Navegando Posts em Cotidiano

São Tantas as Reclamações contra a Prefeitura!

But tree, I have seen you taken and tossed,
And if you have seen me when I slept,
You have seen me when I was taken and swept
And all but lost

That day she put our heads together,
Fate had her imagination about her,
Your head so much concerned with outer,
Mine with inner, weather.

Robert Frost (1874-1963)

O último blog resultou opiniões contundentes. São Paulo tem convivido, como nunca antes, com a certeza, não a dúvida. Qualquer aguaceiro mais forte e o cidadão já imagina a derrocada infalível de árvores, arbustos ou galhos espalhados pela cidade. A imagem pós-chuva é sempre desoladora. Quando não a árvore inteira, partes dela ficam espalhadas pelas vias. Qualquer chuva leva invariavelmente ao apagão de um sem número de semáforos e o caos se instala em muitas vias. Passadas as águas, buracos se apresentam como consequência de pavimentações superficiais. Os contribuintes pagam impostos altíssimos e nenhuma devolução à altura em forma de serviços públicos acontece.

São Paulo está a sofrer grave crise hídrica. Tivessem os governantes se preocupado décadas atrás, estaríamos livres da emergência. Certamente 2015 será um ano de forte racionamento. Não há como ser diferente. Contudo, apesar do vocabulário nem sempre preciso, pois tangenciado, o governador do Estado vem a público, sempre, e não nega responder à mídia, ou seja, às perguntas que todos nós estamos a pensar sobre a escassez. Não é o caso do alcaide de São Paulo que, seguindo velha tática daquele que o criou para as eleições de 2012, oblitera-se nos momentos de dificuldade, não se apresentando em nenhum momento de crise forte. Já se tornaram lendários os oportunos “desaparecimentos” do criador. Tragédias naturais, escândalos como mensalão e petrolão não tiveram e não têm, respectivamente, por parte do criador a posição firme, a entrevista a não deixar nenhuma dúvida. Essa atitude de se furtar em momentos decisivos, até plausível na idade edipiana, quando em jogos infantis, tornou a criatura o discípulo perfeito, que desaparece do embate tão logo sua presença antolha-se imprescindível. O tergiversar pareceria algo bem estudado pelo criador e as criaturas dele emanadas.

Vital Vieira Curto, empresário português, assim escreve: “Li com atenção seu texto sobre esse problema que é a queda de árvores. Compartilho totalmente da sua opinião. Paralelamente, você também entrou na preocupação do atual prefeito, que é a construção das ciclovias. Este tema me incomoda muito, pois estou vendo enorme preocupação com a pintura das ruas de vermelho, sem maior utilidade, como você já disse. Eu, que transito por São Paulo, vejo como enormes buracos proliferam nas ruas, sem qualquer providência da parte do poder municipal. A nossa imprensa ainda não destacou esse terrível contrassenso. Faço a seguinte pergunta: será que algum jornalista ou mesmo político se debruçou sobre o custo dessas faixas pintadas? Será que isso não poderá estar alimentando a geração de recursos para alguma finalidade menos correta? A implantação de novos faróis também é estranha. São colocados novos faróis, mas não se preocupam com a sua coordenação, conseguindo dificultar o fluxo do trânsito ainda mais. É muito curioso que esses serviços citados sejam de responsabilidade de uma secretaria municipal que está sob o comando de um notório político, que teve na última eleição três candidatos pertencentes à sua família. Será que esse fato sugere existência de qualquer coisa estranha? Certamente eu não posso responder, mas seria importante que alguém investigasse”.

François Servenière nos escreve com outro enfoque sobre o problema, possivelmente por viver em outras latitudes “A França começa a sair do entorpecimento e a Bélgica é atingida, como previsto. Fez-me bem ler seu blog e verificar que nós não somos o umbigo do mundo, com nossos pequenos problemas sociais e cenas terroristas. Ver também que todas as desgraças do planeta não são relatadas pela imprensa mainstream ocidental que nos inunda.

Essa árvore extraordinária que ilustra seu blog (segunda imagem do blog anterior) e que tombou como símbolo dessa pujança vegetal dos trópicos. Uma árvore secular, que dá ao homem a consciência de se ancorar na história natural não escrita. Sou como você. Tudo que se relaciona à natureza me emociona. Encostar os dedos em uma árvore é como apreender a natureza em seu caminho pela história. Encostar a orelha em uma árvore, da mesma maneira que se faz contra uma coluna de catedral para captar o tempo que passa, a natureza em sua lenta trajetória, ritmo quase imperceptível à inteligência humana. Portanto, ao longo da vida humana, a árvore cresceu e não percebemos essa transição. Charles Baudelaire poetizava: La nature et ses vibrants piliers comme les cathédrales…”.

A seguir, Servenière aborda a força da natureza, que inúmeras vezes é imprevisível, tornando o homem inerte. Em São Paulo e no Brasil os acontecimentos trágicos e de violência inaudita poderiam sempre ser previstos se houvesse vontade política, o que realmente não acontece. As tragédias há poucos anos atrás, na temporada de chuvas nas serras do Estado do Rio, onde sucumbiram cerca de 1.000 pessoas, poderiam ter sido evitadas não fosse a ocupação desordenada. Outras tantas acontecem no Brasil mercê do descaso governamental e da corrupção, que jamais esteve em nível tão elevado desde 2003. A quantidade desmesurada de queda de árvores ultimamente na cidade deu-se em grande parte pelo descaso da prefeitura, que tem sistematicamente negligenciado a prevenção necessária. É fácil apontar árvores que poderão cair brevemente, causando transtornos ou mesmo tragédias. As fotos que ilustram o blog mostram um flamboyant inclinado com galhos imensos – mais parecem troncos – atravessando um terreno privado. Fica próximo ao 27º DP no Campo Belo. Continua a crescer e, para a queda, é só questão de tempo. A prefeitura, neste caso e em outros milhares espalhados pela cidade, ignora. Irresponsabilidade, descaso e abandono, palavras tão próximas!!!

François Servenière exercita sua posição frente ao irreparável “Que podem os homens e suas organizações, as municipalidades, contra as forças da natureza? Na França, cada um rejeita a responsabilidade pelas catástrofes naturais, essencialmente imprevisíveis, malgrado os computadores e os programas de previsão, sempre, sempre, friso, sempre falhos. É a fatalidade! Senão entramos na sociedade futurista ‘Minority Report’, idealizada por Philip K. Dirk (1956), onde os assassinatos poderiam ser previstos mercê da ajuda dos precogs, capazes de antever o que poderá acontecer. Isso é desejável? O homem nada pode contra a natureza que, de seu lado, não se importa. O certo é que o homem não controla o futuro, tendo dificuldade em obter previsões meteorológicas confiáveis durante a semana. Sua cidade é imensa e os problemas só podem ser da mesma dimensão, como posso constatar através do seu blog. Quanta complexidade a administrar!!! Suas fotos são belas e emocionam. A grande falsa seringueira lembra-me, mas em dimensão mais dionísica, a imensa aubépine no centro da praça da Catedral de Bayeux, cuja lenda reza que Joana D’Arc chegou a acariciar seu tronco. Obrigado por seu texto, que me faz sair de nossas preocupações umbilicais”. (tradução J.E.M.)

No blog anterior nego o slogan da atual prefeitura, “fazendo o que tem de ser feito”, pois as essencialidades foram abandonadas pelo presente burgomestre em detrimento de superficialidades e populismo. Houvesse respeito do alcaide pelas centenas ou milhares de muitas de nossas árvores em fase final, pois encerrados seus ciclos vitais, determinaria que diariamente, durante todo o ano, fossem extirpadas aquelas que necessitam de tal procedimento. A grande maioria vive sob torturante garrote, que lhe tolhe o pleno desenvolvimento, sufocando-a, enfraquecendo-a, sem poder levar a seiva das raízes sufocadas às ramificações e, fatalmente, condenando-a à inexorável queda. Passarão os raros aguaceiros que estão caindo sobre São Paulo e, certamente, o tema poderá ser arquivado no Edifício Matarazzo. A mídia, tão criticada pelo partido que ora ocupa o prédio mencionado, não pode deixar cair no esquecimento a queda de mais de 1.000 árvores. Será sua missão cobrar atitudes, pressionar para que haja constante vigilância e atenção às nossas árvores. Oxalá isso ocorra.

In this week’s post I transcribe messages received from the Portuguese businessman Vital Vieira Curto and the French composer François Servenière, with different views on the problem addressed in the last blog: street trees knocked down by inclement weather.

 

O Descaso de uma Prefeitura que não Faz o que Tem de ser Feito

Se, destas ervas que se devoram umas às outras,
eu fizer uma árvore que uma alma única anime,
então este ramo aproveitará da prosperidade do outro ramo
e toda a árvore será apenas colaboração encantadora e expansão ao sol.
Antoine de Saint-Exupéry  (“Citadelle”, cap. XIII)

Confesso meu amor incondicional pelas árvores, que nos proporcionam a visão da vida renovada a cada ano quando das ramificações, florações, farta distribuição de frutas, despojamento ao perderem suas folhas, fato este que atinge nem todas as espécies, mormente nos trópicos. Em flor, anunciam a esperança; douradas, prenunciam a hibernação inexorável, mas não desprovida de encantamento. Elas estimulam a constatação do belo. Sabemos que abrigam os ninhos das aves, que nos fazem antever o maravilhamento. O canto dos pássaros é música no seu estado mais puro, intransferível.

Não foi o acaso, tampouco os curtos aguaceiros torrenciais que se abateram sobre São Paulo nestas últimas semanas, os únicos causadores naturais da queda de mais de 1000 árvores, tantas delas frondosas!!! A administração da prefeitura deve ser apontada como responsável primordial pela hecatombe vegetal que destruiu veículos, muros, grades, moradias e rede elétrica, sem contar o profundo caos que proporcionou ao trânsito da já tão convulsionada cidade, mercê também dos alagamentos.

Estou a me lembrar de que, desde a década de 1990, um belíssimo flamboyant, cuja inclinação se acentuava, foi denunciado à prefeitura por moradores da rua onde moro. Foram anos de pedidos, protocolos e o governo municipal silenciava. Só após a aparição de funcionários da prefeitura, para podarem outra gigantesca árvore próxima, conseguimos convencê-los da queda iminente ao descascarmos alguns centímetros do flamboyant, que exibia em seu interior um desfilar de cupins.  Poucas semanas após – não sem antes enviarmos carta protocolada com o nome desses funcionários que atestaram a veracidade da causa -, equipe especializada, trazendo serras e demais ferramentas, cortou a árvore para nossa tristeza, mas também sensação de alívio. Extirpar o belo leva-nos à ambígua reflexão.

O que mais causa indignação na população de São Paulo é o descaso absoluto num tema tão importante como a arborização da cidade. Dir-se-ia que o atual alcaide basicamente se preocupou com as ciclovias e com ocupações de determinados terrenos e prédios. Aquelas, praticamente vazias durante os dias de semana, estas últimas trazendo conturbações acentuadas. Quanto às bikes, a argumentação autoritária esbarra na topografia, pois  São Paulo não tem a configuração de países planos como Bélgica e Holanda, e nossa superfície é completamente irregular. Consultei um sem número de trabalhadores de serviços os mais variados e jamais um deles, friso, moradores que são da periferia abandonada pelo poder público, adotaria a bicicleta como meio de transporte nas deslocações pela urbe, mesmo que tivessem de deixá-la em um terminal. Unanimidade quanto ao precaríssimo, tortuoso e perigoso trajeto de suas moradias até o ponto final de ônibus. Isso é fato, mas não influenciaria a obstinação do burgomestre em ver implantadas em sua administração 400km de ciclovias. A imprensa insistiu em divulgar matérias sobre o equívoco voltado às bicicletas, que não sensibilizaram o atual plantonista do Edifício Matarazzo. Atualmente a sede da prefeitura tem como tema as ciclovias e ciclofaixas que estão sendo instaladas na Av. Paulista, o que se traduz em erro fundamental devido ao afluxo diário dessa via, à redução da pista de carros, à dificuldade que tal medida trará às ambulâncias que por lá circulam e que atendem alguns dos principais hospitais da cidade. Um burgomestre a ser esquecido.

Desviar-se do tema árvore fez-se necessário, devido à importância desmesurada que foi dada para os caminhos da bike. Não vejo como dissociar a desatenção para com as árvores e a supervaloração da bicicleta. Devido à falta de chuvas durante prolongado período em 2014, não pareceu relevante à prefeitura abordar a temática que compreende  avenidas, ruas, praças e parques paulistanos, pois a ameaça mostrava-se distante. Não obstante, à maneira de um vulcão não extinto, as árvores crescem, pouco espaço encontram para o enraizamento e detonam calçadas e muros. Quantas delas estão nesse estado na cidade? As fotos que apresento evidenciam que o pior continuará a acontecer fatalmente. Vidas humanas serão ceifadas, veículos e propriedades danificados e o obsoleto sistema de eletrificação destruído. Para agravar a situação, a Eletropaulo também tem estado omissa em dezenas de casos, como destaca a mídia como um todo. Dezenas de milhares de árvores entrelaçam-se com os fios elétricos e quando uma delas cai, geralmente leva consigo fiação, quiçá postes. O caos se instala e assistimos, nesse período de chuvas, a determinados apagões prolongados (dias, em tantos casos) que trouxeram o desencanto aos habitantes de São Paulo. Alagamentos em pontos conhecidos da cidade provocaram o desespero de inúmeros motoristas. Muitos deles perderam seus carros, levados pela enxurrada.

Um dado pareceria preciso e sempre passou ao largo das mentes de nossos governantes. A maioria das muitas espécies de árvores da cidade não é adequada aos pavimentos das calçadas. Quantidade delas foi plantada décadas atrás, quando não havia a expansão imobiliária que causou desordenamento ou diminuição das calçadas, estreitamento da área subterrânea para expansão das raízes, levando-as à superfície. Essas últimas reagem à ofensa e conseguem estourar a pavimentação, as sarjetas e os muros. Culpa dessas belas espécies? Não, apenas falta de planejamento e de substituição das mais velhas por outras que melhor se adaptem às condições atuais. A queda das árvores no passado deveu-se em parte ao descaso, mas atinge o limite máximo nessa atual administração, preocupada que está majoritariamente com as ciclovias, ciclofaixas, ocupação de prédios e a cracolândia – para lá não levou o príncipe Henry, da Inglaterra, no intento de mostrar aquilo que consideraria um “cartão postal” da cidade (26/06/2014)?

Conhecendo mais a minha cidade bairro, Brooklin-Campo Belo, e correndo por tantas ruas quando de meus treinamentos, posso verificar com tristeza o descaso administrativo. Nos dias após chuvas mais contundentes este corredor amador tem de driblar por vezes ramos, galhos ou troncos, pois impossível correr em linha reta em tantas ruas. Um absurdo!!! Responsáveis públicos autorizam seus funcionários a podas mínimas em belíssimas árvores,  condenadas e impróprias para nossos passeios, e não a retirada delas, desde que já tendo em mente a pronta substituição por outras apropriadas e que melhor se adaptem à grande maioria das calçadas, hoje tão reduzidas. Centenas ou milhares estão doentes e incontáveis, atacadas por cupins.

Disse-me certa vez um funcionário público aposentado que, entre as preocupações em que um governante não quer nem pensar, duas são fundamentais: a rede de esgoto e as árvores. Dezenas de milhares delas necessitariam ser extirpadas. Essa extração não rende votos, é também certo. Não obstante, a quantidade absurda de árvores caídas não sensibiliza minimamente o alcaide? Estaria a aguardar a passagem da temporada das chuvas para procrastinar mais uma vez? As fotos que ilustram o post são o testemunho da ausência. Tivéssemos um prefeito responsável, nessas semanas assoladas pela hecatombe das árvores e pelos alagamentos provocados em grande parte pela falta de manutenção das bocas-de-lobo, far-se-ia presente diariamente nos pontos críticos, estimulando equipes de funcionários, dando alento à população indefesa, confortando os lesados e mostrando intrepidez. Semanas sem sequer um pronunciamento à altura. Temas tão menos urgentes povoam o pensamento do alcaide de plantão. Isso é fato.

Árvores serão retiradas a atender protocolos tantos? Houvesse planificação, diariamente equipes da prefeitura estariam extirpando as incontáveis condenadas, substituindo-as imediatamente por outras, que se adaptariam à difícil estrutura de calçadas que tendem a sufocar as mais frondosas. Não há segredo, é só planejar. São tantas as espécies que não causariam problemas futuros! O período de estiagem está próximo e urge planificar.

Um exemplo dessa procrastinação está na falsa seringueira (ficus elástica) semi centenária situada no reduzido canteiro central da Av. Santo Amaro, próxima às ruas Jesuíno Maciel e sua continuação, a rua Guararapes. Gigantesca, ultrapassou os limites do canteiro hoje intransitável. Suas raízes aéreas em contato com o solo, transformam-se em troncos auxiliares, ajudando a suportar o peso da falsa seringueira. Sua cúpula se estende por toda a largura da avenida. Nestas últimas chuvas torrenciais um galho bem avantajado caiu sobre um ônibus, danificando-o. Se fosse sobre um  motoqueiro, poderia tê-lo ceifado. Vê-se que, apesar de esplendorosa – pode ser vista por satélite no Google Maps! -, ultrapassou e muito o conceito do razoável.  Se cair, o estrago será devastador. A prefeitura nada faz a não ser podas homeopáticas, esporádicas e que motivam piadas dos moradores.

A partir de Abril as chuvas deverão certamente rarear. O alcaide, nos meses de estiagem, estaria empenhado em promover uma blitz para a remoção das árvores velhas, contaminadas, inclinadas perigosamente ou inadequadas para o espaço em que se situam? Pouco provável. Infelizmente, nem o cidadão comum estará preocupado com o que se passa dentro de um vulcão, só atentando ao problema tão logo o magma seja expelido.

This post addresses the tragedy of street trees in São Paulo. While the city mayor sticks to his commitment to implement 400 km of bike path in a not naturally bike-friendly city (São Paulo is hilly, overcrowded with cars and motorcycles and drivers have little or no patience with cyclists) – trees are abandoned to their fate: no pruning, no removal of dead branches or of diseased plants. As a result of such disregard, intense summer storms with wind guts that have hit São Paulo knocked down about a thousand trees in less than a month, dragging down power lines, destroying private and public property, leaving residents in the dark and drivers without traffic lights. The usual summer storms accompanied by the usual negligence: no one cares what goes on inside a volcano until lava explodes out of its vent.

É o que Deveríamos Desejar para 2015

Quando as verdades são evidentes e absolutamente contraditórias,
o que tens a fazer é mudar de linguagem.
Antoine de Saint-Exupéry (Citadelle cap. CXXII)

O mestre é o homem que não manda;
aconselha e canaliza, apazigua e abranda;
não é a palavra que incendeia,
é a palavra que faz renascer o canto alegre do pastor depois da tempestade;
não o interessa vencer, nem ficar em boa posição;
tornar alguém melhor – eis todo o seu programa.
Agostinho da Silva

A passagem de ano se deu e todas as previsões apontam para um ano de dificuldades. Impossível acreditar que essa certeza ocorra graças ao acaso, nem tampouco aos últimos 12 anos de governo. Se a descrença acentuou-se para aqueles que formam a legião de 50 milhões de eleitores “oposicionistas”, práticas antigas recrudescidas ultimamente levam-nos ao ceticismo. A crise brasileira é endêmica. Desde a minha infância com ela convivi, ora em áreas específicas, ora no todo. Mudaram os governos, tivemos os anos de exceção com os militares, mas determinadas constantes jamais abandonaram uma índole característica de nossos dirigentes, a atração pelo ato que corrompe. Contudo, como realidade clara, ficou a certeza de que nenhum presidente no período de exceção enriqueceu. Não defenderia o regime que vigorou durante aqueles tempos, em que a liberdade teve sério tributo a pagar.

O tsunami que nos assola teve epicentro surdo e demorou muito tempo até que as empresas públicas mostrassem feridas laceradas. O ato corruptivo generalizado ganhou força à medida que, sorrateiramente, espalhava suas raízes devastadoras sem ser denunciado. Os escândalos dos últimos anos prenunciavam que algo aterrador poderia acontecer. É o fenômeno do recuo do mar, o silêncio momentâneo e o tsunami que nada poupa. O denominado petrolão nada mais é do que o avanço total das águas, a tudo destruir. Mas haverá ainda furacões e tornados que virão quando outras estatais, que não a Petrobrás, forem investigadas.

O ato corruptivo em termos brasileiros não tem limites. No artigo “Os quatro Cavaleiros do Apocalipse” (Folha de São Paulo, 16/12/2014), meu irmão, o respeitado jurista Ives Gandra Martins, aponta – sem precisar a geografia – quatro cavaleiros, o político, o burocrata, o corrupto e o incompetente. “O político, na maior parte das vezes, para alcançar ascensão na carreira, dedica-se exclusivamente à ‘desconstrução’ da imagem dos adversários”. E esclarece “Quem busca o poder, na esmagadora maioria dos casos, pouco está pensando em prestar serviços públicos, mas em mandar, usufruir ou beneficiar-se do governo”. A imagem do “cavaleiro” político se confunde em incontáveis oportunidades com a do corrupto, este só existente mercê da figura sinistra do corruptor. Este, um “quinto cavaleiro”, das trevas, geralmente silencioso e ativo, a ter legião de coadjuvantes formada por outro estranho personagem, o lobista, que infesta livremente os corredores do poder e que conhece as sendas que seduzem políticos e burocratas. E todo o mal está feito.

Essa é parte da triste realidade. Outra, a recente divisão ministerial, a atender unicamente às acomodações dos partidos “amigos”, faz antever impasses futuros. Impossível não se indignar com a indicação de tantos deles, ou de remanejamentos de outros, para ministérios que  mostrarão as chagas individuais da ignorância. Exemplifiquemos: quando o grupo “Atletas pelo Brasil”, formado por muitos dos maiores ídolos do esporte brasileiro, fez duras críticas à nomeação do pastor evangélico e deputado George Hilton, de partido aliado ao governo, mas sem nenhuma experiência na área esportiva, justamente na segunda gestão da presidente que será a anfitriã das Olimpíadas de 2016, frise-se, as ponderações eram irrefutáveis. Escreve o grupo dos “Atletas pelo Brasil” em comunicado: “Como diz nossa missão, queremos ‘melhorar o esporte para melhorar o País’. Acreditamos piamente nisto. Somos uma associação de mais de 60 atletas de relevância para o esporte”. Inconformados, assinalam esses esportistas: “Exigimos muito mais respeito e cuidado com tudo que envolve o tema Esporte no Brasil”. Pertencem ao grupo atletas consagrados como Ana Moser, Raí, Ida e William. A presidente consultou figuras relevante da área? Que ela apresente uma, apenas uma credencial, que habilite o cidadão ungido para o fundamental Ministério dos Esportes. Contudo, haverá apoio do partido do ungido nas votações da Câmara. Para a presidente isso importa, infelizmente. O respeitado locutor esportivo do passado, hoje comentarista e jornalista irrepreensível, Flávio Araújo, escreveu em sua coluna www.ribeiraopretoonline.com.br (01/01/2015) a respeito da lamentável nomeação de George Hilton para o Ministério do Esporte: “Nomear para dirigir o do Esporte alguém sem nenhuma ligação com o mesmo é como escarnecer das tramoias na Petrobrás. É premiado para gerir a pasta alguém que não sabe o que é uma bola de futebol, uma rede de vôlei ou um bastão no atletismo. Não dá para digerir. Nomear alguém sem nenhuma vivência na vida esportiva do país, ainda mais sob suspeita e que só não teve seus passos devidamente investigados por essa excrescência que permite aos políticos zombarem vergonhosamente do povo brasileiro com sua impunidade é, quando mais não seja, um passo atrás para o esporte nacional”. No dia 2 de Janeiro, ao receber o cargo de seu antecessor, Aldo Rebelo, o ministro empossado George Hilton disse: “Posso não entender profundamente de esporte, mas entendo de gente” (sic).

A frase de Ives Gandra torna-se cristalina e repito essa triste verdade: “Quem busca o poder, na esmagadora maioria dos casos, pouco está pensando em prestar serviços públicos, mas em mandar, usufruir ou beneficiar-se do governo”. Se assim não fosse, pensar e sentir o Brasil implicaria a nomeação de especialistas nos vários ministérios para o desempenho pleno em um país que perde oportunidades nítidas de progredir. O que se vê é um loteamento sem precedentes na história da República. Pudesse cada ministro, no instante do convite da presidente, friso, pronunciar-se a respeito do que fará no desempenho de suas atribuições e teríamos a certeza do equívoco irreparável quanto às indicações de tantos deles, a prenunciar anos plúmbeos, como exemplificado acima.

A divagação tem sentido. Acredito que a palavra mais adequada, ao inverso da situação atual, seria responsabilidade. Houvesse assimilação integral do termo não estaríamos a passar por grande instabilidade constrangedora. Tivesse responsabilidade para com o país, para com o seu povo na essência essencial do termo, a governante saberia fazer suas escolhas a privilegiar, sine qua nom, o mérito como única via para a governabilidade. Não obstante, a necessidade imperiosa de obter maioria em votações nas duas casas do Congresso Nacional levou a presidente reeleita para os próximos quatro anos a decisões errôneas, o que poderá encaminhar o país ao impasse.

 

A tragédia que se abateu sobre a França e o mundo democrático – acepção do termo – não tem precedente moderno no país europeu. Todos os esclarecidos se comoveram após o ato insano cometido por fanáticos. Esse tipo de atentado tem recrudescido de maneira alarmante em todo o planeta. Algo tem de ser feito a reunir, consciente e responsavelmente, as maiores autoridades mundiais. Resoluções concretas têm de surgir. A humanidade já não mais suporta evasivas ou reuniões que só estabelecem intenções.

A referência advém do fato de que, ao saber dessa loucura que vitimou cartunistas e jornalistas do Charlie Hebdo, ter pensado imediatamente em meu amigo e ex-colega da USP, Dorinho Bastos, cartunista exemplar. Enviara ele um cartão de Natal em que o Papai Noel apresentava um repertório de amuletos e sinais contra malefícios que poderão ocorrer em 2015. Referia-se, creio eu, à condução de nosso país. Todavia, o infausto acontecimento parisiense evidencia que nem ramos de arruda, tampouco figas, ferraduras com sete furos, pés de coelho ou trevos de quatro folhas estão adiantando numa visão mais global. A charge do excelente Dorinho, que ilustra também este post, ficaria como nossa homenagem àqueles que tombaram na sede do Charlie Hebdo.

This week’s post reflects upon the word “responsibility” related to the present political situation in Brazil, where ministers are appointed according to political party interests and not the public good. Also mentioned is the unfortunate gunmen attack on the French magazine Charlie Hebdo. The illustration – by the Brazilian cartoonist Dorinho Bastos – is a tribute to the ones that lost their lives in the shooting.