Recitais de piano a comemorar lançamento de CD

Escuta, escuta: tenho ainda
Uma coisa a dizer.
Não é importante, eu sei, não vai
salvar o mundo, não mudará
a vida de ninguém – mas quem
é hoje capaz de salvar o mundo
ou apenas mudar o sentido
da vida de alguém?
Eugénio de Andrade

O selo SESC está a lançar gravações que realizei na Bélgica com obras de Henrique Oswald (1852-1931), o mais importante compositor romântico brasileiro. Recitais foram agendados pelo SESC em três cidades: Santos (15 de Junho, sábado, às 20h, R. Conselheiro Ribas, 136), São Paulo (18/06, terça, às 13h, Igreja da Boa Morte, Rua do Carmo, 202, Centro), São José dos Campos (22/06, sábado, às 19h30, Av. Dr. Adhemar de Barros, 999).

Insiro o texto que escrevi, incluso no bem cuidado encarte que acompanha o CD:

“Vinte anos separam dois segmentos do presente CD. Um breve apanhado de sua biografia torna-se necessário, mormente aos leitores que têm acessado mais recentemente meu blog.

Henrique Oswald nasceu no Rio de Janeiro, filho de pai suíço-alemão e de mãe italiana. Viveu a infância e a adolescência em São Paulo, partindo com a mãe para Florença, onde estudaria e viveria durante décadas. Casou-se e teve quatro filhos, entre os quais o pianista Alfredo Oswald e Carlos Oswald, que se tornaria o pioneiro da gravura em metal no Brasil. Em 1902 receberia o primeiro prêmio por sua composição “Il Neige”, láurea recebida do jornal “Le Figaro” em Paris, em concurso em que concorreram 647 peças de autores de todo o mundo. Após breves viagens ao Brasil, retornaria definitivamente ao país em 1903, onde inicialmente dirigiu o Instituto Nacional de Música do Rio de Janeiro. Permaneceu no Estabelecimento durante décadas, tendo orientado gerações de músicos que se destacaram no cenário brasileiro. Faleceu em 1931 no Rio de Janeiro. A obra de Henrique Oswald abrange vários gêneros: sinfônico, camerístico, coral e sobretudo piano solo.

Primeiramente temos obras para violino e piano, gravação realizada em Bruxelas para o selo PKP em 1995. O violinista belga Paul Klinck e eu gravamos a integral para violino e piano do notável compositor. Em 2015, também na Bélgica, na pequena cidade de Mullem, gravei obras de Oswald para piano solo.

Selecionamos, do CD de 1995, a “Sonata op. 36”, de 1908, e três peças avulsas. A “Sonata op. 36” em mi maior tem quatro andamentos, sendo das mais significativas Sonatas do período em termos mundiais. Composta em 1908, foi apresentada em primeira audição em 1912 no INN do Rio de Janeiro, tendo o compositor ao piano e Ricardo Tatti ao violino. Dos seus quatro andamentos contrastantes, o terceiro, “Andante, molto expressivo”, fora composto anteriormente. Das nove peças avulsas que integravam o CD de 1995, separamos três, nas quais a filiação romântica é plenamente detectada. A “Romance op. 7 nº 2” é uma transcrição de uma “Romance sans paroles” para piano, enquanto a “Romance” (andante con moto) é original para violino e piano (1904). Bem posteriormente Henrique Oswald comporia o expressivo “Nocturne” (1926).

As obras para piano solo foram gravadas na Capela Saint Hilarius em Mullem, Bélgica Flamenga, em 2015. A destinação para piano solo é nítida em Oswald. Foram dezenas de pequenas peças para o instrumento, que se apresentam reunidas em coletâneas de até seis peças, como Suítes e Feuilles d’Album, ou mesmo no formato miniaturas, como as “Machiettes” (12 peças) ou “Bluettes” (10), estas presentes no atual CD. Há também criações curtas avulsas. Essas composições destinavam-se a saraus da classe social que cultuava a criação de curto fôlego, tanto na Europa como no Brasil do século XIX às primeiras décadas do século XX.

Na configuração miniaturas, a coletânea “Bluettes” (Dix petits morceaux pour piano) representa quadros de flores e foi composta entre 1887-1888 em Florença. O manuscrito autógrafo, que me foi presenteado pela neta do compositor, Maria Isabel Oswald Monteiro, apresenta as peças de nº VII e VIII anuladas pelo autor através de riscos precisos. Um estudo mais acurado, contudo, levou-me a considerá-las válidas, pois estão rigorosamente perfeitas na escrita. Essa assertiva preserva a bela coletânea, portanto dando vida às flores “Bluet” e “Pervenche”. Posteriormente, Oswald editaria seis das “Bluettes”, mas não mais com nomes de flores e sim de sentimentos, num álbum denominado “Sept Miniatures”.
As duas “Valsas op. 25” tipificam a destinação da pequena peça para apresentação em saraus de uma sociedade florentina burguesa com olhar aristocrático. Essa prática era bem sedimentada em alguns países europeus. Comunicativas, as duas “Valsas” foram editadas no período.

“En Rêve” é composição idílica e foi dedicada à aluna e admiradora Leozinha Magalhães, primeira biógrafa do compositor. O filósofo e musicólogo francês Vladimir Jankélevich considera que “Noturno”, “Berceuse”, “Barcarola” e “Revêrie” fazem parte de um mesmo universo ondulante. Aliás, são inúmeras as criações de Oswald obedecendo a essa dedicação precisa. Os dois “Nocturnes op. 6” situam-se entre o que de melhor no gênero foi escrito no período. Faz-se presente a influência francesa. Oswald, em muitas de suas composições para piano, evidencia a nítida admiração por César Franck (nascido na Bélgica), Camille Saint-Saëns e Gabriel Fauré.

Dos “Trois Études” para piano de 1910, Oswald realizaria versão orquestral do primeiro, sob o título “Paysage d’Automne”. Do segundo “Étude”, duas versões, sendo a segunda editada juntamente com os dois outros “Études”. Optei pelo primeiro manuscrito, não editado. Neste, Oswald não emprega o ritmo sincopado na melodia encontrável na segunda versão. Como é o único dos três “Études” sem indicação de andamento, a rítmica utilizada no manuscrito primeiro tende para uma interpretação mais cômoda.

Encerra o CD a extraordinária “Valse-Caprice op. 11 nº 1”. Temas contagiantes e virtuosidade caracterizam a “Valsa-Caprice”. Juntamente com a “Polonaise” de 1902, dedicada à pianista Antonieta Rudge, tem-se, possivelmente, as duas criações mais esfuziantes para piano de Henrique Oswald”.

Recentemente em Paris entreguei ao compositor François Servenière o CD “O Romantismo de Henrique Oswald”. Recebi sua apreciação, que transmito ao leitor. Ela diz muito do resultado da escuta de parte considerável da obra do ilustre compositor pátrio homenageado no CD:

“Ouvi atentamente o CD dedicado a Henrique Oswald. Sobre o duo, apenas retomo minhas considerações airosas já expressas em meu livro Réflexions. O piano solo está incluso na mesma linha filosófica e intensamente sensual. Afigura-se-me Oswald como um compositor fora do campo histórico, mesmo valendo-se, evidentemente, da linguagem de seu tempo. Ouvindo através de seus dedos, invade-me a ideia que tive quando na Piazza Navona, a degustar um daqueles Gelatos que fazem a notoriedade do lugar, na contemplação simultânea do maravilhoso lugar sob o sol romano. A cada peça do CD há a mudança do perfume, da mistura das cores e, durante todo o transcurso da audição até a nota final, a sensação da escuta deliciosa”.

No dia 17 de Junho, segunda-feira, darei entrevista para a Rádio USP (93.7 FM) no programa das 12:00. Comentarei a escolha do repertório do CD “O Romantismo de Henrique Oswald”. Algumas obras constantes do CD poderão ser ouvidas.

This month SESC (Serviço Social do Comércio) label launches a CD entirely devoted to works by Henrique Oswald (1842-1931), the most important Brazilian romantic composer, with recitals in Santos, São Paulo and São José dos Campos. In the first segment of this album we have works for violin and piano recorded in Brussels in 1995, when the Belgian violinist Paul Klinck and I registered Oswald’s entire repertoire for violin and piano. In 2015, also in Belgium, I recorded his works for solo piano. These integrate the second segment. From 1978, when I started my research into Oswald’s work, to this date large steps have been taken towards the promotion of his work, now on rise in Brazil and abroad.