Navegando Posts em Cotidiano

Pergunta Intrigante de Leitor

Conhecimento verdadeiro de si próprio
só é dado ao ser humano
quando ele desenvolve interesse afetuoso para com os outros;
conhecimento verdadeiro do mundo,
o ser humano só alcança
quando ele procura compreender seu próprio ser.
Rudolf Steiner

Não poucas vezes questionaram-me sobre o discurso musical e a atividade esportiva que desenvolvo nestes últimos oito anos. Contudo, a pergunta de Reinaldo mostrou-se bem incisiva, pois o leitor tem interesse em saber o porquê de um músico, sedimentado através das décadas, tornar-se arauto caloroso da prática esportiva.

Historiar é preciso. Primeiramente, responderia que aos 20 anos de idade recebi bolsa do governo francês para estudar piano em Paris, cidade na qual permaneci  durante alguns anos. Antes de viajar, meu saudoso pai, àquela altura nos seus 60 anos, ensinou-me exercícios que ele denominava ginástica sueca e que eu deveria realizar pela manhã. A partir do dia a seguir minha chegada até presentemente – portanto, lá se vão 56 anos -, realizo esses exercícios durante 15 minutos após levantar. Ao atento Reinaldo diria que meu pai teria praticado essa ginástica desde a juventude em Portugal e, poucos meses antes de sua morte em 2.000, aos 102 anos de idade, realizava um dos exercícios à perfeição: colocar as mãos espalmadas sobre o piso sem flexionar os joelhos. Seu filho aos 76 anos também não os dobra. Ao todo são 11 exercícios que envolvem braços, pernas, movimentos giratórios, alongamentos, respiração e o todo a abranger parte essencial de nosso corpo. Recentemente mostrei a um experiente fisioterapeuta esses movimentos. Disse-me que jamais aconselharia um seu paciente a realização dessa prática. Perguntei-lhe se poderia mudar para outros exercícios. Respondeu-me no ato: “De jeito nenhum, continue. Se durante todo esse tempo tem funcionado, assim como foi proveitoso para seu pai, mudar a essa altura será um enorme equívoco”. Continuarei, pois, mas atento.

Foi apenas após um sério tratamento quimioterápico em 2004 que iniciei parcimoniosamente um caminhar que se transformaria, com os meses, em imperiosa necessidade de intermediá-lo com breves trotes. Com o tempo alongou-se a distância e do trote passaria para as corridas de 5 a 15km, 10 preferencialmente.

A consciência do ritmo da corrida associada à música veio-me depois de alguns anos dessa prática esportiva. Interessavam-me o aprimoramento físico, o cadenciar passadas e respiração e, curiosamente, pensar nos temas dos posts semanais, que seguem ininterruptos desde Março de 2007. É nos treinos que eles se sedimentam. Retenho-os até a primeira madrugada, quando fluem de um só impulso.

Foi a partir do assimilar batidas cardíacas durante um treinamento que mais pensei na agógica (agogia = da raiz grega agog: conduzir, levar dirigir). Trata a agógica de mudanças do movimento rítmico, aceleração, retenção ou mesmo interrupção – regular ou não – desse   processo. Mais acentuadamente, fui buscar identidades, não as expressivas, que nos levam à música, mas as flexibilizações físicas, motoras. O ato de correr não poderia ser considerado expressivo, estando mais ligado a uma ação automatizada proposta pela mente, para mais não dizer. Como afirma meu amigo e maratonista Nicola, “se o seu corpo estiver preparado a mente o levará ao destino desejado”. Decidimos e corremos. Quando das corridas de rua podemos sofrer alterações do batimento cardíaco que interferem no ato, diria, mecânico. Corredores que nos ultrapassam ou são ultrapassados, desvios da linha reta ao nos depararmos com grupo de atletas amadores, geralmente formado por companheiros de academia ou empresa que, mais lentos, correm lado a lado.  As batidas cardíacas inflexíveis sofrem, nesses casos, alterações que podem ser sensíveis. No entusiasmo da corrida coletiva, quantas vezes não somos propensos a dar um “tiro”, ou seja, correr bem mais rápido durante curto período. A prática estimula a circulação sanguínea, a provocar aceleração dos batimentos.

Na música há intrínseca ligação da agógica com a dinâmica (gradações das intensidades sonoras), nas corridas a “agógica” do batimento cardíaco conduz a sensíveis alterações, flexibilizando o número de batidas por determinado período. Poder-se-ia acrescentar que mesmo a diminuição progressiva de andamento e sua aceleração posterior (ou vice versa), representados na música através dos ritardandos, acelerandos ou mesmo o rubato (roubado, em italiano) encontram “paralelo” na corrida. O rubato é a palavra que determina na música uma liberdade rítmica não arbitrária, frise-se, pois ao sair de tempo padrão “rouba-se” da “inflexibilidade” através dessas acelerações e necessárias contenções que conduzirão o discurso musical, após essa flutuação, ao seu fluxo “normal”. Para o corredor, quantas não são as vezes, mormente nos treinos, que se tem uma espécie de rubato “mecânico”, pois a constância das passadas no treinamento pode variar por pequenas alterações de velocidade que levam, logo após, à normalidade. Diria, um rubato sem expressão, pois rigorosamente automatizado. Foi preferencialmente no período romântico que a palavra teria a ampla aplicação indicada na partitura musical. Determinados compositores, ao assinalarem tempo rubato permanente em algumas obras, expandem extraordinariamente o conceito ao mostrar que a música não é mecânica e contém carga emotiva. Contudo, rubato na música só deve ser harmonioso, pois, se não o for, penetra-se no equívoco. Em outro contexto da criação, quantas não são as composições inflexíveis quanto ao tempo, metronômicas, no batimento exato. Nesses casos, o compositor indica com precisão a sua vontade explícita. Não se passa o mesmo em muitos atletas excepcionais que têm o ritmo imperturbável das passadas na mente?

Num contexto bem próximo à associação acima, estudos aprofundados têm mostrado significativos resultados numa preciosa área, a Euritmia. Se a agógica teve em Hugo Riemann (1849-1919) um de seus “enunciadores”, deve-se a Rudolf Steiner (1861-1925) aprofundamentos relacionados à Euritmia. Segundo o notável educador, esoterista e pensador, movimento, palavra e canto faziam parte de uma atividade definida na antiguidade. Basicamente, um dos fundamentos de sua teoria reside na realização de tipos de movimentos que serviriam como impulso ao ser humano num sentido bem harmonioso, poder-se-ia dizer, totalizante. Quantidade de estudos posteriores realizados por especialistas na área têm colaborado nessa interação do movimento com o gesto, o som, a palavra, a dança… A Euritmia é, pois, um precioso caminho nessa busca eterna de um “amálgama” do movimento corporal com manifestações artísticas e também com a palavra.

Seria pois nesse sentido rítmico – não expressivo, friso – que entendo o ato de correr como um “amálgama” com a agógica e a dinâmica, pois aceleração e relaxamento nas corridas têm lá suas intensidade “sonoras” ou de “ruídos” nitidamente comprovadas pelo estetoscópio que amplifica essas alterações dos batimentos cardíacos.

Creio ter respondido ao atento Reinaldo em tema que me fez refletir sobre aspectos tão importantes envolvendo o movimento como fulcro essencial para, basicamente, todas as áreas.

A corrida de Natal deste último dia 14 de Dezembro promovido pela Corpore reuniu milhares de atletas amadores. Aproveito o momento para desejar a todos os leitores que prestigiam meu blog um Natal pleno de paz e de confraternização.

Reflection on the correlation between body movements and artistic expressions, music in particular.

 

 

 

 

 



A Dignidade como Respiração

Toda ascensão é dolorosa. Toda mudança traz sofrimento.
Eu não atinjo o cerne dessa música se não tiver sofrido.
Ela é fruto de meu sofrimento e não creio naqueles
que se vangloriam das provisões colhidas por outrem.
Não acredito que seja suficiente mergulhar os filhos dos homens
no concerto, no poema e no discurso
para lhes proporcionar a beatitude e o delírio do amor.
O homem é resultado do amor, mas também do sofrimento.
Antoine de Saint-Exupéry
(Citadelle, cap. XXXV)

O homem é ou não é, dizia meu saudoso pai. Na essência, não há meio termo, pois impossível tergiversar quando se é. Ao longo da existência, quão poucas vezes temos o privilégio de cruzar o caminho de homem íntegro na acepção! Neste Brasil tão conturbado, onde o desvio da verdade e a chaga da corrupção se expandem sem esperanças de estancamento, ainda mais raramente encontramos essas figuras abençoadas, diria, que semeiam o bem, vivem a generosidade, esquecem-se de suas privações sabendo que o próximo pode ter sua chance na vida, assimilam como penitência o mal físico inflexível que pode estar agregado desde a infância, sabem distribuir, são generosas e têm o olhar que não esconde intenções. Tudo é claro, translúcido, sem a menor possibilidade da névoa que encobre simulações.

Sígrido Levental  é esse homem, entre pouquíssimos. Nascido em Santos em 1941, cedo inicia seus estudos pianísticos, realizando seu primeiro recital no Clube XV da cidade aos 15 de Novembro de 1954. Em sua apresentação aos 6 de Setembro de 1957, Sígrido apresenta recital corajoso na Rádio Clube de Santos. No programa encontram-se, entre muitas obras, a Sonata op. 57 de Beethoven (Appassionata) e a Balada nº 1 em sol menor de Chopin. Dados curriculares no convite faziam antever promissora carreira “O jovem recitalista iniciou seus estudos musicais com a professora Luísa Gelli Jacoponi. Em 1953 entrou para a Escola Musical ‘São José’, na classe de D. Oraída do Amaral Camargo. Em 1955 diplomou-se, sendo-lhe conferida a Medalha de ‘MÉRITO ARTÍSTICO’ por uma banca julgadora presidida pela insigne pianista Ana Stella Schic. Iniciou, então, um curso de aperfeiçoamento com o renomado mestre José de Souza Lima, com quem vem estudando atualmente”.  Torna-se necessário esse histórico da formação de Sígrido, pois suas atividades futuras ligadas à música tiveram raízes sólidas que determinariam, em seu caso singular, decisões ponderadas, corajosas e que estimularam gerações no caminho da música.

As sendas da Música são incontáveis. Sígrido abraçaria sua missão maior, a de dirigente de estabelecimento de ensino musical. Foi na década de 1980 que tive o privilégio de conhecer pessoalmente Sígrido Levental, dirigente do Conservatório Musical Brooklin Paulista, inicialmente instalado na rua Álvaro Rodrigues, frente à Paróquia Sagrado Coração de Jesus. Posteriormente o Conservatório mudaria de endereço, transferindo-se para a Rua Roque Petrella, próximo ao anterior. Admirava sua ação pedagógico-diretiva e o ambiente congraçador que formara no estabelecimento de ensino, fatos do conhecimento público. Sob nova direção, o CMBP localiza-se presentemente na Av. Portugal, 1074.

Foram as edições que me levaram ao dirigente. Imediata a empatia. Tornamo-nos amigos sem subterfúgios. Em torno de meu livro “O Som Pianístico de Claude Debussy”, publicado pela Editora Novas Metas sob direção de Sígrido em 1982, e de quatro obras de Henrique Oswald editadas no mesmo ano, contatos diários eram mantidos e aprendi, dia a dia, a admirar a altivez, a solidariedade e o despojamento do amigo, qualidades agregadas à determinação, concentração e capacidade invulgar quando tarefa lhe era apresentada. Saliente-se que Sígrido foi pioneiro ao editar compositores das mais diversas tendências abrindo-lhes caminhos seguros.

Para as novíssimas gerações, impossível entender a edição de um livro com exemplos musicais nesse início dos anos 1980. Sígrido digitou-o inteiramente em uma máquina de escrever elétrica com esferas da IBM, dernier cri para o momento brasileiro. Revisões e revisões. Quanto aos exemplos, hoje tão fáceis de serem realizados, Sígrido tinha páginas com notas set que vinham ligeiramente fixadas em folha transparente. Com uma pinça, o amigo colava nota após nota e todas as indicações contidas na partitura. Verdadeiro artesão!!! Realizava esse trabalho, mas conjuntamente resolvia os problemas do Conservatório e da Editora, assim como atendia alunos e seus pais, professores e visitantes. A dificuldade enorme de locomoção fazia-o ficar sentado durante a jornada que se estendia, por vezes, até bem tarde, sem reclamar, bebendo sua água e, hélas, fumando muito, mas abnegado a saber seu desiderato maior. Conto nos dedos de uma só mão os batalhadores de tal estirpe.

Finalizado “O Som Pianístico…”, houve lançamento concorrido e precedido por recital Debussy no então recém inaugurado Centro Cultural de São Paulo, já àquela altura pleno de insolúveis problemas estruturais. Uma curiosa situação deu-se dias após. Ao me encontrar com Ruy Yamanishi, médico e dileto amigo que estivera no lançamento, este estava a ler o livro. Abriu na página em que há uma das ilustrações do inspirado artista Johan Howard e questionou-me com a sabedoria oriental que lhe é peculiar: “Neste desenho ‘Et la lune descend sur le temple qui fut’, onde está a lua?”. A resposta veio imediata: “Possivelmente escondeu-se atrás da torre do templo”. Procurei Sígrido e lhe disse que no desenho original havia a lua. Imediatamente liga ao seu amigo Guariglia, que imprimira o livro, questionando-o. Alguns momentos de espera e veio a resposta: “o gráfico pensou que fosse uma sujeira, daí suprimi-la”. Lembro-me do sorriso contagiante de Sígrido pelo equívoco tão inusitado. Momento a não ser esquecido.

Quando Sígrido, pleno de esperanças, criou a orquestra do Conservatório formada por jovens músicos, por duas vezes me apresentei apoiando a bela iniciativa, sendo que na segunda oportunidade, sob a direção do saudoso amigo e maestro português Manuel Ivo Cruz. Essa iniciativa e tantas outras eram a razão do respirar de Sígrido Levental, que assistia às apresentações por ele imaginadas, sempre à distância, em lugar escondido das salas. A modéstia e o recato eram-lhe familiares.

Os anos se passaram. Estivemos juntos algumas vezes no segundo endereço na Rua Roque Petrella. Bem mais tarde visitei-o em seu apartamento. Se nossos contatos ficaram escassos, jamais deixei de ter pelo grande amigo e incentivador das artes um carinho especial. Quando o homem é, o exemplo se propaga, as atitudes servem de norte para tantas ações individuais que surgiriam, a ter Sígrido Levental como inspiração.

A homenagem que lhe foi prestada neste último dia 12 de Dezembro é justíssima. Comovente todo o evento realizado no Auditório Ibirapuera. Apresentou-se a Banda Sinfônica do Estado de São Paulo, sob as regências competentes de Marcos Sadao Shirakawa e Mônica Giardini.  O respeitado saxofonista Roberto Sion foi solista de várias peças. A Banda Sinfônica, o Coral Infanto-juvenil da Escola de Música de São Paulo (Regina Kinjo, regente de coro) e cantores convidados apresentaram o musical “Os Saltimbancos” de Luiz Henriques, com adaptação de Chico Buarque de Holanda e arranjos de Júlio Cesar de Figueiredo. O espetáculo todo esteve sob a égide amorosa. A professora e pianista Aida Machado e o compositor e maestro Aylton Escobar fizeram depoimentos pungentes. O público que lotou o auditório viveu momento de intensa emoção quando anunciaram a presença de Sígrido que acabara de chegar em uma cadeira hospitalar. Deram-lhe a permissão no hospital para que presenciasse a homenagem que tantos alunos, amigos e admiradores lhe tributavam.

A portuguesa Leonor Alvim Brasão e as dedicadas filhas do homenageado, Cláudia e Rosana, tiveram a iniciativa do “Obrigado Sígrido”. Há tempos radicada nos Estados Unidos, Leonor ainda jovenzinha, viveu  a transição das décadas de 1970/80 com seus irmãos e sua mãe, a saudosa artista plástica e pianista Leonor Alvim, num convívio intenso com o CMBP.  Outros admiradores juntaram-se ao projeto.

“Obrigado Sígrido” só acontece graças à imensidão de uma figura exemplar que tem marcado sua existência pela singularidade de estar sempre com a mão estendida para o apoio, para a música, para o amor.

This week a concert in honor of Sígrido Levental was held in São Paulo. This post is my personal tribute of respect to this great man, former Principal of Brooklyn Music Conservatory and editor (he supervised the publication of my book on Debussy and Henrique Oswald’s scores), an example of willpower, fight and love of art whom I was lucky to have met.

 

 

 

Considerações que Vêm a propósito

Se o seu corpo estiver preparado,
a mente o levará a qualquer destino.
Nicola (amigo e maratonista)

No post do dia 15 sobre a introdução no YouTube das seis “Sonatas Bíblicas” de Johann Kuhnau inseri foto em que Elson Oktake e eu estávamos correndo em uma das tantas provas  que se realizam preferencialmente em São Paulo. Elson é um de meus gurus do pedestrianismo. Comentários houve sobre a extraordinária coletânea de Kuhnau, ora no YouTube. Um leitor, ao ver a foto esportiva, sugeriu que escrevesse um texto sobre essa atividade. Respondi-lhe que em anos anteriores já postei vários sobre corridas de rua, mas que num próximo aproveitaria para destacar a qualidade de vida que emana do exercício físico e de práticas saudáveis.

Apraz-me o fato de ter convencido alguns amigos a praticarem corrida de rua. Os que começaram não mais desistiram e engrossam o enorme contingente de atletas amadores que, regularmente, participam das provas. Carlos, ou Batoré para os adeptos da modalidade, é um deles. Trabalhando intensamente em uma sauna há mais de 25 anos, Carlos abandonou o joguinho de futebol semanal e as “bebidas” da confraternização pós-jogo. Hoje é um dos bons nas corridas de rua. Rápido, resistente, acompanha-me em quase todas as provas das quais participo e incentiva muito aquele que o motivou a essa prática salutar. Meu genro Massimo aderiu ultimamente às corridas de rua e está em pleno aprimoramento.

No domingo do dia 16 de Novembro tivemos a 11ª edição da Ayrton Senna Racing Day – Maratona de Revezamento na lendária pista de Interlagos, que ocorre uma semana após a realização das corridas de Fórmula I. Nossa equipe TA LENTOS (em anos anteriores escrevi vários posts a respeito) participaria com os oito titulares, que ficariam gravados no sugestivo desenho de nossas camisas, realizado pelo pranteado amigo Luca Vitali. Um dia antes recebi o telefonema de Shigeo, um dos integrantes da TA LENTOS, a dizer que a mãe de um dos nossos falecera e, portanto, o casal Franco e Cristina teria de ser substituído. Lamentamos o ocorrido, mas urgia pensar em dois outros corredores para completar o octeto. Vieram-me à mente Carlos, o Batoré, e meu genro Massimo. Aceitaram e completaram com galhardia a prova marcada por descidas e duas subidas, mormente a última, bem acentuada. Como dizia um dos corredores da TA LENTOS, Yuji, mais do que a corrida de revezamento, vale o congraçamento entre as pessoas. Observei as centenas de equipes e não vi uma só fisionomia que não revelasse outra reação a não ser a da alegria de lá estar a participar.

Hoje integramos duas equipes, a TA LENTOS e a Corre Brasil, a despontar nesta última nosso dileto amigo, Elson Otake, o maratonista. Os integrantes das duas equipes têm lá seus  desafios, eles em busca da redução dos tempos e eu, à maneira de um Matusalém, a buscar, ao menos, manter meu ritmo. Aos 76 anos, nas 90 provas de rua já percorridas jamais andei, mas o ritmo moderato ma non troppo leva-me sem cansaço a cumprir todas as provas. Lustros a mais, entusiasma-me o convívio com meus colegas corredores das duas equipes, todos pertencentes à juventude da idade madura, entre 40 e 50 e tantos anos.

Da França, o compositor e pensador François Servenière, sempre presente em meus posts, teve intensa atividade na juventude como alpinista, esquiador, ciclista, nadador, corredor, futebolista, velejador, guia de montanha e professor de esqui. Foi uma alegria saber que o retorno à atividade esportiva, após muitos anos, deu-se, em parte, do exemplo deste velho corredor que a cada prova envia a foto de participação para o Espace Professionnel que Servenière mantém em seu site, no qual, entre mensagens – a  grande maioria sobre música -, trocamos fotos e ilustrações. Sob outro contexto, Servenière, que pratica atualmente longas caminhadas pelas praias e montanhas, enviou-me um apanhado de seu atual estado físico, que corrobora a boa performance mental. Ratifica o amálgama mens sana in corpore sano. Ao longo da existência assisti ao majoritário distanciamento da denominada intelligentzia frente ao “banal” aprimoramento físico, como a apontar o sedentarismo como conditio sine qua non para que as musas inspirem o pensar!!! Na Universidade prepondera esse posicionamento. Fato. É pois com alegria que transmito algumas considerações de Servenière extraídas de nossa correspondência, pois evidencia o amigo sua disciplina invejável para a manutenção da forma e, consequentemente, com reflexos na sua qualidade de vida e na criação composicional sempre em ebulição.

“Fiz meus quatro quilômetros ontem como o faço a cada domingo nestes últimos três meses. Trata-se de treinamento a trotar entre as praias de Deauville e Blonville, em que sinto a prazerosa sensação já descrita por você referindo-se às ‘distâncias encurtarem’. Readquiro a forma! O mar está frio, mas eu nem me importo, pois a circulação sanguínea está em bom fluxo, assim como minha respiração. Estou em bem melhor forma do que no ano anterior e a musculatura das pernas está rígida, bem mais firme do que há tempos atrás. A cada semana, duas horas de ginástica em casa. O esporte é verdadeiramente uma atividade necessária, sobretudo em nossas atividades sedentárias ligadas aos nossos instrumentos de trabalho (piano, computador). É-nos imperativo ficar sentados horas e horas sobre cadeiras, preferencialmente apropriadas, assim espero.

Trata-se de um retorno ao esportista que fui desde a adolescência. Em 1980 fui campeão francês de futebol em competição escolar júnior. Tínhamos dois jogadores da terceira divisão nacional na equipe de Alençon. Nos jogos do torneio encontramos duas equipes com titulares de nossa idade que já integravam a primeira divisão em Lille e Rennes. Malgrado o fato, nosso coletivo durante todo o ano adquirira um grande espírito de solidariedade, daí o resultado final. Jamais duvidamos de nossa força coletiva”.

E as reflexões continuam: “O Tempo que passa não conta. Esse estado de espírito e minha retomada de forma física nestes últimos meses já estão ligados ao esporte e à descoberta de um segredo de vida para se ter uma saúde cardiovascular perfeita, que eu aprendi, aliás, pela Internet, através de um médico francês cuja teoria simples e gratuita eu aplico quotidianamente desde 1º de Julho: ‘a ducha fria’. Eis, pois, que recarrego baterias através dos raios solares, do mar, do esporte, do trotar pelas praias, da ducha fria pela manhã seja qual for a temperatura exterior. Atributos que me dão a plena forma para atacar as novas composições, desafios permanentes. Wait and see!!!”. Continua Servenière: “Antes de receber minha bike ‘turbinada’ no próximo Natal, sinto-me a cada dia mais em forma e, sobretudo, resistente. Diria, ‘esbanjo’ saúde! Incrível o que a atividade esportiva consegue! Sentia-me em declínio, pesado, cansado, deprimido, adoecendo por qualquer motivo! Neste momento, o frio invade nossa Normandia. É necessário fazer enorme esforço para enfrentar o desafio aquático ao acordar, após  cobertores aquecidos; essa obrigação moral cotidiana é bem maior do que um despertar matinal sonoro. Todavia, pouco a pouco a corrida – assim como a ginástica e a escova de dentes! -, não apenas tornou-se um  hábito, mas, graças às endorfinas reativadas, um prazer indescritível. Meu corpo rejuvenesceu 10 anos e a próxima etapa está relacionada à respiração controlada e à resistência ao esforço. Metas a serem atingidas em dois ou três anos, mas sinto que o foguete está prestes a decolar. O resto é o resto, e o moral está elevado, mercê de tantos projetos em curso e outros no campo das ideias. Sede insaciável pela vida”.

Creio que os depoimentos de François Servenière, pinçados de mensagens espaçadas pelo tempo, dão bem a medida do sentimento que todos os que praticam atividade esportiva experimentam. Daí o fato de ter mencionado que jamais vi um rosto contraído durante as corridas de rua, antes delas e depois das provas. Curiosamente, apenas nos pelotões da elite, formados pelos corredores ranqueados que buscam troféus e prêmios em dinheiro, percebo, por vezes, semblantes severos. A atividade esportiva amorosa, voluntária, descompromissada com o pódio só pode ser exercida em plena harmonia corpo e mente. Quanta verdade contém a frase sempre ironizada atribuída ao Barão de Coubertin (1863-1937), Presidente do Comité Olímpico Internacional entre 1896-1925: “O importante não é vencer, mas competir, e com dignidade”. Esse é o lema que nos satisfaz inteiramente.  As fotos de nossas equipes traduzem tantas realidades individuais e coletivas…

This post is about why I love running: the benefits for body and mind; the interaction with other runners – everybody has an advice to give, a race story to unfold -, the rush of hormones that relieve stress and make you happier. I include passages of e-mail messages received from the French composer François Servenière, who took up running recently and is already an enthusiast of the sport. To prove my point, I also publish pictures of Servenière running on the beaches of Normandy and of myself with teammates in São Paulo. Isn’t it a good way to improve our general well-being?