Navegando Posts publicados em setembro, 2019

Música popular brasileira relevante: criação e interpretação

A finalidade da música é despertar em nós paixões variadas.
René Descartes (1596-1650)

Prefiro aquilo que me emociona àquilo que me deslumbra.
François Couperin (1668-1733)

A música é a linguagem do coração.
Jean-Philippe Rameau (1683-1764)

O SESC estará a lançar em breve um CD memorável, “Espelho”. O conteúdo integral foi apresentado em três récitas em São Paulo. Regina e eu estivemos em uma delas. Noite de puro deslumbramento.

A enxurrada, que está a destruir todos os valores existentes, como moral, costumes, honestidade, artes, faz com que progressivamente não mais tenhamos esperanças. Que a Cultura Erudita está a se desmilinguir é fato. No caso específico da música popular, que hoje se apresenta sob tantas roupagens, a maior parte delas descartável, mas que, por interesses vários, como patrocínios visando a público enorme e lucro advindo, mídia a acobertar, por vezes sem o menor compromisso com a qualidade, faz com que vivamos numa Torre de Babel, na qual as “linguagens” são dicotômicas e desprezíveis. Os valores de mérito foram negligenciados sem rubor pelos cultores do Cifrão que estão a esmagar o passado, pois sua existência implica a lembrança, e esta tem que desaparecer na “mente” dos responsáveis por essa derrocada dos costumes, graças à massa basicamente inculta que acorre a megaeventos, agendados tantas vezes com muitos meses de antecedência.

O Concerto, assim o nomeio, pois não se tratou de um Show, palavra que pode ser entendida como pejorativa quando empregada para minimizar o termo Concerto, apresentou composições de Cristóvão Bastos e Maury Buchala, este, tema de um blog quando do lançamento do CD de música contemporânea “Portraits”, gravado em França por conjunto instrumental respeitado e igualmente lançado pelo selo SESC.

Durante toda a apresentação, se sob a égide essencial alumbrava-me a cada uma das 16 músicas interpretadas, mais a executada extraprograma, sob outro contexto meu sentimento era de nostalgia e inquietude. Voltava meu pensar, por vezes, ao que se propaga em escala ascendente nos provedores e nas redes sociais a respeito de determinados “famosos”, insistentemente incensados, sem o menor talento musical, despudoradamente se produzindo, alguns quase desnudos, amparados por parafernália de luzes a ocultar a mediocridade, sons estratosféricos a impedir avaliações, mas levando multidões desprovidas de senso crítico e rigorosamente incultas ao delírio. Esses “famosos”, quando se pronunciam em “entrevistas”, são logorreicos e, espremendo-se conteúdos, nada sobra. E a música? Existiriam resquícios, se ao menos houver algum?

Voltemos à apresentação de “Espelho”. Conheço Maury Buchala desde os bancos universitários, pois foi meu aluno de piano durante o curso de quatro anos e já revelava talento invulgar. Quando me solicitou conselho para estudar no Exterior, recomendei Paris, dando-lhe algumas indicações. Radicado há mais de três décadas na capital francesa, Maury é expressão como compositor de música de vanguarda e regente com atuações no leste europeu e no Brasil. Sempre duvidei do compositor de música contemporânea que desconhece a escrita convencional, partindo já de processos que se multiplicaram nestas últimas décadas. Maury escreveu canções lindamente harmonizadas e soube escolher textos. O resultado foi surpreendente, pois suas canções, tão bem escritas, atingem o âmago do ouvinte. A cada canção mais surpreso ficava. Em duas delas, seu conhecimento das entranhas de nosso país no quesito da música de raiz mostra-se sólido, pois Choreando e Baião são exemplos. Carrosséis, Moças de Louça, Imagens e Morto Mar dão a exata medida da versatilidade de Maury Buchala, que se reinventa a cada canção. Luciana é uma canção homônima a de António Carlos Jobim, compositor que Maury admira nessa área específica. A apresentação dessa música foi feita pela ótima Mônica Salmaso, apesar de no CD ter sido gravada por Leila Pinheiro.

https://www.youtube.com/watch?v=RlgP8n6t4Xg

Confesso meu pouco convívio com a música popular e meu conhecimento menor da criação de Cristóvão Bastos (1946- ), respeitado compositor nascido no Rio de Janeiro, premiadíssimo e com carreira das mais expressivas. Emocionaram-nos suas canções: Acalanto pros Avós, Poranduba, Todo o Sentimento, Flor Negra, Virou Ciranda e Rede Branca.

Neste espaço insiro uma das mais sensíveis canções de Cristóvão Bastos, Santo Forte, apresentada no Concerto numa esplêndida interpretação do notável Renato Braz. Entendo-a como uma das mais intensas músicas de nosso cancioneiro, a causar-me uma fortíssima impressão.

https://www.youtube.com/watch?v=DWgDrV4tRlI

Maury Buchala e Cristóvão Bastos souberam com rara sensibilidade escolher os letristas-poetas, o que acentua a qualidade do todo.

Os quatro cantores que se apresentaram no Concerto mereceram justíssimos aplausos. A quase octogenária Áurea Martins expressava em cada verso cantado toda uma vivência dedicada à música popular. Plena de aura, mereceu de seus três outros colegas uma bela atitude reverencial. Mariana Baltar encantou com sua voz nuançada, assim como a exibir gestual de extrema elegância, mercê também de ter sido bailarina. Mônica Salmaso cantou com expressão e acurada percepção em peças de Cristóvão Bastos e de Maury Buchala, estas de muita dificuldade, pois de harmonias rebuscadas. Renato Braz é verdadeiramente um artista na acepção. Suas interpretações excedem pelo esmero com que expõe as frases musicais, acabamento cuidadoso e dicção transparente.

Maury Buchala e Cristóvão Bastos, graças às qualidades como músicos, souberam escolher os excelentes intérpretes que integraram o conjunto. Todos se apresentaram com empenho, qualidade e entusiasmo. Mencionaria pela ordem alfabética: Andreia Carizzi (violino 2), Bruno Aguilar (baixo acústico), Dirceu Leite (flauta e clarinete), Hugo Pilger (violoncelo), João Lyra (violão), Jurim Moreira (bateria), Marcos Catto (viol), Ricardo Amado (violino).

Louve-se toda a equipe do SESC por esse magnífico CD, que em breve estará à disposição dos aficionados. Presentemente já se encontra nas plataformas Spotify, Deezer e Aple, assim como no Youtube.

My impressions after attending the release concert of the CD “Espelhos” (SESC Record Label) with songs of unquestioned quality composed by Maury Buchala and Cristóvão Bastos. As I listened, bewitched, to the entire album repertoire presented by stunning singers and musicians, I saw that excellence still exists. What is lacking is interest of media and financial backers in promoting some superlative talents that have not gained traction in the mainstream music world, opting instead for a handful of celebrated and often mediocre performers that capture more public and bring in more money. Congratulations to SESC on this initiative that helps promote major talents of the Brazilian music scene.

Figuras que povoam a mente desde a Antiguidade

Nós sabemos tudo o que acontece sobre a terra fecunda…
Homero, Odisseia: Canto XII, 191

A leitura do post “Un été avec Homère” rendeu tantos e-mails louvando Homero e sobretudo, no caso específico, o escritor aventureiro Sylvain Tesson pelo olhar diferenciado que lançou sobre a Illíada e a Odisseia, duas das obras maiores da literatura em todos os tempos. Leitores gostariam que, no blog anterior, tivesse eu me estendido, a comentar Sereias e Ciclopes presentes na Odisseia. Sylvain Tesson menciona-os, mas entendi necessário coloca-los neste post sob outra égide, a voltada às artes, mormente à música, em dois exemplos emblemáticos entre tantos outros.

Se as Sereias, presentes no Canto XII da Odisseia de Homero, têm conotação plena da sedução que leva à morte, a presença dessas divindades do mar que, através de maviosos cantos, hipnotizavam navegantes, levando-os às profundezas, foi igualmente motivo de inspiração para inúmeros compositores, poetas e pintores ao longo do tempo, que não ficaram alheios ao alumbramento que se perpetuou.

Ulisses, esse personagem mitológico maior, avisado por Circe, a feiticeira, previne-se contra o chamamento das Sereias durante seu périplo pelo Mar Egeu. No canto XII da Odisséia tem-se: “Ulisses, todas essas coisas se passaram dessa maneira. Agora, escuta-me, e mais tarde um deus te lembrará minhas palavras. – Primeiramente tu encontrarás as Sereias, sedutoras de todos os homens que delas se aproximam: aquele que, levado pela imprudência, escutar a voz das Sereias, não verá mais sua esposa, tampouco seus filhos queridos, que estariam felizes pelo regresso; as Sereias deitadas na pradaria cativarão o guerreiro com suas vozes harmoniosas. Em torno delas estão ossos e carnes ressecadas das vítimas que elas fizeram sucumbir. Foge dessas margens e tampa os ouvidos de teus companheiros com cera mole, de maneira que nenhum deles ouça. Tu mesmo, se desejares, poderás ouvir as Sereias, mas deixa-te primeiramente ter pés e mãos amarrados ao mastro de teu navio veloz; deixa-te ficar bem atado, a fim de que possas te deliciar ao ouvir a voz das Sereias encantadoras. Se implorares aos teus guerreiros, se tu ordenares que eles te desatem, que eles te amarrem ainda mais ao mastro” (versão de JEM da tradução francesa de Philippe Jaccottet). Seguindo esse estratagema, Ulisses passa com seu barco ao largo da Ilha das Sereias.

Sereia e Ondine foram fontes de inspiração para um número expressivo de compositores. Da primeira, André Michel enumera cerca de cinquenta composições, da segunda há também quantidade significativa. Se as Sereias perpassam a história anteriormente à Odisseia, datada de mais de 25 séculos, Ondine é a versão nórdica e Yara, a indígena brasileira. Ninfas transfiguradas, mas igualmente sedutoras e fatais. Figuras aquáticas enfeitiçando marujos hipnotizados que se atiram nas águas para não mais voltar e inspirando legião de sonhadores de todas as áreas.

Apenas para mencionar alguns exemplos na composição musical, Maurice Ravel escreve Ondine, primeira peça do tríptico para piano Gaspard de la Nuit, (1908), Claude Debussy compõe Ondine, oitavo Prélude do segundo livro (1910-1912) para piano, e Sirènes, para orquestra e coro feminino (oito sopranos e oito mezzo sopranos), sendo o terceiro dos três Nocturnes (1897-1899). Debussy redige o texto quando da primeira audição: “É o mar e seu numeroso ritmo e, pelas ondas prateadas pela lua, ri e passa o canto misterioso das Sereias”. André Michel (La Sirène dans “l’Élement Musical”, 1970) considera: “Significativo observar que, para Debussy, importava o canto das Sereias e não o aspecto. Nada faz pensar que as Sereias fossem para ele aquilo que representavam para os Antigos, metade mulheres, metade pássaros ou, pela tradição mais recente, mulheres peixes”. Em carta ao seu editor, Debussy escreveria ao ver a feiura de banhistas nas praias: “Verdadeiramente todos esses braços, essas pernas que se agitam em ritmos ridículos fariam chorar os peixes. No mar deveriam existir apenas Sereias”. Debussy, amante inconteste do mar, suas ondulações e reflexos, ao escrever Sirènes encontra numa observação do compositor e um de seus biógrafos, Charles Koechlin, preciso conceito, “volúpia mortal”. Essa presença das vozes femininas em cantos sem palavras, plenos de cromatismo, o que realça ainda mais essa “volúpia mortal”, imprime a essa magistral criação de Debussy todo um poder mágico, a dar ao ouvinte – sem necessidade da cera que oblitera os ouvidos – a possibilidade de ouvir as melodias envolventes das Sereias amparadas por um orquestração a dimensionar sensualidades.

Clique para ouvir Sirènes, o terceiro Nocturne de Claude Debussy:

Orquestra de Cleveland, regente Pierre Boulez

https://www.youtube.com/watch?v=gh_u-S7vAOI

 


Sobre os Ciclopes presentes na Odisseia, eram eles seres fortíssimos, enormes e com apenas um olho no meio da testa. Conta a mitologia que originalmente eram três Ciclopes. Ferreiros, forjaram em gratidão a Zeus o célebre raio, assim como o tridente de Poseidon e o elmo do Terror, de Hades. Polifemo, o Ciclope que ganharia maior notoriedade, foi cego por Ulisses. Assim como as Sereias, os Ciclopes também serviram e servem de temas constantes nas artes e na literatura.

Em França, em pleno esplendor do século XVIII, compositores, escultores e pintores renderam homenagens aos personagens e às histórias da mitologia grega. Jean-Philippe Rameau (1683-1764) compôs óperas baseadas em histórias da mitologia. Em suas peças para cravo – Suite em Ré – escreveu duas peças sob essa égide: L’Entretien des Muses e Les Cyclopes. Ao gravar a integral de Rameau para cravo interpretada ao piano (selo belga De Rode Pomp), na peça Les Cyclopes realço o atributo desses ferreiros nessa feérica atividade junto às forjas, salientando as notas mais graves, as célebres fundamentais, tão decantadas pelo compositor em seus escritos teóricos:

Clique para ouvir Les Cyclopes de Jean-Philippe Rameau:

Piano: José Eduardo Martins

https://www.youtube.com/watch?v=c7lyY0pBRkU

Incontestável a atração que as obras-primas Ilíada e Odisseia provocaram na Humanidade. Se as artes e a literatura tanto se voltaram ao conteúdo desses livros, os nomes de deuses, demiurgos, heróis, vilões que percorrem os poemas foram dados, através dos séculos, a muitos milhões de cidadãos, homens e mulheres. Alguma outra obra literária, essencialmente nesse mister, teria sido tão relevante? Poder-se-ia considerar que o alcance da mitologia, talvez por não ter cunho monoteísta, tenha alcançado concordância em religiões e crenças as mais diversas. Talvez…

In response to suggestions from readers and in connection with the post about Tesson’s book “Un été avec Homère”, this post addresses the myth of cyclopes and mermaids, their presence in arts and culture, with focus on the fascination they have always had for classical music composers over time.

 

 

Competência em vários gêneros musicais

A entidade musical apresenta
essa estranha singularidade de revestir dois aspectos,
de existir sob duas formas separadas uma da outra
pelo silêncio do nada.
Essa natureza particular da música
comanda sua vida própria e seus reflexos na ordem social,
pois ela supõe duas espécies de músicos: o criador e o intérprete.
Igor Stravinsky

Bem anteriormente saudava neste espaço CD com obras de um dos mais destacados compositores brasileiros, Ricardo Tacuchian (1939- ) (vide blog “água-forte”, 21/10/2017). Dele recebi três outros CDs, nos quais obras para piano solo, viola e piano e quarteto de cordas demonstram aspectos essenciais de seu caminhar composicional.

Um primeiro CD foi gravado em 2013 – “Quarteto Radamés Gnatalli interpreta Ricardo Tacuchian” – e apresenta quatro quartetos de cordas a atravessar período extenso, de 1963 a 2010. Trata-se de conjunto expressivo, que indica parte considerável das opções escriturais de Tacuchian. O quarteto de cordas nº1, Juvenil, foi escrito em 1963, aos 23 anos. A escritura já demonstra o domínio da técnica da composição e a presença de forte índole nacionalista através da utilização de rítmica a gosto das danças populares, mas que não oblitera a preocupação com a forma. Ao escrever em 1979 o Quarteto nº 2, com o título Brasília, há uma guinada escritural e Tacuchian explora com rara eficácia a problemática da dinâmica, trabalhando os limites sonoros explorando os harmônicos. Trata-se de uma técnica empregada por determinados autores no período, como o mexicano Mario Lavista (1943- ) no seu quarteto de cordas Reflejos de la noche (1984). Louve-se a magnífica interpretação dos músicos do Quarteto Radamés Gnattali, pois a execução, a manter equilíbrio sonoro, unicidade e “identidade” entre os instrumentos, mereceu cuidado especial. Ricardo Tacuchian criou o Sistema-T, que, segundo ele: “é uma técnica de controle de alturas no processo de estruturação musical”, sendo que aplica o Sistema no Quarteto de cordas nº 3, Bellagio, criado em 2000. Tem-se uma escrita distinta daquela dos dois Quartetos precedentes. Ao compor o Quarteto nº 4, Trópico de Capricórnio, 2010, Tacuchian empreende nova viagem escritural. A obra teve como inspiração basilar o círculo imaginário do Trópico de Capricórnio e a incidência solar no solstício, quando o sol se projeta verticalmente ao meio dia. O conjunto de Quartetos é extraordinário e a riqueza escritural, a indicar a longa senda trilhada pelo compositor, dá a medida de seu valor como músico criador.

O CD “O piano de Sérgio Roberto de Oliveira e Ricardo Tacuchian” tem interesse maior por apresentar obras de dois compositores amigos, mas com linguagens diferenciadas. Sérgio Roberto de Oliveira (1970-2017), falecido precocemente, deixou criações importantes para instrumentos solistas, conjuntos de câmara, música coral, música sinfônica e ópera. Louvável o seu empenho como fundador do coletivo de compositores, “Prelúdio 21”, que durante 10 anos apresentou mensalmente estreias contemporâneas de seus integrantes. A pianista Miriam Grosman interpreta Brasileiro, três Prelúdos Tijucanos e, ao piano, Ingrid Barancoski executa Atonas. Todas as peças muito bem elaboradas, sendo que Atonas revela-se como criação bem singular. Quanto às obras de Ricardo Tacuchian, tem-se Ernesto Nazareth no Cinema Odeon, com Miriam Grosman ao piano, e a coletânea A Bailarina, interpretada por Ingrid Barancoski. Ao penetrar no multum in minimo, Tacuchian empreende viagem ao universo lúdico com especial cuidado e extrema sensibilidade. Fizera-o ao compor Este verão eles chegaram (2012), já comentado no blog citado acima, “10 pequenas joias”, como salientei. As também 10 pecinhas que compõem A Bailarina são encantadoras. À primeira, A bailarina e o jardineiro, seguem-se e o… motorista, mendigo, médico, mágico, poeta, pescador, alpinista, pintor e, a finalizar, Felipe e a bailarina. Como no CD “água-forte”, relevantes as interpretações de Miriam Grosman e Ingrid Barancoski.

Em um contexto bem diverso, tem-se o recentíssimo CD “Tacuchian e a Viola”. Uma outra concepção exploratória da textura musical está presente. Contrariamente à formação violino e piano, a criação para viola e piano é bem inferior quantitativamente no repertório mundial. Tacuchian encontra no duo, formado por Fernando Thebaldi (viola) e Yuka Shimizu (piano), a oportunidade de propor CD dedicado a essa formação. Reuniu composições anteriores ao duo, inseriu criação endereçada ao violista e outras cinco pequenas peças, igualmente ofertadas ao duo Burajiru (Brasil em japonês). CD bem diversificado no conteúdo. A Toccata (1985) para viola e piano apresenta elementos contrastantes e a utilização de dinâmica e rítmica que lhe dão vivacidade e marcante pulsação. Xilogravura (2004) comporta no título características que Tacuchian transforma em poética controlada, dir-se-ia, numa textura gráfico-sonora simbólica. O Trio das Águas (2012) para viola, clarineta e piano é marcante. Do Mar, Dos Rios e Da Chuva não escondem a preocupação com o descritivo, ondulações do mar, certa nostalgia dos rios e impetuosidade da chuva por vezes interrompida, respectivamente. Não sem razão, Tacuchian compõe a obra para uma tríade ao acrescentar a clarineta, muito bem realizada musicalmente por Cristiano Alves. Expandindo o conceito do Trio das Águas, quantos não foram os compositores que buscaram, através da história, interpretar essas características da aqua em constante mutação na natureza? Tomilho, para viola solo, emprega processos técnicos pouco explorados que, sob outra égide, enfatizam as qualidades do violista Fernando Thebaldi. Finaliza o CD a encantadora pequena coletânea  composta pelas Cinco Miniaturas (2018) para viola e piano.

Tacuchian está sempre propenso a não se repetir, mas a seguir serenamente o caudaloso curso da existência, atento observador das imagens e das tendências. A metamorfose escritural constante não se olvida, contudo, da memória retida. Ouvindo-se as composições de Tacuchian, há nas tantas inovações a presença de um elo sutil a ligar passado e presente, jamais ruptura completa, mesmo em criações diferenciadas espaçadas pelos decênios. Impressões digitais deixadas no percurso que não se apagam, apesar da densa neblina do tempo.

This post addresses three CDs with works by Ricardo Tacuchian (1939 – ), one of themost prominent contemporary Brazilian composers: “Quarteto Radamés Gnattali Interpreta Ricardo Tacuchian”: string quartets played by Carla Rincón and Andréia Carizzi (violins), Fernando Thebaldi (viola) and Hugo Pilger (cello). “O Piano de Sergio Roberto de Oliveira e Ricardo Tacuchian”: piano pieces played by Miriam Grosman and Ingrid Barancoski. “Tacuchian e a Viola”: works for viola and piano played by Duo Burajiru ( FernandoThebaldi, viola – Yuka Shimizu, piano). The works illustrate essential characteristics of Tacuchian’s musical writing. Never repeating himself, his style shows new features in each album, but this does not imply a rupture with the past. The subtle link between yesterday (the retained memory) and today (new experiments and trends) is there: fingerprints that do not fade despite the dense mists of time.