Gerações se hipnotizaram com sua magia

The piano is the easiest instrument to play in the beginning and the hardest to master in the end.

Vladimir Horowitz (“Evening with Horowitz – a personal portrait”. Entrevistas a David Dubal)

A recepção aos posts sobre Arthur Rubinstein e Wilhelm Kempff foi extraordinária. Leitores de gerações mais novas, que desconheceram os pianistas excelsos do passado, confessam quase unanimemente acessar intérpretes relativamente jovens, com performances tecnicamente impecáveis e gestuais que exemplificam a atual civilização do espetáculo, em vídeos tecnologicamente irrepreensíveis. Mais e mais focalizam a expressão facial e as artimanhas corporais. Essa atitude, se de um lado promove acentuadamente essa nova geração, pouco a pouco lança uma neblina sobre os virtuoses do passado. Vários leitores solicitam-me três intérpretes com mais de um “voto”. Pela ordem numérica de sugestões, Vladimir Horowitz, Emil Guilels e Alfred Cortot. Excepcionalmente, um jovem escreveu, interessado nos ilustres pianistas do passado. Acredito ser de suma importância o conhecimento desses mestres que percorreram décadas do século XX, artistas completos.

Vladimir Horowitz foi e continua a ser referência absoluta para a minha geração. Jovem, ainda em São Paulo, todos os LPs que surgiam eram adquiridos por nosso pai. Estou a me lembrar de sua interpretação personalíssima dos Quadros de uma Exposição, de Moussorgsky, onde não faltaram as suas intervenções na partitura em vários quadros. Diria que essa extraordinária criação para piano solo do compositor russo, transcrita para grande orquestra por Maurice Ravel, adquirira nessa releitura de Horowitz elementos possivelmente extraídos da versão orquestral. Logicamente não serviria como modelo a ser seguido, pois todas as interpretações que surgiram ao longo das décadas têm obedecido ao manuscrito original. Contudo, não se pode negar a performance gigantesca de Horowitz nessa releitura.

Em França, durante os anos que lá passei a estudar, Horowitz era um demiurgo para meus colegas pianistas. Estou a me lembrar de visitar frequentemente uma senhora russa em Paris, Mme Legros, com o colega e saudoso amigo Pierre Leroux, 1º prêmio em Nápoles. Dizia-nos ela que privara da amizade do jovem Horowitz na Rússia e que, quando este estava para entrar no palco, era praticamente empurrado por amigos para iniciar recital, mercê da ansiedade. Assim que começava a tocar, o maravilhamento se dava. Nossa geração extasiava-se com a fabulosa técnica a serviço de uma musicalidade extrema. Sua gama da dinâmica abrangia da mais ínfima sonoridade aos fortes mais intensos e tudo era ouvido sem quaisquer ataques abruptos.

O crítico Harold Schonberg, ao abordar dois dos grandes pianistas românticos do passado recente, Arthur Rubinstein (vide blog de 01/02/2020) e Vladimir Horowitz escreve: “Um foi Arthur Rubinstein (1886-1982), cuja carreira cresceu a tal ponto que muitos o consideravam como o maior pianista vivo… O caso de Horowitz é mais complexo. Nunca teve o aprumo e la joie de vivre de Rubinstein, nem sua saúde emocional. O que teve foi uma técnica, a mais brilhante de seu tempo e talvez a melhor em sua consistência na história do piano. Junto a essa técnica, uma sonoridade grandiosa, sem aspereza, sonoridade não ouvida desde os dias de Anton Rubinstein (1830-1994).” (The great pianists, Simon & Schuster, 1987).

O leitor terá acesso à biografia de Vladimir Horowitz através da internet. O propósito deste blog é salientar determinadas qualidades imensas do pianista considerado como aquele da técnica mais abrangente de sua época, aliada a uma musicalidade eminentemente pessoal e envolvente. Pessoal, pois distingue-se de Arthur Rubinstein, que, no trato do rubato, já citado no blog acima mencionado, foi único.

No livro “Evenings with Horowitz a personal portrait” (depoimentos recolhidos por David Dubal, New York, Carol 1994), Horowitz se revela quase por inteiro. De grande interesse suas opiniões sobre seu entendimento da interpretação e das obras de seu repertório executadas de maneira singular. Também discorre sobre colegas contemporâneos, caracterizando-os preferencialmente em suas qualidades individuais, mas precisas na análise. Tendo gravado muitas Sonatas de Domênico Scarlatti (1685-1757), tece comentários sobre a interpretação do músico napolitano atualmente: “O cravo não pode alcançar a continuidade sonora do piano. Neste eu ainda tento tocar a música como se fazia no período de Scarlatti. Contudo, nunca desejo imitar o cravo, mas simplesmente mostrar ao público como a música soa ao piano”.

Clique para ouvir a Sonata L23 de Domenico Scarlatti:

https://www.youtube.com/watch?v=RDOLyPqd-cc

 

Seus comentários sobre a música romântica, personalíssimos igualmente, provocam reflexões. A monumentalidade de suas interpretações não impede que se pronuncie: “Toda peça é difícil. Mais você a conhece, mais complexa ela se apresenta, pois toda peça é realmente difícil”. Intérprete fantástico dos compositores russos, Moussorgsky, Tchaikowsky, Scriabine, Rachmaninov e Prokofiev.Clique para ouvir de Alexandre Scriabine o Poema Vers la Flamme. Nessa extraordinária peça escrita em 1912, executada ao vivo em sua residência, igualmente Horowitz dificulta ainda mais a já complexa escrita do compositor russo.

https://www.youtube.com/watch?v=MueioLajS2E

Das transcrições para piano de vários compositores, sempre a torná-las ainda mais complexas técnico-pianisticamente, Horowitz comenta sobre suas possibilidades e defeitos, mormente na juventude da idade madura: “tinha consciência de meus terríveis defeitos – minha negligência com detalhes, meu modo de encarar alguns concertos como um passatempo agradável, tudo devido àquela facilidade diabólica de apreender e transmitir as peças e então tocá-las despreocupadamente em público”. É desse período a “pirotecnia” das transcrições, entre as quais a da célebre The Stars and Stripes Forever de John Philip Sousa.

Ouçamo-la:

https://www.youtube.com/watch?v=2uNh3Um7LaM

A finalizar o post convidaria o leitor a ouvir a magistral performance de Horowitz do Concerto nº 3 de Rachmaninof para piano e orquestra, em 1978, sob a regência de Zubin Mehta:

https://www.youtube.com/results?search_query=horowitz+rachmaninoff+concerto+3

No próximo blog abordarei o grande pianista e músico na acepção, Alfred Cortot (1877 – 1962). Na opinião de Vladimir Horowitz, ninguém interpretava Schumann melhor do que ele.

This post is about the Russian-born American classical pianist Vladimir Horowitz (1903-1989), widely regarded as one of the greatest pianists of all time. When I was a teenager my father would buy every record Horowitz put out. Though sometimes criticized for distorting the composers’ intentions to show off his art, his outstanding technical ability combined with unlimited musicality made him an idol of my generation and he sustained his popularity until death. Thanks to the countless recordings he has left us, today we can still marvel at his masterful performances.