem possuidor do Livro de Ouro, a resultar, de sua parte, análise artística e até psicológica do novel músico.

Dias atrás, minha mulher Regina, ainda às voltas com uma quantidade de dados de sua mãe, a competente professora de piano Olga Normanha (1915-2013), encontrou entre seus pertences um Livro de Ouro. Sobre a pedagoga há dois blogs (“Professora Olga Rizzardo Normanha”, 02 e 09/03/2013). Olga Normanha, nascida em Campinas, estudou no Conservatório Dramático e Musical de São Paulo e teve mestres ilustres. O seu Livro de Ouro, a conter assinaturas e depoimentos, seria mais um, não fosse a presença de autógrafos diferenciados envolvendo dois dos mais extraordinários compositores de nossa História Musical: Francisco Mignone (1897-1986) e Heitor Villa-Lobos (1887-1959). As mensagens deixadas em seu Livro de Ouro datam do período dos estudos de Olga em São Paulo, em 1931.

Aspectos fulcrais levaram-me a considerar um blog sobre a matéria: a relevância dos compositores, a camaradagem existente entre os dois e o ineditismo de tais mensagens, fixadas num singelo livro de recordações. Há jocosidade nas mensagens, pois Mignone estimula Villa-Lobos, sabedor de uma sua visita ao Conservatório Dramático de São Paulo no mês seguinte, a escrever uma possível resposta à sua provocação. A jovem estudante Olga não se esqueceria da primeira mensagem e, tão logo diante do consagrado Villa-Lobos, apresentou a afirmação de Mignone, que recebeu pronta resposta. A mensagem de Mignone é de 5 de Outubro de 1931 e a de Villa-Lobos, de 4 de Novembro do mesmo ano. O “diálogo” musical, guardado com carinho ao longo da existência por Olga Normanha, e outras mais mensagens, inclusive do extraordinário cantor lírico Tito Schippa “à la Signorina Rizzardo, ricordo de…”, não ratificariam certezas?

O Livro de Ouro nessa configuração plena de fantasia, hoje basicamente extinto, hélas, não responderia, na essência essencial, à degradação cultural presente em velocidade geométrica em tantas áreas? Estudiosos têm insistido nessa tendência à cultura de massa insuflada por interesses vários visando lucros extraordinários e dimensionada de maneira plena pela mídia. Nos megashows o que se vê é a multidão realizando os mesmos gestos e a gritar automaticamente letras de “canções” apresentadas. Paupérrima qualidade “musical”, imundície deixada pós show, drogas dão o exemplo da degradação denunciada por figuras como Mario Vargas Llosa. O que pensar se até os textos exaltando ad nauseam essa cultura, hoje em plena ascensão, estão plenos de incorreções gramaticais e conceitos vazios, que fariam corar vestibulandos de outrora! Que o leitor entre nos portais mais ventilados! Dificilmente um parágrafo subsiste sem incorreções, por vezes grosseiras. A lamentável TV aberta, em seus noticiários, exalta os personagens dos megashows e simplesmente ignora a cultura tradicional, base de nossa civilização. Difícil encruzilhada.

Mudaram-se costumes e, hoje, uma mocidade mais focada no flash da “colheita” de autógrafos de “celebridades” que se apresentam com suas bandas e parafernálias de toda sorte, assim como outra faixa da juventude que obtêm assinaturas de seus ídolos esportivos, conservam “álbuns” assépticos, pois sem qualquer envolvimento com o solicitado. A efemeridade desses cadernos de autógrafos ou simples folhas de papel soltas tem a justa medida do essencial efêmero de tantos que colocam suas assinaturas ou simples rubricas. Hoje nem mais isso permanece, pois o jovem busca a selfie, aparência da “eternidade”, que se perde nos arquivos das geringonças eletrônicas, mas que é diariamente almejada pela mocidade junto aos ídolos de plantão. Apenas o registro do instante do acontecido, que nada tem a ver com o caminho que o jovem já escolheu ou pensa escolher.

Saudosismo? Sim, saudosismo. Ao me referir ao Livro de Ouro como exemplo da esperança que impulsionou gerações para a ratificação de vocações antes indecisas, e que durante a existência seria consultado ou lembrado com a compreensão devida, volto-me à mente daquele que escreveu a mensagem, arauto provável das certezas. As trajetórias dos que deixaram testemunhos e dos dedicatários podem um dia se nivelar, a depender de um sem número de circunstâncias. O Livro de Ouro testemunha um período sem retorno. Há muito esvaíram-se imaginação, fantasia e o gosto. Tempos plúmbeos.

In the old days, before the advent of the internet, there existed the tradition of keeping a “Golden Book”: an authograph book to collect signatures, sayings and words of encouragement from family, friends and famous people who meant something for the book owner. Some time ago my wife Regina found her mother’s – an outstanding piano teacher – autograph book and inside it, dating back to 1931, two precious hand-written entries (reproduced here) from two of the most extraordinary Brazilian composers of all times: Francisco Mignone and Heitor Villa-Lobos. Unfortunately such precious little treasures are a fading trend today, when email messages are read, deleted and soon forgotten and young people choose to collect autographs from celebrities with no connecting links whatever with their lives. Just a signature on a blank page, devoid of all meaning. Gloomy days!

 

Sérgio Monteiro e um grande desafio

Liszt escreveu “Poemas Sinfônicos”
que são rapsódias heróicas, epopeias pitorescas,
sinfonias programáticas.
Certamente o Poema Sinfônico não é rapsódia,
mas ele reúne, como indica seu nome duplo,
a organização do desenvolvimento,
que é obra da Razão,
e a liberdade caprichosa do Poema,
que se norteia através da Fantasia.
Vladimir Jankélévitch
(La Raphsodie – Verve et  Improvisation Musicale, 1955)

Franz Liszt (1811-1886) foi possivelmente o mais eclético de todos os compositores românticos. Sua obra é imensa e abordaria com segurança os mais variados gêneros. Pianista de recursos descomunais, Liszt inventaria uma das frequentadas manifestações artísticas voltadas à música, o recital de piano. Para tanto, exibiu durante décadas pela Europa a sua arte pianística, onde preponderavam a técnica absoluta e a prodigiosa memória. A produção composicional de Liszt para piano privilegia limites extremos como acrobacia e profundo lirismo ou contemplação, neste caso mormente nas últimas décadas da existência, quando uma percepção voltada ao misticismo se instaura definitivamente. Para os intérpretes, Liszt permanece sempre como desafio a ser vencido. Sua aluna Amy Fay, conta em seu famoso livro “Music study in Germany” (1880), a ação hipnotizadora que suas interpretações causavam no público, ávido por assistir às apresentações do “demiurgo” (vide blog “Amy Fay – Missivas Cativantes de Musicista Norte-America”. 29/12/2012). Liszt transforma o denominado salão, frequentado pela aristocracia, preferencialmente, em sala de espetáculo, sendo ele o epicentro.

O obra orquestral de Liszt compreende vários gêneros. O Poema Sinfônico é um dos mais significativos. O roteiro programático, tendo como inspiração o extra-musical descritivo, poético ou literário, tem influência decisiva nesse gênero sinfônico. Contrariamente a Hector Berlioz em sua célebre “Sinfonia Fantástica”, dividida em cinco partes e baseada em programa igualmente, Liszt busca a síntese em um só movimento, distanciando-se do tradicional arcabouço da sinfonia estruturada em três ou mais andamentos. Em 1833 Liszt faria a transcrição para piano da “Sinfonia Fantástica”. A concentração ao conceito formal do Poema Sinfônico levaria Liszt a mais de uma dezena de criações obedecendo a unidade. A apreensão do todo dramático, a induzir claramente o ouvinte à ação, imprime ao Poema Sinfônico lisztiano caráter inovador.

Se os Poemas Sinfônicos do mestre nascido na Hungria se apresentam concentrados, privilegiando a denominada “música de programa”, na “Sinfonia Fausto”, tripartida (três estudos de caráter a partir de Johann Wolfgang Goethe), o compositor abandona a estrutura monolítica. Tem-se, pois, uma Sinfonia de programa.

Para o piano, seu instrumento eleito, Franz Liszt legou produção enorme, mas curiosamente quase a metade é constituída de transcrições. Frise-se que o virtuose absoluto sempre teve visão orquestral e, quando a orquestra era o objetivo maior, a transcrição para piano torna-se-ia uma extensão. O domínio absoluto do teclado fê-lo entender que a transcrição para piano de seus Poemas Sinfônicos, a envolver a dinâmica em seus limites extremos, poderia atender perfeitamente aos seus desideratos como pianista. Liszt transcreveria para piano, entre tantas composições, as Sinfonias de Beethoven, apresentando-as em público. Aberturas de óperas e lieds de autores diversos, assim como obras para órgão de J.S.Bach foram por ele transcritas e incorporaram-se ao seu repertório.

A NAXOS está a publicar a obra completa para piano de Franz Liszt. Coube ao pianista brasileiro Sérgio Monteiro gravar o vol. 43 da coleção dedicado às transcrições para piano dos Poemas Sinfônicos do músico húngaro. Escolheram pianista à altura do desafio. Um dos mais destacados intérpretes de sua geração, Sérgio Monteiro tem carreira consolidada nos Estados Unidos, sendo vencedor de importantes concursos de piano, pontificando o primeiro prêmio do 2º Concurso Internacional Martha Argerich, realizado em Buenos Aires em 2003. Estudou com José Henrique Duprat e Myriam Dauelsberg no Brasil e na Eastman School of Music nos Estados Unidos, onde obteve o doutorado. Em blog bem anterior comentei magnífico CD gravado pelo pianista (vide blog “Obras para Piano de Henrique Oswald – Sérgio Monteiro e a escolha criteriosa”. 07/11/2015). Tive o grato prazer de ouvir mais um CD, ora dedicado às transcrições para piano de Poemas Sinfônicos de Franz Liszt, alguns não transcritos pelo compositor, mas por ele revisados e aprovados. São obras de execução transcendental, pois captam a essencialidade orquestral de obras plenamente comunicativas e impactantes. Reduzidas para piano solo, têm de manter tantas vezes, mercê das grandes massas sonoras, sucessões de acordes e oitavas em intensidade extrema. Liszt as apresentava em público para gáudio de seus admiradores. Obras de grande dificuldade, que encontram na interpretação segura e inteligente de Sérgio Monteiro um pianista singular para desafios dessa natureza.

O CD tem início com um dos mais festejados Poemas Sinfônicos de Liszt, “Les Préludes”. Criação de imediata aceitação, para felicidade de regentes do mundo inteiro, tem na transcrição de Karl Klause, revista por Liszt em 1885, uma leitura que não desmerece os valores intrínsecos da composição, frise-se, só possível de ser interpretada por pianistas virtuoses do nível de Sérgio Monteiro. Transcrição de résistance, pois exige do intérprete sua exposição integral. Nas passagens de pleno lirismo, Sérgio Monteiro evidencia toda a compreensão dessas frases longas, lentas, verdadeiros recitativos tão característicos na obra de Liszt  e reveladores do pianista músico na acepção.

A transcrição para piano de “Orpheus” foi realizada pelo aluno de Liszt Friedrich Spiro, sob sua supervisão (1879). Sérgio Monteiro ratifica seu lirismo e todo o Poema, mesmo nos segmentos mais intensos e dramáticos, jamais perde a unidade. As impressões digitais estilísticas lisztianas, perceptíveis em poucos acordes ou numa simples melodia acompanhada, merecem por parte do intérprete o conhecimento de Liszt na abrangência do músico, pensador, místico e generoso mecenas.

A compreensão absolutamente necessária do estilo listiano, a fim de que a obra do compositor húngaro não seja entendida como simplesmente panfletária – assim o é por segmento “purista” -  através de interpretações menos convincentes, pode ser apreendida nos outros Poemas Sinfônicos transcritos para piano e executados por Sérgio Monteiro. “Künstlerfestzug” foi composto para a celebração do centenário de nascimento de Schiller (1759) e transcrito pelo compositor em 1883 (segunda versão). A seguir, Sérgio Monteiro interpreta o Poema Sinfônico “Von der Wiege bis zum Grabe” (1882), (Du berceau jusqu’au cercueil), dividido em três partes. Do todo interpretativo, destaquemos o lirismo pleno de Sérgio Monteiro em Le Berceau; a criatividade na concepção que o pianista imprime à dramaticidade de Le combat pour la vie, desde o tema incisivo inicial; o entendimento que depreende da assimilação dessa mística e misteriosa visão lisztiana a poucos anos da morte em  A la tombe – Berceau de la vie future.

Liszt fez a revisão, em 1872, do Poema Sinfônico “Der nächtliche Zug”, transcrito para piano por Robert Freund. Criação de intensa interioridade, traduzida magnificamente por Sérgio Monteiro nesse poema austero.

O CD finaliza com uma das visões da célebre Valsa Mefisto “Vierte Mephisto-Walzer” de 1885. Sem a abrangência da consagrada e transcendente Valsa Mefisto, tem de ser considerada nesse fervilhar de ideias que percorria a mente do compositor.

Ao longo dos anos tenho insistido nessa renovação repertorial que se faz necessária, imperiosa, diria. As obras do CD em pauta são magníficas. Felizmente, um falso purismo que vigorou durante décadas, anatematizando as transcrições, estiolou-se. Recomendo vivamente o CD Franz Liszt – “Transcriptions of Symphonic Poems” na soberba interpretação de Sérgio Monteiro (selo NAXOS). Mercê de direitos autorais, não ouso inserir uma faixa do CD em meu blog, mas o leitor poderá, através do YouTube, acessar outras belas execuções do pianista.

This post comments on Naxos’s album with piano works by Franz Liszt played by the Brazilian-born pianist Sergio Monteiro. The music on this recording features solo piano transcriptions of Franz Liszt’s symphonic poems either produced by Liszt or transcribed under his supervision. For this project with Liszt’s complete piano works Naxos label has invited artists of the highest caliber and Sergio Monteiro proved to be the right choice. Winner of the 2nd Annual Martha Argerich International Piano Competition in 2003 and a real master of the instrument, he is up to the challenge offered by Liszt’s technically demanding pieces. Listening to this CD is a huge reward for any classical music lover.

 

 

 

Recepção e resposta a um amigo

 

A Arte da Vida consiste em fazer da Vida uma Obra de Arte.
Ghandi

Ouso apenas acrescentar, na minha qualidade de psiquiatra,
tratar-se Sabedoria e Felicidade
de um verdadeiro manual de psiquiatria,
bela síntese que é,
de tudo quanto se tem escrito sobre filosofia da vida,
obra que vai figurar na minha estante,
bem ao meu alcance,
tantas vezes serei obrigado a consultá-la.
Dr. Antônio Carlos Pacheco e Silva

O tema suscitou uma série de mensagens solidárias, entusiasmadas e reverenciais, no caso, à figura de meu pai. Meus irmãos e eu recebemos esses e-mails com surda alegria, pois restaurava-se algo que, deliberadamente ou não, incomodava-nos. A praça é pequena, mas o significado para nós é gigantesco, pois preserva o nome de um homem impoluto que, tendo nascido em berço humilde, cresceu a abraçar as causas as mais dignificantes. Jamais soubemos de um só ato que o desabonasse. Como sempre repetia aos quatro filhos: “O Homem é ou não é”, ou o velho chavão “A palavra a valer pelo fio da barba”. Cuidou da elevação cultural e cívica de sua prole masculina e teve sempre em mente a imagem de Deus de uma maneira singular, sem uma fixação específica, pois era propenso à teosofia e seus grandes mestres foram Jiddu Krishnamurti, Annie Besant, Helena Blavatsky, São Paulo e o escritor Maurice Maeterlinck.

Marcelo já esteve presente em vários blogs através de questionamentos argutos, instigantes, mas precisos. Sempre que o encontro, preferencialmente na feira livre de sábado na minha cidade- bairro, Brooklin-Campo Belo, já espero algo que me levará à reflexão. Disse ter gostado imenso do blog sobre a praça que teve as placas em homenagem ao nosso pai, José da Silva Martins, recolocadas pelo ágil e diligente Prefeito João Dória Jr. Os dois burgomestres anteriores simplesmente ignoraram nossos apelos. Perguntou-me se, mercê do amor filial, não exagerara nos elogios ao pai. Fiquei a pensar. Não caberia neste espaço a luta realmente hercúlea de nosso progenitor durante a longa existência. Disse a Marcelo que aguardasse o blog ora em tela.

Ative-me tão somente aos comentários de ilustres figuras de nossa história recente, que comentam as obras literárias de José da Silva Martins, que, ratifico, iniciou sua trajetória de escritor aos 86 anos, sendo que o último livro seria lançado em Março de 2000, um mês após sua queda que o levou ao coma e à morte no peristilo dos 102 anos!

Mencionei, no blog anterior, comentário do grande Menotti Del Picchia, que prefaciou seu primeiro livro. Seguiram-se outras obras: “Saúde”, elogiada calorosamente pelo notável cardiologista Adib Jatene, “Santo António de Coimbra, de Lisboa e de Pádua”, “J.S.Bach” e as várias versões, sempre aprimoradas, de “Sabedoria e Felicidade”, a culminar com ” Breviário de Meditação”.

O pai deixou uma pasta que ficou sob minha guarda. Há dezenas de cartões criteriosamente arquivados. Perfurava cada cartão ou carta recebidos de personalidades de nossa vida cultural como um todo. Os elogios são competentes, pois dificilmente uma das figuras que menciono assinaria apenas para lisonja fácil. Sob outra égide, as décadas de 1980 e 1990 basicamente desconheciam as mensagens internéticas, mormente se considerada for a faixa etária dos remetentes. É realmente um prazer estético e sensível seguir os comentários através das caligrafias de seus autores. Citarei algumas opiniões sobre a obra literária tardia de nosso pai.

Entre os documentos, leem-se nomes referenciais: Carlos Drummond de Andrade, Josué Montuello, Austregésilo de Athayde, Jorge Amado, Maria de Lourdes Teixeira, Hernâni Donato, Dinah Silveira de Queiros, Cardeal Evaristo Arns, Alceu Amoroso Lima, Roberto Campos, Francisco Resek, Erwin Theodor, José Guilherme Merquior, Mário Covas, Abgar Renault, Ministro Moreira Alves, Oscar Dias Corrêa, Américo Jacobina Lacombe, Alfredo Buzaid, Antônio Soares Amora, Antônio Carlos Pacheco e Silva, entre tantos outros igualmente ilustres.

Citarei algumas opiniões sobre a obra literária tardia de nosso pai.

O professor, escritor e poeta Antônio Soares Amora escreve: “Sabedoria e Felicidade é das obras mais bem escritas, mais profundas e mais impressivas que li nos últimos anos. Enriqueceu-me o espírito, ensinou-me muito sobre a existência e o transcendente e, embora noutra ordem de efeito, empolgou uma minha neta que está na linda idade dos quinze anos”.

Manoel Gonçalves Ferreira Filho, professor titular de Direito Constitucional da USP: “Eminente mestre. Permita-me, sim, Dr. José da Silva Martins, chamá-lo de mestre. Com efeito, considero-me um de seus discípulos, de há muito marcado por suas sábias lições de vida. Renovo o meu aprendizado com este magnífico livro, Sabedoria e Felicidade – que teve a grande gentileza de me enviar. Agradeço-lhe, de coração, o régio presente que recebi. Nele – estou certo – vou haurir lições e renovar as já recebidas”.

Do Embaixador e Senador Roberto Campos: “…louvo os críticos nacionais que exaltaram a importância de seu livro, colocando-o entre as nossas obras raras deste século. E não receio cometer erro quando afirmo que não há na bibliografia brasileira coletânea de pensamentos que se compare à que o senhor com tanto esmero oferece ao nosso público. Trata-se de uma obra que, em cada página, reflete conhecimento profundo, amparado na paciência beneditina que é companheira inseparável dos sábios”.

Carlos Mário Vellozo, então Presidente do Supremo Tribunal Federal, assim se pronuncia: “Com cordial visita, agradeço ao ilustre e prezado amigo, a quem considero mestre de nós todos, a remessa do seu livro Sabedoria e Felicidade, edição compacta, que leio com especial interesse e real proveito. Os seus livros que cuidam dos principais valores da vida, encantam e ensinam. Que Deus o guarde e conserve para alegria de sua família e de todos que se honram com a sua amizade”.

Lembro ao Marcelo que o culto ao pai independe da área de atuação do progenitor. Estou a me lembrar de um homem do campo da região de Santa Izabel, não distante de São Paulo. Visitei aquela região durante mais de dez anos, numa longa pesquisa relacionada à arte sacra popular perpetrada desde o século XVII por artistas nativos – inicialmente transmitida por padres – e várias vezes mencionada em posts. Dito Lima era seu nome. Tomávamos um café bem ralo preparado por sua tia. Falou-me de seu pai, que o ensinara a amar a semeadura. Plantava as sementes e, com o advento das chuvas, já na primavera, via brotar tenuemente aquelas pequeninas folhas verdes. Dizia ao miúdo “É Deus, meu filho que mostra sua vontade de nos alimentar”. Quando lhe perguntei sobre o efeito da frase de seu pai, respondeu. “Amo semear e sentir Deus arranhando a terra”.

Creio que Marcelo entenderá o significado para nós da placa que leva o nome José da Silva Martins, fincada em pequena praça da megalópole. Ele também semeou e acreditava com convicção que um Poder Maior guiava nossos passos através de tantas manifestações.

Reitero, em nome de meus três irmãos, os agradecimentos ao pronto gesto de nosso atual Prefeito, João Dória Jr.

The subject of last week’s post – a square named after my father – had much feedback from readers. I resume the subject, now to explain who my father was: a man of humble origins, strong-willed and with power of discernment, who invested in a good education for his four sons. He began writing at the age of 86. I transcribe here a series of comments on his books written by relevant personalities of the Brazilian culture, so that readers may understand the reason why we – his four sons – are so proud of having his name given to a public square in São Paulo.