Navegando Posts publicados em fevereiro, 2018

Workshop na Sociedade Brasileira de Eubiose e ecos do blog anterior sobre voos

Há almas que amam os sons.
Franz Liszt

Há tempos pensei apresentar, em três palestras, minhas considerações sobre a experiência acumulada durante 22 anos a gravar na Bulgária, Portugal e sobretudo na Bélgica, resultando em 23 CDs até o presente. Essa ideia ganhou corpo a partir da constatação de que cada gravação propicia uma experiência inédita, mas uma única certeza, a de que, naquele período estreito de dois ou três dias, o hic et nunc aconteça com todas as situações favoráveis.

Bem antes da primeira gravação na Europa foram cinco LPs gravados no Brasil, o primeiro em 1979, num período em que rolos de fita registravam o que era interpretado e, para a edição, o técnico usava uma lâmina de barbear!!! Neste LP havia obras de Claude Debussy, Henrique Oswald e de Tsuna Iwami, estas últimas podendo ser acessadas através do Youtube. Três outros LPs tiveram o selo FUNARTE e foram registrados num período “heroico”, assim diria, pois o ilustre presidente da instituição, o compositor Edino Krieger, estava repertoriando a produção nacional. Num álbum duplo (1983), gravamos a integral para violoncelo e piano de Henrique Oswald (o ótimo Antônio Del Claro ao cello) e, em um segundo LP, registrei obras para piano solo do compositor romântico brasileiro. No ano seguinte, para o selo BASF, gravamos o Quinteto para quarteto de cordas e piano op. 18 de Henrique Oswald (1984). Tive a colaboração de experientes músicos residentes em São Paulo. Novamente pelo selo FUNARTE (1988), contei com a colaboração de Antônio Lauro Del Claro e da virtuose Elisa Fukuda para a gravação do Trio op. 9 e da Sonata para violino e piano de Oswald. Quando menciono “heroicos tempos”, considero o esforço depreendido para que gravações fossem realizadas, quando não faltavam determinadas variantes como precariedade dos ambientes de gravação e até improvisações que surgiam no decorrer das tomadas de som. Essas gravações tiveram importância para a cultura musical brasileira, mas não podiam ser referenciais, se comparadas com as realizadas na Europa, pela própria defasagem técnica como um todo.

O acaso levou ao convite para que gravasse na Bélgica. Músicos belgas em tournée pelo Brasil visitaram a loja da FUNARTE no Rio e adquiriram os três LPs mencionados. Ficaram impressionados  com a qualidade de Henrique Oswald e meses após recebia convite para gravar em Bruxelas a integral para violino e piano com o excelente Paul Klinck ao violino. Cheguei numa sexta-feira a Gent, na Bélgica, vindo do Brasil, e à noite ensaiamos pela primeira vez. Jamais o vira antes. Estou a me lembrar de que, cinco minutos após o início do ensaio, intrigou-me sua presença, de costas a uns passos do piano, portanto sem me olhar. Perguntei-lhe, após uma pausa, qual a razão de assim agir e a resposta foi incisiva. Sinto que não há nenhuma necessidade, pois nos entendemos musicalmente muito bem. E selou-se uma amizade que perdura. No dia seguinte Paul se casava, mas das 20 às 24 horas novamente repassamos o programa pormenorizadamente. Dois dias após realizamos a gravação no Estúdio da Radio Belga em Bruxelas, entre os dias 17 e 18 de 1995.

Novamente o acaso foi responsável por ter iniciado a série de gravações na Bélgica, após ter gravado quatro CDs em Sófia, na Bulgária. O lançamento do CD com a integral das obras de Henrique Oswald para violino e piano deu-se num concerto memorável no Musiekconservatorium de Gent completamente lotado, aos 18 de Novembro de 1995. Fui o pianista do Quarteto para piano e cordas  op. 26, da Sonata para violino e piano op 36, da Sonata-Fantasia op. 44 para piano e violoncelo, do Poemetto Lirico Ofelia para soprano e piano e de algumas peças para piano solo, assim como ouvinte da extraordinária Missa a Capella cantada pelo Coral Novecanto. Após o Concerto de mais de duas horas dedicado a Henrique Oswald, fui dormir com a adrenalina altíssima, pois pensava que aquela noite única se esvaíra e que o retorno no dia seguinte a São Paulo era certeza implacável. Horas depois, colocava minha mala no porta malas de um táxi que me levaria à estação de Sint Peters, em Gent, quando ao lado para um carro e de lá sai um enorme cidadão flamengo. Era André Posman, diretor do selo De Rode Pomp. Disse-me: “Professor, estive ontem e ouvi obras magníficas. O que o senhor vai fazer?” Respondi-lhe do meu regresso. Como chego muito antecipadamente aos aeroportos, mostrei-lhe o bilhete. Retirou minha mala do porta malas do táxi, levou-me à sede da Rode Pomp e, após, ao aeroporto. Vinte segundos mais e nada teria acontecido!!! São 23 anos de uma amizade que perdura e que resultou em inúmeros CDs gravados e bem mais de uma dezena de recitais na Associação por ele presidida.

No próximo blog comentarei sobre o processo de gravação em condições excepcionais, que resultou em 23 CDs gravados na Bulgária, Portugal e, majoritariamente, na Bélgica, levando-me a propor essas três palestras que serão apresentadas na Sociedade Brasileira de Eubiose nos próximos dias 6, 8 e 13 de Março, das 17:00 às 18:30. Abordarei a preparação de repertório, a escolha do local ideal para a gravação, a qualidade do piano e a extrema competência do engenheiro de som. Serão abordados igualmente fatores extramusicais de relevante importância para que, naqueles dias precisos, todas as circunstâncias estejam rigorosamente propícias. Gravações realizadas durante mais de duas décadas serão apresentadas.

A seguir comento os Ecos do blog anterior:

Quem tem a faca e o queijo, corta onde quer.
Adágio Popular Alentejano

Como houve Ecos de “Voos que deixaram Saudades”, entendo que seria oportuno colocar algumas posições de interesse que ampliam o conteúdo de meu blog, pois todos expressos por viajantes que habitualmente atravessam oceanos ou se deslocam nesta vasta América.

O professor titular da USP Gildo Magalhães considera: “… estocada certeira! Deveria ser impresso para ficar como leitura nas salas de espera dos aeroportos…. Curioso que, enquanto escrevo, passa em movimento na tela uma tira anunciando as maravilhas da Air France…”

Eudóxia de Barros, consagrada pianista, escreve: “… de pleno acordo, e sem falar da imposição daquele maldito ar condicionado, que já me ocasionou várias  gripes fortes, tendo numa das vezes transtornado todo o roteiro de nossas férias pelo Equador, Peru e Chile; a etapa Peru teve de ser cancelada pois eu permanecia acamada num hotel, com despesas extras com médico e remédios caros. Este seu artigo mereceria publicação nos jornais, ao menos na seção de Reclamações …”.

A professora Jenny Aisenberg escreve sobre necessaires distribuídas aos passageiros e nunca olvidadas: “Fiquei a lembrar-me das amenidades que nos eram oferecidas a bordo, como os kits (contendo pequeno tubo de creme dental + escova de dentes, máscara para dormir, meias, creme de mãos, flaconete com perfume, pente, proteção auditiva etc.)  e as toalhinhas brancas, umedecidas e quentinhas, que eram distribuídas pelas atendentes antes das refeições. De bom grado eu dispensaria esses mimos em troca de um pouco mais de espaço entre as poltronas, já exíguo, hoje cada vez mais restrito”.

Maria Izabel Ramos que já viajou por todos os continentes, escreve: “Faz-me relembrar a época de ouro de nossos voos internacionais, em classes econômicas ou em outras, de 1988 a 2010, quando se viajava elegantemente de roupa social “.

O arquiteto Marcos Leite tece considerações pertinentes: “Viajei muito menos que você, mas lembro-me de uma dessas transoceânicas anos atrás, São Paulo – Rio – Lisboa, pois fui de TAP e o jantar, se não magnífico, estava absolutamente correto, o bacalhau acompanhado por meia garrafa de um honesto tinto da Bairrada. Mesmo as nossas VARIG e VASP tinham pratos apresentáveis e um serviço de bordo gentil. A sugestão de um inglês, há uns 3 ou 4 anos atrás, não foi adotada no resto do mundo, mas talvez daqui a pouco vejamos implantada por aqui: espaço em pé, como nos ônibus urbanos, para percurso com tempo inferior a uma hora. E não estranhe se te cobrarem para usar o banheiro da aeronave!”

José Monteiro é comerciante e observa fato que realmente demonstra que o passageiro é apenas um detalhe na grande engrenagem a visar ao lucro. Comenta: “Anteriormente escolhíamos o assento no avião, desde que o bilhete fosse adquirido bem antecipadamente. Hoje, as companhias, no meu caso a TAP, coloca-o no assento por elas selecionado e, se porventura você quiser alterar, tem de pagar uns bons euros. Acho um disparate”.

A frase de Magnus Bardela é curta. Revela a decadência apontada por viajantes experientes: “Voo na econômica só é aceitável com um bom sonífero”.

O compositor e regente Maury Buchala em constate ponte-aérea Paris-São Paulo escreve: “Os voos são terríveis atualmente. Sobretudo para mim, pois não tenho espaço. A comida piorou muito, graças a essas embalagens de plástico. Atualmente, até a escolha das músicas que colocam para ouvirmos, deixa muito a desejar. E quando você tem que ficar 11hs  dentro de um voo, torna-se insuportável, sendo esse o meu caso com os voos periódicos para o Brasil”.

Essas observações qualificadas apenas reiteram o conteúdo do blog anterior, realçando fatos que não foram por mim citados. Entendo vergonhoso esse capitis diminutio relativo às nossas expectativas. Há termos bem mais fortes na língua portuguesa para definir essa escalada nos preços e a retirada do mínimo conforto dos passageiros que viajam na classe econômica. Aqueles 25.000 bovinos que, retidos inicialmente num de nossos portos, seguiram após, amontoados, para a Turquia, levaram-me a reflexões. Os poderosos tomarão providências? Nem pensar. Creio que o arquiteto Marcos Leite tem absoluta razão. Ainda teremos de pagar para a utilização da exígua toilette das aeronaves. Rigorosamente estamos à mercê. Nada a fazer.

This post addresses the forthcoming talks I will give on my recording experience in Europe and all the lessons drawn from that experience, which I would like to share with others.
I also publish a selection of messages received with comments on last week’s post about onboard services in economy class. I’m not the only one to notice that airlines are engaged in a race downhill when it comes to customer satisfaction.

 

A decadência nos serviços de bordo

O pensador lança-se à tarefa de desembaraçar
o enrolado novelo que o mundo lhe apresenta,
mostrando como todo o fio não é mais do que ligação entre dois extremos,
o da eternidade e do tempo,
o da substância e o do acidente,
o de Deus e o do Homem.
E neste trabalho de desenrolar o novelo se lhe vai a vida.
Agostinho da Silva
(“As Aproximações”)

Ao longo das décadas foram dezenas de voos para a Europa, sempre em classe econômica, para atividades ligadas à música, como palestras, participação em Congressos ou júris de doutorado, mas preponderando, recitais e gravações. A constância determina a avaliação, após observação retida na memória. Há não muitos decênios os voos não saíam diretamente de São Paulo e a passagem obrigatória pelo aeroporto do Galeão era um fardo para qualquer paulistano, mercê da desorganização e da demora. Com a construção do Aeroporto Internacional de Guarulhos, os deslocamentos passaram a ser a partir de São Paulo. Depois da recente modernização desse aeroporto, o melhor do país, a vida do viajante tornou-se menos incômoda, pois alguns melhoramentos aconteceram. Ainda continua um transtorno absurdo chegar ao aeroporto, sobretudo em horários de pico ou quando há acidente grave ou chuva torrencial obstaculizando o trajeto. O trem expresso que sairá do congestionado centro de São Paulo, promessa bem antiga do governo estadual, deverá entrar em circulação brevemente, mas há ainda o problema da distribuição dos passageiros para os diferentes terminais que deverá ser feita, ainda, pelos ônibus. Alguns dos principais aeroportos do mundo já dispensaram esse meio de transporte para a ligação entre terminais.

Tenho por hábito chegar muitas horas antes de um voo. Há sempre um bom livro para se ler enquanto aguardamos o momento do embarque. Mais agradável seria a espera se preços escorchantes não fossem cobrados do momento em que ultrapassamos a barreira do exame dos passaportes pela PF e a verificação da bagagem de mão e dos pertences nas vestes. Esses preços estão acima do que se cobra no hemisfério norte. Nada a fazer, pois certamente uma engrenagem muito bem montada faz com que os preços nos vários pontos de venda de bebidas ou algo comestível se equivalham.

Modernizações como o finger, dispositivo que leva o passageiro até a porta da aeronave, já existem há tempos; contudo, quando se espera uma comodidade no interior do avião, assim como serviço de bordo menos direcionado à redução de custos durante as longas travessias, tal não acontece, apesar de preços das passagens em elevação contínua. Para o viajante que realiza desde o final dos anos 1950 a rota Brasil-Europa, a decadência e até, utilizando-me de palavra mais veemente, mesquinharia para com o passageiro naquilo que lhe é oferecido durante a travessia chama a atenção. Se for realizada uma pesquisa no que concerne ao tratamento desde a década de 1970 ao presente, a diferença no serviço de bordo é gritante.

Estou a me lembrar de voos, décadas atrás, por várias companhias que realizam a travessia a partir de São Paulo em direção à Europa. Altura do voo estabilizada, as aeromoças já apresentavam o menu completo impresso, podendo o passageiro escolher entre duas sugestões. Precedendo a refeição noturna, aperitivo era servido e havia farta variedade de bebidas para escolha. Logo após serviam o “jantar” e ofereciam para os amantes de vinho a garrafinha do tipo escolhido. Finda a refeição, passava o carrinho com licor ou conhaque. O material utilizado para todo esse processo era de boa qualidade, em plástico rígido ou vidro (entende-se o não emprego desse material após o fatídico 11 de Setembro). Quanto às mantas, algumas companhias as tinham em lã pura!!! Atualmente tudo foi alterado drasticamente, tanto na qualidade pífia do material, como no processo todo de apresentação e simplificação dos bens oferecidos.

Talvez o único benefício ocorrido nestas últimas décadas tenha sido a proibição do fumo durante as longas travessias, pois ao chegar ao destino o passageiro ainda teria durante um bom tempo suas roupas lembrando-o das horas vividas no interior da aeronave.

Um outro aspecto que evidencia a sanha predatória das companhias que fazem a travessia oceânica refere-se às bagagens. Em 2017 realizei três viagens para a Europa para participar de júri de doutorado, recitais e Simpósio, respectivamente. As três pela TAP. Nas duas primeiras, tive direito a duas bagagens de 32ks gratuitas, aliás, como nos anos precedentes. Na terceira, apenas uma até 23ks e para esse exemplar único foi cobrado E$ 75,00 (sic)!!! Paguei cerca de R$ 290,00. No regresso também tive de pagar a mesma quantia. O leitor nem precisa realizar elucubrações a respeito. É algo rigorosamente desproporcional. Os preços das passagens diminuíram, o serviço de bordo tornou-se mais generoso? Não, apenas não. Igualmente no presente cobram para os voos pelo país tarifa por bagagem sem que as passagens tenham sofrido redução, como alardearam as companhias aéreas.

Quanto às viagens mais longas pelo interior do Brasil, serviam, décadas atrás, a refeição. Em muitas delas o passageiro recebe hoje um pequeno invólucro com algumas sementes e um copo de água!!! Se quiser um café, tem de pagar. Passagem cara, café de garrafa!!! É algo inadmissível!!! Entendo como miserabilidade. Quanto ao preço da Ponte Aérea São Paulo – Rio, afirmam ser a mais cara do planeta, considerando-se os quase 40 minutos de voo.

Os tempos românticos se foram. Estou a me lembrar de ter solicitado em três viagens as mantinhas de lã pura de companhias aéreas transoceânicas. Apesar de propriedade da empresa, as aeromoças me ofereceram gentilmente. Àquela altura, minhas filhas ainda pequenas e minha mãe agradeceram essas prendas vindas do ar. Em outra oportunidade, ao preencher uma ficha que me foi entregue durante voo pela Air France, solicitei auxílio à aeromoça, pois tinha uma dúvida. Após dirimir minha hesitação, verificou, sem nada dizer a respeito, que aquele era o dia de meu aniversário, pois fixei-o na papeleta que exigia tal referência. Minutos depois voltou com um pacote fechado, desejando-me feliz aniversário. Havia seis pequenas garrafas de champagne que compartilhei, bebendo com velhos amigos parisienses!!! Outros tempos.

Poderei parecer demasiadamente conservador. A viagem aérea no passado revestia-se de certa magia. Na verdade existia um quase ritual. Os passageiros trajavam-se bem e, essa tradição mantida, influía certamente no serviço de bordo. Com a “democratização” dos voos na classe econômica, certamente um avanço social, esse ritual, que também poderia ser visto pelas ruas da cidade de São Paulo, perdeu completamente sua aura. Presentemente não mais existem “normas” para se trajar, exceções às tradições que permanecem nas classes empresarial e política, no judiciário e em tantas profissões. Contudo, nos voos que cruzam os oceanos, vê-se de tudo. Opções discretas ou berrantes são aceitas ou ao menos toleradas. A quebra absoluta daquelas condutas que existiam, mas não eram impostas, pois faziam parte de uma natural observância, não resultaria, sob alguma forma, nessa decadência do atendimento? Toda aquele esforço em manter um certo requinte no serviço de bordo não era assim pensado pelo fato de que as empresas sabiam que os que mantinham a tradição opinavam se algo não estivesse à altura? Nesses últimos anos durante os voos há aqueles que esticam as pernas pelos corredores, outros que não endireitam as poltronas quando do serviço de bordo, assim fazendo quando alertados pelo passageiro que se encontra na fila logo atrás. Nem comentemos os que falam alto durante horas. Jamais viajo sem proteção auditiva ou earplugs. Observo as muitas transformações que, apesar do “progresso”, remetem-me às recordações. No passado tinha verdadeiro prazer em estar num voo. Hoje, ao entrar na aeronave, só penso em chegar bem ao destino, desiderato final.

Sob outra égide, o poder das grandes empresas beneficiadas por agências reguladoras de toda ordem, é causador de distorções enormes, não mais se preocupando com o interesse do passageiro, do consumidor, do doente e de tantos outros cidadãos. Sempre afirmo que uma das chagas da atualidade é o lobista, figura que entendo sinistra. Haveria exceções? Esse personagem pode sempre ser encontrado junto aos três poderes e às agências reguladoras. A Lava-Jato e outras investigações sob diversos rótulos já retiraram do “mercado” muitas dessas figuras nocivas à sociedade. Mas, à maneira da erva daninha, extirpá-las é tarefa hercúlea nesse nosso país tão dilapidado e com a Justiça rigorosamente morosa, mercê dos recursos quase intermináveis apresentados pelos advogados das “vítimas”. Rigorosamente nada a fazer, a não ser mudar mentalidades. Será possível que isso aconteça? A decadência cultural, dos costumes, da moralidade, da ética é velocíssima. Quem não a sente? Será que a palavra esperança ainda persiste nos dicionários? Vou verificar.

This post deals with flying in economy class, comparing international flights onboard services of the past with those we have today, in the era of mass travel. Not only air companies seem to be engaged in a race downhill but now they also charge high prices for passengers to check their baggage, with no reduction on flight ticket cost.

 

E outras considerações mais

“- Você vê, eu fui filho e depois pai de um ruralista”, diz o velho.
Entre os dois o parêntese de uma vida.
“Na minha infância, vivia-se com quatro ou cinco vacas.
Fazíamos três saint-nectaire por dia. Eles fazem hoje cento e cincoenta”.
Eu não tinha estudos necessários para compreender
a mecânica desses fenômenos,
nem dispunha da pujança intelectual para analisá-los.
Mas pressentia que nosso hóspede levantava um ponto crucial.
O sentimento de não mais habitar o barco terrestre
com a mesma graça proveniente de uma trepidação geral
embasada sobre o crescimento.
Repentinamente ele teve muito de tudo.
Muita produção, muito movimento, energia demasiada.
Em um cérebro, isso provoca a epilepsia.
Na História, denomina-se massificação.
Em uma sociedade, isso conduz à crise.
Sylvain Tesson
(“Sur les Chemins Noirs”)

Não foi exceção. “Sur les Chemins Noirs” despertou atenção por parte de leitores que apreciam o gênero professado pelo escritor-aventureiro francês Sylvain Tesson. Mensagens curtas, mas incisivas, demonstrando interesse por sua vida e obra.

Após confessar que se sentia “imortal” antes do grave acidente que sofreu, há nítida  “guinada” no pensamento de Sylvain Tesson em “Sur les Chemins Noirs”, pois o tratamento literário torna-se mais cáustico, cético e resignado, por vezes com pitadas de humor. Talvez esse ceticismo tessoniano esteja mais voltado àquilo que ele captou na Rússia, pois, “para sinalizar que ninguém se importa com o que acontece, diz-se ‘mnie po figou‘, a acolhida resignada de tudo”.  O pofiguisme (tradução francesa), presenciado em suas andanças pelos solos da Rússia (vide blog “Dans les Forêts de Sibérie”, 01/03/2014), ficaria infiltrado em seus textos anteriores decorrentes das caminhadas ou de estágio prolongado pelo solo russo. O termo, não presente em “Sur les Chemins Noirs”, está contudo impregnado em tantas páginas!

Novamente neste espaço, para meu gáudio, o compositor e pensador francês François Servenière tece comentários de interesse sobre o blog precedente.

“Li com muito interesse seu artigo sobre Sylvain Tesson. A tal ponto que decidi comprar a coleção completa do autor através da Amazon, apesar de já ter lido quatro de suas andanças pelo mundo. A par do talento incomensurável de Sylvain Tesson, deve-se salientar ser ele filho de Philippe Tesson, grande escritor-jornalista, que certamente o apoiou quando do primeiro livro, que obteve muito sucesso. Esse primeiro passo teria sido fundamental. Apesar da juventude da idade madura, Tesson atualmente tem o físico de uma senhora idosa, tão grandes as sequelas do acidente.

Minha admiração por Tesson é enorme. Conseguiu explorações sem paralelo sobre a Terra. A leitura de seu livros é um bálsamo para o coração, frequentemente desencantado, quando em nosso país muitas coisas relevantes são deletadas, como a coragem e o heroísmo, valores profundamente ancorados no meu DNA. Sylvain é um viandante que tem densidade, humor, verdade e uma visão de longo alcance, tão longa quanto as estepes da Sibéria que ele percorreu com a lentidão de suas passadas”.

É bem difícil permanecer leitor de apenas um livro de Sylvain Tesson. Ressaltaria que um dos motivos para que esse fenômeno ocorra é justamente essa noção sincera de uma verdade que ultrapassa o campo ideológico em que legião está mergulhada. O horror à injustiça não surge em seus textos como mensagem panfletária. Nos seus 46 anos, o escritor aventureiro já viveu quantas vidas? Sob outra égide, a admiração pelas suas perfomances não viria dessa nossa impossibilidade física e mental de realizá-las? O paraíso ideal de que me falava décadas atrás o meu saudoso mestre e psicanalista Eduardo Etzel, lugar em que podemos nos refugiar mentalmente em momentos difíceis, não teria paralelo com esses espaços distantes por nós admirados através da façanha do outro, mas que sabemos não poder imitar por tantas circunstâncias físicas, mentais e culturais? Servenière considera que “atingimos nossos objetivos, mas os anos dessa juventude na idade madura estão passando, Fast and Furious, e são eles os mais profícuos da existência. Alguns sonhos de evasão ainda não terminaram pelo fato de ainda estarmos concentrados na direção de nossas vidas. Um dia olhamos para o passado e lá se foram mais de 50 anos… (Servenière completará 57). Menos energia nas pernas, no coração e nos pulmões… Os anos passaram como uma torrente que desce das montanhas. Paradoxalmente, constatamos que Tesson, percorrendo anteriormente todas as grandes distâncias, queimou a vela pelas duas extremidades. Ele mesmo confessaria esse infortúnio após queda  rocambolesca dessa parede de uma casa em Chamonix, justo ele, que na primeira juventude escalou as altas catedrais e subiu frondosas árvores apenas com o auxílio das mãos”.

Antolha-se-me que um futuro incerto, a partir de metas mais econômicas para o combalido físico de Tesson, o fará priorizar o projeto humanitário por ele proclamado nas primeiras entrevistas tempos após o acidente. Resta saber o que pode ser apreendido por humanitário. Se a extensão do termo, mesmo por linhas indiretas, estiver estruturada na denúncia ao descaso não apenas do Estado, mas das empresas e até do comum mortal em tantas ações equivocadas e até predatórias, estará Tesson prestando incomensurável serviço para o bem do homem nessa sua caminhada pela História, na procura incessante de sua humanidade, mormente se considerarmos a penetração ampla do autor junto aos meios de comunicação. É absolutamente plausível que entender a limitação física modifique planos que vão sendo acalentados ao longo da existência. Teria Tesson projetos que foram definitivamente abortados? “Sur les Chemins Noirs” não representará em sua obra o início de um outro olhar, mais interiorizado, mas profundamente enriquecido pelas extraordinárias experiências inseridas em sua já vasta literatura? A observação, dom precioso que é indelével basicamente em todos os parágrafos de seus livros, onde não faltam inúmeras metáforas que levam à reflexão, e que é umas das qualidades de notáveis mestres russos como Dostoievsky e Moussorgsky, na literatura e na música, respectivamente, não é uma das características essenciais de tantos outros luminares russos pertencentes a uma cultura que Tesson tanto admira?

A atração que desperta sua literatura não atenderia ao leitor que tem consciência de uma decadência social, cultural, reflexiva e moral da sociedade atual, prenhe de fanatismos ideológicos, religiosos e de outras mais ordens? A corrupção e o descaso no mundo ocidental tornaram-se rotineiros e seus praticantes pertencem à parcela dirigente do planeta, que contamina tantas áreas da sociedade. O leitor das obras de Tesson bem entende que, nesses longos silêncios e solidão com os quais o autor se viu obrigado a conviver graças às suas escolhas, os  conceitos maturados pelas circunstâncias o conduziram à descrença nas ações das autoridades, tantas vezes agindo com intenções estranhas. Não em “Chemins Noirs”, mas em outras plagas planetárias, como nas fronteiras da Índia ou do Irã e em outras barreiras impostas pelos países, Tesson sofreu por vezes cerceamento e até prisões como viandante ao atravessar marcos divisórios. A visão que depreende do autoritarismo elementar, multum in minimo, estendendo-se aos dirigentes de países, tem uma mesma frequência em seu pensar. O grito, nesses “caminhos negros” basicamente abandonados, é escutado por todos nós. Lembramo-nos de imediato do descaso do Estado pelas terras desassistidas percorridas por Tesson, aplicável também em nossas plagas em maiores proporções, neste caso a atingir frontalmente a desassistência ao povo negligenciado.

“Sur les Chemins Noirs” representaria para Tesson motivo de reorganização quanto ao rumo a seguir doravante, assim como uma possível reconstrução de um sem número de conceitos físicos e mentais, aqueles a limitar o esforço e a considerar a abstinência alcoólica, estes a entender que a lentidão pode ser, paradoxalmente, um veículo para a eclosão de tantas outras observações. “Sur les Chemins Noirs” não deixa de ser um apelo que não será escutado pelos poderosos, mas pelo leitor atento. O livro é quase um culto à nostalgia e uma crítica à modernidade em aceleração desenfreada. Um fato, contudo, traz para o leitor uma surda alegria, pois Sylvain Tesson não desaprendeu a gostar das longas caminhadas. Outras virão, esperamos.

Further thoughts on the book “Sur les Chemins Noirs” by Sylvain Tesson, this time including comments received from the French composer François Servenière, like me a great admirer of Tesson’s writings.