Pianista lembrada como uma das luminares do instrumento
Todos os estudantes de música deveriam estar familiarizados
com a História da Música,
intensamente necessária e valiosa.
De que outra forma é possível familiarizar-se
com as individualidades pessoais dos grandes compositores?
Quanto mais conheço Chopin, Beethoven, Scarlatti
ou Mendelssohn como homens,
e quanto mais conheço os tempos em que viveram,
mais me aproximo da forma como desejaram
que as suas composições fossem interpretadas.
Teresa Carreño
(“Distinctive piano playing”)
Teresa Carreño nasceu em Caracas, na Venezuela, e descendia de família voltada à música. Os primeiros estudos estiveram sob a orientação de seu pai, que cuidou de seu desenvolvimento até a morte em 1874. A família, tendo emigrado para os Estados Unidos em 1862, num período turbulento na Venezuela, propiciou à menina a possibilidade de apresentações por várias cidades americanas e, em 1863, Teresa toca na Casa Branca para Abraham Lincoln. O compositor norte-americano Louis Moreau Gottschalk (1829-1869), que morreria no Brasil, autor da Grande Fantasia sobre o Hino Nacional Brasileiro, entre inúmeras composições para piano, tendo audicionado a pianista, teve o mérito de promovê-la e orientá-la durante certo tempo. Em 1886 Teresa Carreño e família embarcam para Paris, onde estudou piano com um discípulo caro a Chopin, Georges Mathias, e canto com especialistas. Como cantora obteve alguns êxitos, interpretando na Escócia a Rainha de Les Huguenots, de Meyerber, e em Nova York, de Mozart, um dos papéis de Don Giovani. Como compositora legou dezenas de obras para piano, música de câmara, canto…
Teresa Carreño teve carreira que surpreende pela extensão geográfica, percorrendo quase toda a Europa, Rússia, Austrália, Nova Zelândia, África do Sul e América do Sul. Foram inúmeras as suas turnês pelo Estados Unidos. Preponderavam em seus recitais Beethoven, Schubert, Mendelssohn, Chopin, Liszt, Schumann, mas também Grieg, Tchaikovsky e suas próprias composições. Brilhante, possuidora de uma técnica avassaladora, “sua vida privada foi tão tempestuosa como suas interpretações”, assim define o crítico Harold C. Schonberg em ”The great pianists” (1987). Casou-se várias vezes. Um de seus maridos foi o notável pianista Eugene d’Albert (1864-1932).
Felizmente é possível avaliar as qualidades de Teresa Carreño através das poucas gravações existentes. Esses registros, nos primórdios fonográficos, apresentam inúmeros problemas de audibilidade. Nos últimos tempos, processos reinterpretaram essas gravações, atualizando-as, retirando uma série de ruídos e dando ao que foi gravado uma possibilidade de escuta razoável. Ouvindo-se Teresa Carreño em gravações datadas entre 1905 e 1908, podemos avaliar, mercê de cuidadosas remasterizações, que, apesar dessa imensa defasagem técnico-acústica, a execução da pianista testemunha sua grandeza, mas a partir da maneira de interpretar do período. Essas gravações foram feitas 19 anos após a morte de Liszt (1886). Excesso de rubato, uma flexibilidade extrema dos tempi e uma liberdade quanto ao todo, hoje inverossímeis. Diminui o valor de Teresa Carreño? Não, pois essas liberdades excessivas eram naturalmente aceitas, haja vista a recepção que a pianista granjeou após apresentações e junto à crítica mais exigente espalhada pelo planeta. Ser saudada por Liszt, Gounod, Anton Rubinstein, Gottschalk e Rossini é assertiva das qualidades inalienáveis de Teresa Carreño. Hans von Bülow (1830-1894) nomeou-a “a pianista mais interessante no momento”, e ainda “um fenômeno. Depois de sua chegada, todos aqueles que pretendem ser pianistas devem ir para outro lugar”. Claudio Arrau (1903-1991) afirmou: “uma deusa: tinha incrível energia, força. Acredito jamais ter ouvido alguém diante da Filarmônica de Berlim, a velha sala, com som semelhante. Suas oitavas eram fantásticas. Creio que ninguém possa tocá-las com essa velocidade e força”. Sobre outra égide, o compositor Edward Grieg (1843-1907), amigo de Carreño, fez-lhe duras críticas, a apontar arbitrariedades interpretativas “…o diabo se mete nesses virtuoses que sempre querem melhorar o todo”. Não se observa algumas dessas características interpretativas em pianistas de seu tempo? Sob outra égide, a proliferação de concursos nacionais e internacionais para piano nas últimas décadas influenciou a percepção das interpretações hodiernas, pasteurizadas no que concerne à obediência aos urtexts e desafiadoras quanto à ação da alta virtuosidade, hoje uma atribuição necessária às levas de concorrentes desses certames, vindos preferencialmente do Extremo Oriente. Apesar das precisões dos urtexts, necessárias para consultas apuradas, creio que nada suplanta as edições de Arthur Schnabel (Beethoven), Longo e Kirkpatrick (Scarlatti), Ferrucio Busoni (J.S.Bach) e as extraordinárias realizadas por Alfred Cortot, verdadeiras viagens ao mundo imaginário (Chopin, Liszt, Schumann). Numa outra percepção, as gravações daquele período, em rolos, possibilitam uma melhor masterização, graças à ausência de chiados e desgaste dos sulcos dos registros em 78 rotações.
Clique para ouvir, de Chopin, a Balada nº 1 em sol menor na interpretação de Teresa Carreño:
https://www.youtube.com/watch?v=_SCoheEblp0
São de grande interesse as observações de Teresa Carreño sobre pedagogia pianística. Com acuidade observa os processos desde a gênesis do aluno e muitos de seus conceitos são atualíssimos. Em “Distinctive Piano Playing” (in Great Piano Playing, James Francis Cooke. N.Y, Dover, 1999), Teresa Carreño lança preceitos e suas analogias pertinentes fazem compreender problemas reais que surgem no aprendizado.
“Enfatizo a necessidade de um ‘diagnóstico’ correto da individualidade do aluno por parte do professor. A menos que o trabalho certo seja prescrito pelo mestre, o aluno raramente sobreviverá artisticamente. É muito semelhante ao que acontece com o médico. Se o médico der o medicamento errado e o paciente morrer, a culpa é certamente do médico. Não faz diferença se o médico tinha ou não boas intenções. O paciente está morto e isso é o fim de tudo. Tenho uma certa impaciência com pessoas que têm intenções tão maravilhosas, mas que não têm capacidade, coragem ou vontade de levar a cabo estas intenções. Muitos professores gostariam de realizar muito pelos seus alunos, mas, infelizmente ou não, são incapazes ou negligenciam precisamente aquilo que faz do trabalho do professor uma missão. Uma das maiores responsabilidades do professor reside em determinar, no início, um ensinamento racional através da descoberta da individualidade do aluno. Lembremos que nem todos os alunos são ovelhas para serem tosquiados da mesma forma com tesouras idênticas. Se o professor descobre um aluno com aparente talento musical, mas cuja natureza não foi desenvolvida para apreciar o belo e o romântico neste nosso maravilhoso mundo, achará absolutamente impossível alterar a sua individualidade a esse respeito, concentrando-se apenas no trabalho tecladístico. O indivíduo mundano e prosaico, que acredita que o único objetivo do estudo musical é a aquisição da técnica ou da magia voltada à velocidade digital, deve ser levado a perceber que se trata de um defeito de individualidade que irá arruinar toda a sua carreira, a menos que seja corrigido a tempo com inteligência. Anos e anos passados na prática não farão nem um músico nem um virtuoso daquele que consegue nada mais do que tocar uma série de notas dentro das medidas do metrônomo a 208 batidas por minuto”.
Teresa Carreño, lembrada após um século de sua morte, permanece viva através das poucas gravações, dos comentários de seus contemporâneos e de sua força descomunal frente a uma carreira tão espinhosa.
Clique para ouvir de, Franz Liszt, a Rapsódia Húngara nº 6, na interpretação de Teresa Carreño (gravação 1905):
(197) Teresa Carreño plays Liszt Hungarian Rhapsody n.6 – YouTube
The Venezuelan-born pianist Teresa Carreño (1853-1924) was one of the most important women pianists. Praised by public, critics and her peers, Carreño became famous for her strong personality, masterly technique and personal style, full of bravery and freedom.
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