Notável pianista pouquíssimo ventilado

O seu gosto é impecável,
a sua técnica soberana,
o seu domínio do repertório é impressionante.
No entanto, a sua interpretação
- que combina os melhores elementos
de espontaneidade e controle –
pode ser a menos autoindulgente em todo o mundo pianístico”.
Daniel Cariaga (Los Angeles Times)

Na série de relevantes pianistas apresentada neste espaço, a figura de Jorge Bolet não estaria entre as mais conhecidas. São diversas as razões que posicionam determinado artista em sua trajetória. Personalidade efusiva e amante dos holofotes ou reservada, atitude frente à mídia, estilo interpretativo em sala de concerto e gestual discreto ou não. O certo é que apenas a qualidade de um executante deveria prevalecer.

Jorge Bolet foi um dos grandes pianistas com carreira internacional consagrada, figurando entre os mais representativos intérpretes latino-americanos do passado, entre os quais se destacam Teresa Carreño (Venezuela), Claudio Arrau (Chile), as brasileiras Guiomar Novaes e Magda Tagliaferro…

Nascido em Havana, realizou seus estudos nos Estados Unidos, país em que se naturalizou. Entre seus mestres, Leopold Godowsky, Josef Hofmann, Moriz Rosenthal e Fritz Reiner. Foi um dos divulgadores das obras de Godowsky, entre elas o Concerto para piano e orquestra, a complexa transcrição dos Estudos Chopin-Godowsky a privilegiar a mão esquerda e outras mais transcrições.

Clique para ouvir, de Strauss-Godowsky, Fledermaus, na interpretação de Jorge Bolet:

https://www.youtube.com/watch?v=pAsPezmiXC4

Naturalizado americano, integraria o Exército dos Estados Unidos a partir de 1942, juntando-se às tropas de ocupação do Japão.

Possuidor de atributos técnico-pianísticos superlativos, Jorge Bolet se consagrou preferencialmente no repertório romântico. Sua carreira teve oscilações, mormente nas décadas de 1940-1950. Foi o pianista da trilha sonora do filme Song Without End (1960), em torno da vida de Franz Liszt, com Dirk Bogarde a representar o compositor. Devido à sua exuberância técnica, recebeu críticas, pois excessivamente voltado a essa tendência romântica.

Foi a partir de memorável recital no Carnegie Hall em 1974, quando  apresentou, de Wagner-Liszt, a desafiadora abertura de Tannhäuser, que os olhares da crítica, mídia e público realmente o consagraram.

Clique para ouvir, de Verdi-Liszt, Paráfrase do Rigoletto, na magistral interpretação de Jorge Bolet:

https://www.youtube.com/watch?v=N8CYH-2zhqw

O crítico Harold Schonberg (“The Great Pianists”, 1987) observa com acuidade a interpretação de Bolet: “Sua execução é refinada e aristocrática. Com sua capacidade poderia superar a pujança de Vladimir Horowitz se quisesse, mas estaria fora de seu estilo. Se há algo a dizer sobre ele é que Bolet tem a tendência à contenção. Talvez seja um fator psicológico involuntário; pois estaria tão decidido a que não o conheçam apenas como um pianista arrebatado que, por vezes, contém-se quando deveria lançar toda a sua artilharia. Interpreta com intermediações de cores delicadas; suas execuções são perfeitamente ajustadas; obtém imensas sonoridades sem bater e domina o segredo da flutuação do tempo. Eis a técnica magnífica de Bolet. Tudo parece fácil sob seus dedos”.

Impressiona a postura de Jorge Bolet ao piano. Diante de repertórios de imensa dificuldade técnico-pianística, mantinha-se, como tantos outros seus colegas ilustres, unicamente preocupado com a música. Na atualidade, nessa civilização que privilegia essencialmente o espetáculo, os gestos faciais e do corpo, por vezes fanfarrões e grotescos, inundam as salas de concerto. Câmaras tudo focalizam e, para dimensionar a imagem, a indumentária frequentemente exerce função no todo.

Há uma série de gravações de Jorge Bolet para selos importantes mas de pouca tiragem. Foi somente a partir de 1978 que Bolet assinaria contrato com a Decca/London, o que lhe permitiu uma difusão bem mais ampla de seus registros fonográficos.

Como professor, Jorge Bolet integrou o quadro de docentes de piano na Universidade de Indiana entre os anos 1968-1977, sendo que a seguir receberia a chefia da especialidade piano no Instituto Curtis de Música, sucedendo ao notável pianista Rudolf Serkin.

Em 1988, Jorge Bolet inicia sua triste jornada em direção ao fim, pois no ano seguinte é operado do cérebro não mais se recuperando, vindo a falecer em 1990.

Nos estertores da existência, lega uma interpretação intensa do 3º Concerto para piano de Rachmaninov.

Clique para ouvir, de Rachmaninov, o Concerto  nº 3, na interpretação de Jorge Bolet. Como extraprograma, Jorge Bolet interpreta de maneira comovente o Noturno op. 15 nº 2, de Chopin:

https://www.youtube.com/watch?v=3yt6BINW0FY

Recebo inúmeras e alentadoras mensagens a respeito da divulgação dos grandes mestres do piano do passado. Chama-me a atenção a baixa adesão de tantos deles nos aplicativos. Relegar esses iluminados intérpretes ao quase ostracismo terá consequências futuras, alimentando a ascensão do histrionismo como verdade. Envolver-se unicamente com a mensagem musical pareceria arcaico para tantos das novas gerações. Sem o culto autêntico, caminhos tortuosos estão por vir.

Jorge Bolet was one of the greatest piano masters of the 20th century. For several reasons he did not get the recognition he deserved. His mastery of the keyboard and his understanding of the romantic repertoire are unique.