A corrida de rua e a inesgotável alegria do decano do circuito

E um dos privilégios concedido
aqueles que evitaram morrer jovens
é o direito abençoado de ficar velhos.
A honra do declínio físico está esperando,
e você precisa se acostumar com essa realidade.
Haruki Murakami
(“Do que eu falo quando eu falo de corrida”)

Conheci Antônio Lopes em uma corrida de rua promovida pelo SESC em 2010. De lá para os dias atuais encontramo-nos dezenas de vezes nas inúmeras provas na cidade e na grande São Paulo. Considero-o um fenômeno, pois é o decano das corridas de rua. Aos 92 anos, tem a disposição de um jovem, pois participa das provas, sem andar, frise-se, sendo que ao final de todas elas exibe o sorriso sereno a refletir a alegria de mais uma etapa vencida.

Para o leitor não afeito às corridas de rua, que agregam a cada ano número crescente de participantes com desiderato de viverem o prazer de correr e chegar à reta final, Antônio Lopes, na fronteira dos 92 anos, é atleta muito especial, raríssimo. Tenho 10 anos a menos e meu respeito por ele é ilimitado.

Encontramo-nos em muitas provas. A admiração maior vem do fato de que 10 anos de diferença pesam em nossa faixa etária, pois um ano a mais nessa categoria pressupõe paulatino tempo maior durante percursos. É o tempo “infalível e insubornável” de que nos fala o grande poeta Guerra Junqueiro. Aos 70 anos, quando iniciei a prática, fazia 10 quilômetros em uma hora e cinco minutos. Atualmente, em uma hora e vinte. São 15 minutos a mais. Antônio Lopes é apenas um pouco mais lento, mas tendo ultrapassado os 90 anos!!! Uma máquina antiga muito bem azeitada! A modéstia e a simpatia são marcas absolutas de meu querido amigo.

Nasceu na pequena cidade de Felício dos Santos, no Vale do Jequitinhonha, em Minas Gerais, e ainda miúdo percorria as estradas vicinais de terra batida sempre a correr. Nascia uma paixão que se poderia considerar como vocação para as corridas. Aos oito anos trabalhou na lavoura em Minas Gerais e, jovem, mudou-se para o interior do Estado de São Paulo. Em 1956 foi morar em São Bernardo do Campo, onde trabalhou inicialmente na terraplanagem da fábrica da Volkswagen. Finda a tarefa, tornou-se metalúrgico na cidade, aposentando-se em 1983. Nessa nova fase, prosseguiu durante duas décadas a atividade de pintor de paredes. Se, durante seu trabalho árduo para sustento da família, como lavrador e posteriormente como metalúrgico, abdicou da prática esportiva, após se aposentar voltaria a correr para fugir do sedentarismo, como afirma. Primeiramente começou a andar e, a seguir, a correr, aumentando paulatinamente as distâncias e não mais interrompendo a segunda opção. Um vocacionado pode até ter tréguas prolongadas, mas habitualmente em certa etapa da vida retoma ao primeiro caminho norteador. Em entrevista ao Guia da Cidade – São Bernardo do Campo (Maio de 2011), Antônio Lopes, aos 83 anos de idade, disse lembrar-se do estímulo inicial: “… um senhor que caminhava no mesmo lugar que eu me informou de uma corrida que iria acontecer no Riacho Grande. Resolvi participar e não parei mais”.

Impressiona o número de corridas realizadas por Antônio. Cerca de 900 ou mais, pois conserva 867 medalhas, tendo oferecido a amigos muitas delas. Ao todo 25 São Silvestres, 7 Maratonas de São Paulo e 3 em Curitiba. Meus encontros com Antônio se dão nas corridas de 10k, sempre no final, pois é nesse momento que há uma confraternização. Encontro também com Hélio Toller, amigo comum, que o conduz às corridas juntamente com outros três corredores de São Bernardo e que, nos seus 75 e mais anos, é realmente bem veloz para a faixa etária.

Caracteriza a vida de Antônio um cuidado grande com a saúde, sem excessos de qualquer natureza. Para atingir os 92 anos em plena atividade há determinantes. Comedido à mesa, tem como base na alimentação: arroz, feijão, carne branca (peixe), legumes, verduras e frutas. Pela manhã: suco de laranja, mamão, banana com aveia, torrada e granola. Antônio não é hipertenso, não tem problemas físicos e cardíacos, não toma medicamento de uso contínuo. Disse-me acreditar que sua saúde é resultado do hábito de correr.

Em prova do Shopping União em Guarulhos, em 2018, subíamos uma ladeira lado a lado, o amigo Luiz Eduardo (70) e eu, quando, ao ultrapassar Antônio Lopes, nos demos conta de que exatos três decênios nos separavam, 70, 80, 90 anos. Motivo para comum alegria.

Divirto-me quando, após as corridas, recebo troféu de mais idoso. Batoré, amigo e corredor bem mais jovem e que quase sempre me acompanha até as largadas, comenta com sorriso largo. “Hoje o professor vai ganhar troféu, o nosso bom amigo Antônio não compareceu”. Em prova do Circuito da Longevidade Bradesco – participam alguns milhares de atletas amadores – estivemos no pódio a obedecer a faixa etária.

Posso afirmar que Antônio Lopes é um exemplo para mim. Vendo-o correr, o estímulo se acentua e sinto que, enquanto puder, estarei presente nas provas de rua. Sugeriria às organizações de corridas de rua que, ao saber da presença de Antônio Lopes entre os participantes, sempre o saudassem. Prestariam uma homenagem realmente a um fenômeno do pedestrianismo, como evidenciariam aos milhares de corredores de prova de rua que ali está presente uma figura singular da modalidade. Justo tributo a um atleta na acepção da palavra.

This post is a tribute to my fellow runner and friend Antônio Lopes, the dean of street runners, whom I have dubbed “phenomenon”. Having participated in about 900 races to date, he goes on with a surprisingly youthful disposition. Now 92, he is always the senior-most runner in the 80+ age group. Antônio is a well-oiled machine,an example of discipline and determination for younger runners, an athlete in the true sense of the word.