Imenso pianista húngaro de nacionalidade norte-americana

Dar a cada emoção uma personalidade,
A cada estado de alma uma alma.
Fernando Pessoa
(“Livro do Desassossego”)

Andor Földes foi um dos mais importantes pianistas do século XX. Apesar de não ter tido a ventilação de alguns de seus ilustres coetâneos, Andor Földes é um intérprete basilar que, em seu repertório, não perpetuaria apenas os compositores consagrados.

Aos 6 de Agosto de 1957 ouvi-o no Teatro Cultura Artística em São Paulo. A apreciação do jovem foi absoluta. Apresentando-se sem buscar causar impacto junto ao público, a sedução foi integral, inclusive no que concerne à segunda parte do programa, dedicada a Béla Bartók (1881-1945).

Aos oito anos já se apresentava solando Concerto de Mozart acompanhado pela Orquestra Filarmônica de Budapeste. Andor Foldes estudou na Academia de Música Franz Liszt e, entre seus mestres, teve o compositor Ernõ Dohnanyi (1877-1960). Ainda jovem conheceria o compositor Béla Bartók. O impacto fê-lo, apesar de seu enorme desenvolvimento pianístico, retirar-se dos palcos para estudos aprofundados não apenas de piano, mas de filosofia, línguas, regência e composição.

Clique para ouvir, na interpretação de Andor Földes, a Suíte op. 14 de Béla Bartók:

https://www.youtube.com/watch?v=B1LwJRp4Bk4

Radicou-se em Nova York e sua estreia se deu em 1940, executando o 4º Concerto para piano e orquestra de Beethoven, tendo a acompanhá-lo a N.B.C. Symphony Orchestra. Com o notável violinista Joseph Szigeti, também húngaro, durante três anos se apresentou 120 vezes. Conheceria em Nova York sua futura esposa, Lili Rendy, húngara e jornalista, e os dois obtiveram a cidadania americana. Em 1961 o casal se instalaria na Suíça.

A salientar a intrínseca relação de Andor Földes com Béla Bartók, que se radicara em Nova York.  A partir desse reencontro, acentua-se a divulgação da obra do criador pelo pianista, sendo que em 1947 estreia no Carnegie Hall o Concerto nº 2 para piano e orquestra de Bártok, Concerto este que seria interpretado dezenas de vezes pelo planeta, assim como os dois outros.

São inúmeros os atributos repertoriais de Andor Földes. Independentemente de ter em seu repertório obras consagradas de Mozart a Rachmaninov, Beethoven fez parte de suas escolhas durante toda a existência.

Andor Földes teria o mérito de desvendar caminhos. Poucos de sua geração o fizeram e menos ainda em nossos dias. Certamente foi um dos intérpretes que corroboraram a divulgação maior de Béla Bártok, num período em que o compositor ainda não penetrara integralmente o repertório de pianistas seus contemporâneos. Andor Földes o divulga e suas interpretações serviriam como modelo de autenticidade, rigor e precisão. Esse fator é de suma importância, pois enfatiza a sedimentação estilística captada por coevos e pósteros. Béla Bártok foi bom pianista e gravações atestam essa realidade. Contudo, a leitura de Földes, após convívio com Bártok, imprime à interpretação daquele a filtração dos conceitos na fonte e um rigor pleno. Quantos não foram os compositores pianistas que deixaram gravações? Para apenas nomear alguns, Saint-Saëns, Debussy, Scriabine, Grieg, Ravel, Poulenc, Prokofiev, sem contar a excepcionalidade pianística de Rachmaninov. Contudo, nem sempre são eles a “obedecer” à letra o que escreveram, cabendo essa difícil atribuição ao intérprete consciente. É relevante esse fato? É-o, na medida em que a tradição se efetua através dessas leituras seguindo à risca o que está escrito, sem, contudo, eliminar a individualidade do intérprete, esta, imprescindível. O comedimento de Földes em relação aos tempi foi motivo para observações críticas. Todavia, toda interpretação de Andor Földes é amplamente pesquisada, estudada e o rigor não exclui a presença emotiva. Sua interpretação da Valsa Mefisto de Liszt comprova a grande virtuosidade do pianista, atendo-se sempre à fidelidade da partitura. O que inexiste, decididamente, é a interpretação exteriorizada, apenas para agradar a um público tantas vezes constituído por apreciadores do gestual cenográfico exagerado, mormente na atualidade.

Clique para ouvir, na interpretação de Andor Földes, a Valsa Mefisto, de Franz Liszt:

https://www.youtube.com/watch?v=AdaPUDt4Zn0

De regresso à Europa em 1948, divulgaria igualmente composições de Zóltan Kodály (1882-1967). Földer foi intérprete de obras essenciais de outros compositores de seu tempo: Stravinsky, Samuel Barber, Virgil Thomson, Aaron Copland… Convidado, torna-se professor da Hochschule do Conservatório de Sarrebrück, Alemanha.

A discografia de Andor Földes é bem extensa. Admirador das gravações, ao contrário de tantos outros intérpretes, tinha opinião precisa a respeito: “’Gravar um disco é uma das tarefas mais difíceis para o artista da performance ao vivo. O que é gravado está lá para a eternidade. Sabe-se exatamente que a obra não será ‘retocada’. Tem de ser uma versão que resista ao teste do tempo e que capte a essência desse momento intuitivo, a transmitir a definição que lhe é imposta pela própria natureza da situação”.

Andor Földes escreveu artigos e memórias. Contudo, seu livro “Keys To The Keyboards” (“Claves del teclado – um libro para pianistas”, Buenos Aires, Ricordi, 1958) é referencial. Li-o décadas atrás e as observações de Földes continuam atualíssimas para todo estudante de piano. Basicamente, Földes entende a técnica a serviço único da interpretação. É a favor da longa gestação no que concerne ao amadurecimento de uma composição. Entende como “ciência” o estudo pianístico consciente. O grande regente Sir Malcolm Sargent (1895-1967) prefacia o livro com o título “Carta Preliminar” e escreve: “Claves del Teclado de Andor Foldes é um livro de sabedoria, explícito e claro como guia. O que diz é certo. Ele entrega uma ‘chave mestra’. Chama-se ‘Prática’. Ela abre os portões em direção a um caminho muito amplo e extenso, semeado de artimanhas, perigos e obstáculos… muitos iniciam a subida, mas ficam pelo caminho; assim permanecendo pelo resto de suas vidas. Não obstante, se você for um dos ‘eleitos’, se foi tocado na ponta de seus dedos pelo anjo da guarda dos pianistas, e Santa Cecília sussurrar-lhe no ouvido, essa senda será uma contínua ascensão, com vislumbres de beleza durante toda a subida, com momentos de celestial felicidade ao voltar o olhar, depois de ter passado uma difícil descida – pressupondo-se outro cume à vista”.

“Claves del Teclado” apresenta oito capítulos: O começo correto, Ler e escutar, Técnica, A Arte de Praticar, Memorização, Preparamo-nos para tocar em público, Considerações acerca da interpretação, Perguntas e respostas sobre a execução pianística. Ao final apresenta uma lista de obras para piano de autores contemporâneos, com algumas sugestões que recomenda aos jovens pianistas. Nela inclui criações de Camargo Guarnieri (1907-1993), inclusive os célebres Ponteios.

Lamentavelmente, três livros sobre pianistas destacados do século XX excluem, entre os biografados, o ilustre Andor Földes, inserindo nomes distantes do valor do pianista húngaro-norteamericano. Sabe-se lá as razões. Harold Schonberg (The Great Pianists, 1987), Elyse Mach (Great Contemporary Pianists Speak For Themselves, vol. I, 1980, vol. II, 1988) e Alain Lompech (Les Grands Pianistes du  XXe Siècle, 2012).

Clique para ouvir, na interpretação de Andor Földes, Seis Danças Búlgaras de Béla Bartók:

https://www.youtube.com/watch?v=_Z5i6Fhi6Rw

Andor Földes was one of the greatest piano masters of the 20th century. Among his many merits is the promotion of the works of his friend Béla Bártok, which led to a greater presence of the notable Hungarian composer in repertoires worldwide.