Lembranças da atividade durante o ano que ora finda
Eu parto do princípio de que, quanto mais compreendemos, mais amamos;
mais amamos, mais admiramos;
mais admiramos, mais somos felizes.
Sacha Guitry
Não foram muitos os blogs dedicados à minha participação em corridas de rua. Geralmente reservo para o fim do ano algumas considerações a respeito, fugindo à regra quando fato inusitado me impede de abordar o tema. Comecei a correr em provas oficiais em Junho de 2008, aos 70 anos, e neste final de 2018 completei minha 176ª corrida de rua. À medida que adquiri mais endurance, apesar do avanço etário, aumentei minhas participações, sempre movido por intensa alegria em integrar-me aos milhares de corredores e ter feito, ao longo, amizades que se solidificaram. Estas foram surgindo naturalmente e a temática é sempre benfazeja, a tratar de performances, tempos e, a preponderar, o prazer da convivência naquelas horas precisas.
Neste ano foram 21 corridas de rua, sempre na atitude prazerosa de realizá-las, rever companheiros e acrescentar amizades que forçosamente surgem.
Geralmente meu amigo Carlos ou Batoré, para os que o conhecem nas corridas, é o companheiro ideal. Nos domingos de provas, antes de raiar o dia, lá está ele no portão de casa pronto para a corrida dominical. Companhia preciosa, Batoré adentrou a quinta década e corre muitíssimo mais rápido do que seu amigo matusalênico, que apesar disso, nunca andou durante corridas, exceção a uma competição de 10k no bairro do Pacaembu que compreendeu o Minhocão. Nos últimos 300 metros faltaram-me as pernas e tive de andar. Ao comentar o fato com o ilustre ortopedista Heitor Ulsson (vide blog: Cirurgia da mão – Rizartrose, 09/10/2010), quis o cirurgião saber antecedentes. Disse-lhe que, na noite anterior, dera recital de piano na Associação Eubiose e após jantara com amigos. Resumindo, dormi apenas uma hora e meia. A resposta veio a galope. Meus músculos não tiveram o mínimo repouso. Aprendi.
Há corridas e corridas. Algumas muito bem organizadas, outras nem tanto. Aos 80 anos, seleciono com cuidado as provas e seus percursos. Tenho evitado as corridas noturnas, pois as realizadas na USP, no Minhocão e na marginal do Rio Pinheiros têm pontos negros, pelo excesso de árvores encobrindo a iluminação ou algumas luzes queimadas, convidando corredores a quedas prováveis. Nada como o dia e o asfalto sem máculas. Algumas provas me agradam sobremaneira. Mencionaria: Clube Juventus, Monte Líbano, Olga Kos, Trigo, Superman, Cidade de São Paulo (Parque do Ibirapuera), Stock Running (no legendário autódromo de Interlagos), Longevidade (Bradesco Seguros – Ipiranga).
Episódio jocoso ocorreu na Corrida Superman. Os corredores receberam a camisa e uma capa vermelha. Muitos participaram com esse adendo. Corri com a camisa e, dias após a prova entreguei-a ao amigo Batoré, que não conseguira se inscrever a tempo. Não queria recebê-la, a dizer que serviria para meus treinos. Disse-lhe que participar com a camisa do super herói era plausível, pois a grande maioria assim procedeu, mas treinar pelas ruas do bairro seria certamente constrangedor. Batoré aceitou o argumento e a camisa, assim como a capa vermelha, para seu neto.
O fim de ano assinala uma corrida icônica no Brasil, a São Silvestre. Dela participei de 2008 a 2012, não me inscrevendo nas subsequentes, após a morte de Israel Cruz Jackson de Barros, o cadeirante que, ao descer a Rua Major Natanael, teve problemas com seu veículo, vindo a morrer. Após a São Silvestre de 2011 já vaticinava, infelizmente, que aquela descida não é para a extraordinária maioria de amadores participantes. Um grande corredor brasileiro do passado já me confessava àquela altura que essa descida é “criminosa” para a grande malta que pretende correr a prova. Presenciei na época pessoas que caíam. Todavia, interesses são interesses – tantas vezes estranhos e inconfessos – e o declive simpático da Avenida da Consolação foi definitivamente abandonado. Tiveram os organizadores da São Silvestre ao menos a gentileza de ter o nome de Israel Cruz Jackson de Barros inscrito em troféu a ser entregue aos vitoriosos anuais? Essa atitude não seria terem de confessar o inconfessável? Compreenda-se, jamais Israel teria morrido se a descida continuasse a ser realizada na agradabilíssima descida da Avenida da Consolação. No Direito Penal há configuração clara para situações onde não há a menor intenção para que a morte ocorra, mas ela pode ocorrer por imprudência, negligência ou imperícia. Se a morte advém por motivo natural, enfarto ou motivo outro, entendamos que faz parte de qualquer atividade esportiva. Daí a necessidade de todo corredor estar em dia com seus exames médicos periódicos: cardiológicos, densitometria óssea, pressão e outros pertinentes à prática esportiva. Assim mesmo, a fatalidade pode chegar.
Menciono a tragédia, pois integro a equipe Corre Brasil, capitaneada pelo excelente Professor Augusto César Fernandes de Paula e sua simpática esposa, Valquíria (Val). Todos os anos, a equipe realiza dois simulados da São Silvestre semanas antes do evento, domingo pela manhã. Um grupo de 100 corredores, aproximadamente. Nesses treinões desço a Av. da Consolação com alguns outros participantes, que preferem evitar a pirambeira da Major Natanael. Simulados prazerosos que desmitificam a divulgação da imprensa, que assinala sempre, digo sempre, através de locutores e escribas, que a subida da Avenida Brigadeiro Luís Antônio, de pouco mais de 2km, é grande desafio. Por 12 vezes subi a Brigadeiro, cinco correndo a São Silvestre (2008-2012), sete a treinar. Aos domingos, subi-la na contramão na faixa dos ônibus é algo agradável, pois raros coletivos ou táxis descem a avenida e, ao deslumbrá-los, é só se deslocar para a calçada e logo após retornar à faixa reservada. Penso sempre nesse alarde concernente ao aclive da Brigadeiro, falso, diria, mas que está impregnado na mente do povo, que a vê como algo terrível e temível para o comum dos mortais. Diria que os treinos que a Corre Brasil realiza rumo ao Pico do Jaraguá (aclive incessante de 4,5km) é bem mais desafiador. Com prazer participo dessas subidas, bem mais tranquilas do que as descidas, por incrível que possa parecer, pois se aquelas podem até provocar outros problemas, a descida mal planejada compromete decididamente todo o intrincado mecanismo dos joelhos.
A Corre Brasil também organiza treinos periódicos no Parque do Ibirapuera aos domingos. Breve palestra, exercícios físicos em duas etapas, corrida pelo parque e quitutes posteriores servem para selar a confraternização. Tenho participado de quase todos esses treinos e fotos após os treinões selam momentos benfazejos.
Infelizmente, nossa primeira equipe, Ta Lentos, está desativada. Contudo, três da equipe ainda se encontram durante determinadas provas, como a recentíssima, dia 23 de Dezembro, no Autódromo de Interlagos. Um prazer reencontrá-los em São Paulo e nas corridas em Mogi das Cruzes.
Espero continuar a correr enquanto mente e pernas obedecerem. Meu amigo Antônio Lopes, no pórtico dos 91 anos, participa até de provas de meia maratona (21k). Um exemplo único na atualidade. É sempre bom revê-lo e verificar que suas passadas ritmadas, sem alterações, evidenciam o bem que proporciona a corrida de rua para a mente, o físico e a relação com a vida.
Desejo a todos os seguidores do blog um ano de 2019 pleno de realizações, saúde e paz. Almejamos, ao menos.
In the last post of 2018 I write about the pleasures of running and look back on the road races in which I took part: favorite routes, my running performance, the joys of meeting old friends and making new ones. Let’s hope in the year that now begins I’ll continue to have fun and enjoy the camaraderie of my teammates and other runners. I wish you all a New Year filled with promises of a brighter tomorrow.