Navegando Posts em Cotidiano

Progressiva Curva Descendente

Deve-se estar atento às ideias novas que vêm dos outros.
Nunca julgar que aquilo em que se acredita é efectivamente a verdade.
Fujo da verdade como tudo,
porque acho que quem tem a verdade num bolso
tem sempre uma inquisição do outro lado pronta para atacar alguém;
então livro-me de toda a espécie de poder – isso sobretudo.
Agostinho da Silva (Entrevista)

Aposentado pela compulsória desde 2008, conheci em anos anteriores a efervescência que levou a Universidade de São Paulo à crise sem precedentes, à queda acentuada constatada em avaliações internacionais, à ascendência de minoria com fortíssimo viés ideológico nos três níveis, constituída por alunos, funcionários e docentes, respectivamente, e à consequente degradação dos alicerces universitários.

Se, durante cerca de 27 anos na Universidade, senti paulatina mas inexorável diminuição da firmeza de atitudes dos dirigentes da USP que impedissem desvarios dessa minoria nas três categorias, a gota d’água, na minha avaliação, viria de exemplo emblemático quando da invasão de alunos numa reunião do Egrégio Conselho Universitário presidido pelo  Reitor, o ilustre Jacques Marcovitch (gestão 1997-2001). Pasmos, assistimos seguranças tentando sustentar as portas que permaneciam fechadas, sem o conseguir. Após destruir essas portas de madeira, a turba adentrou a sala munida de vasos sanitários, que foram arremessados em frente da mesa onde estavam o Magnífico Reitor, Vice-Reitor, Secretária Geral e outros dirigentes universitários. Vociferando palavras de ordem, celerados acenderam sinalizadores, que provocaram um fumaceiro colorido à maneira do que ocorre nos estádios de futebol. Logicamente, a reunião do Conselho Universitário daquela lamentável terça-feira foi suspensa. Naquele momento comentei com dois colegas que estávamos a assistir à continuação de um acirramento que deveria levar a Universidade ao impasse. O prejuízo do imóvel foi grande, pois vidros das janelas foram estilhaçados, cadeiras quebradas, portas… Em reunião anterior, um líder dos funcionários bradara palavras grosseiras e ofensivas contra o Reitor. Apesar de filmados, não houve sequer expulsões. Acinte, desrespeito, impunidade. A ausência de decisões firmes tem tributo a pagar, e o que ocorre presentemente é apenas consequência.

Já àquele momento essa minoria organizada, que pouco se importa com a destruição do bem público, pleiteava, entre outras reivindicações, a paridade de toda a comunidade uspiana no que concerne à eleição do Reitor. O voto paritário estabelece o mesmo peso para aquele depositado por jovem recém-ingressado na universidade e o da totalidade de docentes, alunos e funcionários, eliminando, pois, a representatividade de cada categoria junto aos vários conselhos universitários. Obviamente o ingressante pode ser facilmente manipulado pelo simples fato de desconhecer quaisquer currículos dos candidatos a Reitor ou de Diretores de Unidades da USP. Quantas não foram as vezes em que perguntei aos mais exaltados alunos da universidade o que eles sabiam dos candidatos a Reitor ou a Diretor. As respostas não deixavam margem à interpretação. Desconheciam carreiras, trajetórias acadêmicas, mas empunhavam bandeiras escarlates bem conhecidas no campus. E toda a distorção estava estampada.

Lembro-me de que, em eleições para Diretor da Escola de Comunicações e Artes (ECA), uma das unidades da USP, por vezes alunos formaram verdadeiro corredor polonês no longo acesso à sala da Congregação, buscando intimidar votantes. Alguns docentes, movidos por estranhos propósitos, estimulavam veladamente a manifestação ruidosa. Para aqueles professores que não comungavam das ideias desse “batalhão”, palavras fortes e até xingamentos ecoavam pelo corredor. Gritavam, cantavam e rufavam tambores em nome da… democracia.

Hoje, distante do campus e muitos anos após esses incidentes, verifico com tristeza que a Universidade de São Paulo agoniza. A autonomia uspiana, que deveria ser solução, tem sido um entrave. Minorias, movidas pela mesma ideologia desse passado recente, chegam tantas vezes à anarquia e ao vandalismo, e comandam intimidações, invasões e depredações, sob o amorfismo, letargia e indiferença da grande maioria de alunos, funcionários e docentes. Greves têm apresentado recrudescimento sempre mais intenso. Se a Constituição respeita a greve e o direito ao trabalho, este é simplesmente ignorado por pelegos que sabem que não serão punidos pela afronta à Carta Magna. Falta pulso forte para decisões que podem soar impopulares, mas necessárias. A impressão é sempre de temor pelo que estará por vir, nunca para melhor. Não há mais o menor respeito à hierarquia, aos preceitos básicos da convivência, à lhaneza ou mesmo à civilidade. Truculência, palavreado que faz corar cultores da língua portuguesa, atitudes as mais absurdas, como as invasões da Reitoria, seguidas de destruição, saque e permanência de “bandoleiros” nos recintos que não deveriam jamais ser maculados, provocam  o pavor dos dirigentes, sem coragem necessária para expulsá-los, o que seria possível se leis fossem aplicadas. Contudo, temem-nos, com receio de “maior” conturbação. A invasão da Reitoria por membros do corpo discente durante semanas no ano anterior, quando destruíram e picharam seu interior, roubando computadores e até peças dos banheiros, independentemente da imensa sujeira que deixaram, na qual não faltava grande quantidade de preservativos, é prova da delicada situação atual na USP. A greve deste ano, que dura tempo desmesurado (mais de três meses), provocada por grupelhos de funcionários, alunos e docentes, é prova inconteste do desvario.

Querem à força ver atendidas reivindicações.  Apesar de contarem com a lei, dirigentes submergem frente às violências. E todo o mal está feito. Tudo indica que novas quedas nas avaliações internacionais deverão ocorrer, não sem razão.

No programa “Bom Dia Brasil” da TV Globo, do dia 15 de Agosto, a repórter Renata Cafardo comentava a crise da USP, estendendo-a aos grandes prédios inacabados, como o Centro de Convenções, o Museu da USP e o Centro de Difusão Internacional. Do primeiro, salientou que foram gastos 80 milhões de reais, faltando outros 40 para a finalização. Disse ainda que nesse centro haveria “um grande palco com elevação mecânica e instalação do maior órgão da América Latina, já comprado e armazenado na USP”. Nessa reportagem Renata Cafardo informou que, devido à crise, cogita-se a transferência desses prédios para a Secretaria do Estado da Cultura.

Voltemos ao órgão. Os gastos exagerados promovidos pelo Reitor que antecedeu o atual, Professor João Grandino Rodas, tem um exemplo flagrante na compra do órgão mencionado na reportagem acima. Não empreendeu a direção da Universidade diligências aprofundadas no sentido de se debruçar sobre um magnífico órgão Tamburini de fabricação italiana, mantido em containers no campus. Tratativas vãs foram realizadas e o órgão jaz enclausurado. No site da Escola de Música da Universidade Federal do Rio de Janeiro, que adquiriu na década de 1950 um instrumento de tubos, lê-se: “O instrumento foi construído pela Fabbrica D’Organi Comm. Giovani Tamburini, da cidade de Crema (Itália), fundada pelo organeiro Giovanni Tamburini (1857-1942) em 1893. Foi encomendado pela diretora da Escola Nacional de Música, Joanídia Sodré, para substituir o antigo órgão Sauer de fabricação alemã, comprado por Leopoldo Miguez para o Instituto Nacional de Música”. A inauguração do instrumento se deu no dia 13 de Agosto de 1954.

Um histórico que levou à doação do órgão Tamburini mantido no campus merece umas poucas linhas. O instrumento data de 1951 e foi instalado no ano seguinte no salão principal da residência da organista e incentivadora das Artes Alda Hollnagel, em Itapecerica, perto de São Paulo. Foi inaugurado pelo mesmo organista italiano que fez a première do instrumento da Escola Nacional de Música, Fernando Germani, organista da Basílica de São Pedro do Vaticano e Professor da Academia Santa Cecília de Roma. Na minha juventude, várias vezes assisti aos recitais promovidos pela anfitriã Alda Hollnagel. Quando a sucessora do instrumento, irmã de Alda Hollnagel, Teresa, resolveu dar uma destinação ao magnífico órgão, José Luís de Aquino, Professor da Universidade de São Paulo e organista respeitado internacionalmente,  entrou em contato comigo e, após várias reuniões que mantivemos com a Sra. Teresa Hollnagel, esta generosa mecenas resolveu doar o instrumento à USP, com a condição de vê-lo instalado e ouvir um recital de José Luís de Aquino durante a inauguração. Quimera, infelizmente. Depois de longos entendimentos de ordem administrativa, o órgão foi doado à Universidade de São Paulo (abertura do processo, dia 7 de Junho de 2005).

O instrumento é realmente extraordinário, com cerca de 3.000 tubos, 4 teclados e pedaleira de 32 notas; portanto, completa. Tantas outras informações José Luís e eu colhemos e anotamos durante as reuniões com a Sra. Teresa Hollnagel e que, pela especificação técnica, fugiriam ao propósito do presente post. O certo é que documentações internas de ordem burocrática cruzaram as várias instâncias da USP e nada de prático resultou após 9 anos!!!

Não saberia as razões da compra daquele “maior órgão da América Latina”, segundo a repórter Renata Cafardo. Tenho lá minhas dúvidas quanto a essa dimensão. Não seria este um exemplo flagrante de desperdício de dinheiro, pois o órgão Tamburini atenderia maravilhosamente às necessidades no campus da USP? Ao Reitor não teria faltado pulso e vontade para fazer “ressurgir” a preciosidade oculta? Com o Centro de Convenções inacabado e órgão novo armazenado, são agora dois instrumentos que permanecem silenciosos.

Não deve ser poupado de críticas o atual Reitor, Professor Marco Antônio Zago, que foi Pró-Reitor de Pesquisa na gestão anterior, pela ação tímida com que está a conduzir a crise inusitada. É nesses momentos que se conhece o verdadeiro líder. Há muitíssimo a fazer, mormente sabendo-se que a USP gasta atualmente 105% do seu orçamento com a folha de pagamento de seus servidores. Terá o atual Reitor pulso forte para demitir, cortar gastos promovidos por seu antecessor e provocar o verdadeiro saneamento? Se a restrita comunidade uspiana está cada vez mais isolada em seus muros, a imensa quantidade de contribuintes do Estado, que sustenta as três universidades públicas que compõem o Conselho de Reitores das Universidades do Estado de São Paulo (CRUESP), aguarda soluções em breve, tardiamente diga-se, hélas.

Às vésperas das eleições estaduais, não se descartem fins escusos motivadores da greve.

This post addresses the strikes that every year hit the State University of São Paulo – USP, the ideological roots that feed them, the repeated acts of vandalism and violence on the part of students, with occupation of buildings and destruction of public property, inaction on the part of authorities – nobody is ever arrested or charged – and the continuous fall of USP in the world university rankings. With such recurrent disruptions of learning, the once highest-ranked university of South America seems to be in its death throes.

 

 

 

Compositores e Filósofos, Criadores de Ideias Novas? Ou só uns Poucos

Há cinquenta anos, eu tinha contato com intérpretes,
arranjadores, inventores de melodias, orquestradores,
musicólogos, críticos, acompanhadores, improvisadores…,
mas hoje eu só encontro “compositores”!
Diria que todos foram subitamente tocados pelas graças das musas.
Serge Nigg  (1924-2008)
(“Témoignages” nº 3. Université Paris-Sorbonne, Observatoire Musical Français, 2010)

Marcos, amigo geômetra, leu o último blog em que inseri epígrafe do compositor francês Georges Migot (1891-1976), na qual observava que “a interpretação mais perigosa é certamente a ideia literária ou filosófica penetrando os meios de expressão que lhe são exteriores, na intenção absolutamente insuportável de comentá-los, como se esses meios ou processos não bastassem tão somente”. Fazia-se acompanhar por um jovem professor que se apresentou como filósofo. Imediatamente veio-me à mente o posicionamento do compositor francês Serge Nigg, que dizia que ultimamente só encontrava compositores. Durante um curto em minha cidade bairro, Brooklin-Campo Belo, trocamos opiniões a respeito. O jovem professor de filosofia interessou-se pela epígrafe mencionada por Marcos. Perguntou-me com certa dose de um ex-catedra: “Acredita também que literatos ou filósofos não possam opinar sobre a Arte?”. Respondi-lhe que devem, mas com as reservas necessárias, pois a essencialidade da música requer conhecimento da partitura como um todo, nosso ferramental absoluto. Acrescentei  que, sem penetrar nas noções básicas da geometria, nada posso discutir com Marcos em temas afeitos à sua área.

Se houve Jean-Jacques Rousseau (1712-1778), Friedrich Nietzsche (1844-1900), Albert Schweitzer (1875-1965), Theodor Adorno (1903-1969), Vladimir Jankélévitch (1903-1985), entre os poucos filósofos que conheciam perfeitamente a trama musical, tantos outros escreveram opinando sobre música e, geralmente, sob o impacto da audição com resultados razoáveis, parciais ou negligenciáveis. Disse-lhe que me causa certo mal estar ouvir filósofos discorrerem sobre nossa área, como se essa arte sublime fosse “apenas”… uma área da cultura. Aliás, fazem-no também em relação a outras artes e à literatura. Um deles, ultimamente comparou, nesse nebuloso território da cultura voltada à leitura de autoajuda, Paulo Coelho a Saint-Exupéry, mencionando “Le Petit Prince”. Certamente desconhece “Citadelle”, monumental obra que aborda “todos os problemas do destino humano e o condicionamento do homem”, segundo Simone de Saint-Exupéry.

Nossa conversa penetraria doravante esse delicado tema. Desconfiado, o jovem professor do segundo grau de importante escola privada não concordou com algumas colocações propostas e indagou-me se tinha algum preconceito contra filósofos ou compositores. Prontamente disse-lhe que não e nomeei determinados livros que me acompanham durante as longas décadas, assim como de minha admiração confessa por tantos compositores qualitativos de nossos dias, tendo gravado e interpretado inúmeras obras desses autores contemporâneos do Brasil e do Exterior, frise-se bem, qualitativos. Lembrei-me de Serge Nigg que observa “essa vontade de aparecer custe o que custar como criador e não como simples intérprete”, frase certamente forte e responsável pela quantidade de compositores que pululam e que  enveredam  por caminhos onde lhes faltarão o ferramental necessário, a técnica e o talento. Situação similar acontece na área dos philos sophia. Como senti uma certa irritabilidade do jovem professor de filosofia, mudei de assunto e conversamos sobre o nosso triste futebol, sem tática, sem garra, sem nada e fazendo-nos saudosos de tradição irremediavelmente perdida, e também sobre a política que emana do Planalto, sem rumo sensato, imbuída de fatal binômio ideologia-conchavo e que já se faz sentir nos resultados econômico-sociais e nas tendências totalitárias divulgadas diariamente. Não da parte do amigo Marcos, mas senti que meu jovem interlocutor não gostou de meu posicionamento também nessa área. Despedimo-nos, não sem antes dizer aos dois que pensar livremente deveria fazer parte, in conditio sine qua non, de nossas atividades e de outras igualmente.

Curiosamente fui apresentado nesses últimos anos a alguns egressos da universidade que concluíram ou abandonaram os cursos de filosofia. Uns partiram para o magistério e outros singram novos rumos. Fica-me uma impressão não distante do que escreve Serge Nigg. Sentem-se filósofos e disso se orgulham. Assim como dediquei um post aos “criativos” publicitários, que majoritariamente inserem em cartões de visita ou revelam verbalmente o termo “criativo”, apropriando-se de uma palavra destinada a poucos (vide blog, 25/04/2009), o termo filósofo parece-me com uma carga enorme.  Se a etimologia da palavra remonta à Grécia Antiga, amigos da sabedoria, transformar o termo numa profissão como qualquer outra torna-o banal, sem mais, mormente acompanhando-se o transcurso da história, que reservou aos eleitos criativos do pensar as “graças das musas” enunciadas na epígrafe. Seria possível entender que presentemente um menor número de humanistas finda os cursos de filosofia. Poderia ser uma explicação para a proliferação de outros jovens que se autodenominam filósofos. Causa-me estranheza a atitude dessa nova geração de “filósofos”. Tratado como “filósofo” pela mídia, o jovem autoritário, um dos coordenadores do movimento dos sem-teto, não está a promover a desordem social através de invasões de terrenos e logradouros, depredações, passeatas a impedir o ir e vir do cidadão e mais proselitismo barato em entrevistas? Os governos federal, estadual e municipal só assistem a esses alucinantes distúrbios. Até quando?

Acredito que, no caso da filosofia, seria tão mais correta a designação professor de filosofia, pois aqueles que continuam acabam por entrar no magistério. Filósofo, a meu ver, teria de estar acompanhado de currículo verdadeiramente criativo a transpor fronteiras geográficas, tendo o postulante, no caso, teoria formadora de escola, entenda-se, aceita, divulgada e estudada pelos especialistas internacionais e não meramente provinciana e adulada na Academia, tantas vezes gueto de vaidades e de ideologia precisa. Se o leitor perguntar aos recém-formados em música-composição, filosofia e marketing poderá receber respostas claras sobre suas atuações, “sou compositor, sou filósofo, sou criativo”. E como dizia o ilustre Roberto Campos, “tudo vai mal onde tudo vai bem”.

Se o jovem professor mencionado no início do post ler este texto, acrescentaria que na composição há alguns criadores que quebraram as altas ondas que vão ter à praia, singraram  mares e são nomes referenciais no hemisfério norte e no Extremo Oriente. Villa-Lobos, Henrique Oswald, Camargo Guarnieri, Gilberto Mendes… Outros igualmente estão sendo divulgados e reconhecidos em termos mundiais pela qualidade de suas obras. Todavia, trata-se de espaço reservado a poucos. Pepitas de ouro no cascalho.

A chance meeting with a guy holding a degree in Philosophy reminded me of Serge Nigg’s words that open this post. As for myself, I’m also tired of students of philosophy or music composition who feel entitled to call themselves philosophers and composers, as if school benches were a talent factory, not just a place to hone the talent that very, very few have.

 

 

 

 

Quando a Arrogância e os Holofotes Preponderam

Porquê tolerar?
Parece-me ainda pior do que perseguir.
No perseguir há um reconhecimento do valor.
Agostinho da Silva

Estávamos no dia 9 de Julho de 1950. Meus pais levaram os quatro filhos para assistir ao jogo Brasil x Suécia em pleno Maracanã, na então bela Rio de Janeiro. Pela primeira e última vez entrei nesse gigantesco estádio e, nos meus 12 anos, vibrei com a vitória por 7 x 1 frente à equipe sueca. Ineditamente, 64 anos após, assisto pela televisão a mais um 7 x 1, desta vez contra nossa lamentável seleção. Estamos quites com os maiores resultados que obtivemos em todas as copas, para cima ou para baixo. Portanto, empatados…

Durante a Copa do Mundo preferi nada escrever sobre o tema. Filhas e netas me aconselharam a não ser o “cético” que vaticinava a derrocada desde os preparativos da seleção brasileira, mercê do ufanismo exagerado e das teorias ultrapassadas da comissão técnica de nossa equipe. Aquiesci, porém, após o Mineiratzen que jamais será esquecido por esta e futuras gerações, pensei escrever um post, ouvir comentaristas, mormente aqueles que foram jogadores consagrados. Não é de hoje que escrevo ter aprendido muito com as observações de esportistas de todas as áreas, inclusive tendo reflexos na minha atividade pianística.

Assisti aos jogos pela TV Bandeirantes, como sempre. Gosto dos comentaristas, ex-jogadores como Neto, Edmundo, Djalminha, Pedrinho, Denilson e dos locutores, bem mais competentes e naturais nos lances que se desenrolam durante os jogos, se comparados aos de emissoras da TV a cabo, muitos apenas jovens comentaristas que se expressam bem, mas sem a experiência daqueles citados. Há também os integrantes da equipe da principal rede aberta televisiva, pomposos e com ares oficiais. Contudo, interessaram-me igualmente as observações de quatro grandes jogadores internacionais campeões do mundo que compareceram com frequência aos estúdios do Sport TV. Lothar  Matthäus (Alemanha), Fabio Cannavaro (Itália), Daniel Passarela (Argentina) e Carlos Alberto Torres (Brasil) evidenciaram posições diferenciadas e de grande interesse. Carlos Alberto frisou que o problema maior de nossa seleção resumia-se num “oba, oba” nefasto que ele denunciava já há alguns anos. Creio que essa situação é fruto de um entusiasmo desmesurado da mídia; do Planalto, que frequentemente fazia-se presente em pronunciamentos para “prestigiar” e, consequentemente, colher frutos de uma eventual conquista brasileira, em exemplos grotescos como “A Copa das Copas” ou o “É Tóis”, postado recentemente pela mandatária mor do país; de Luis Felipe Scolari, técnico absolutamente ultrapassado; do ufanismo estratosférico de Carlos Alberto Parreira que proclamou, poucos dias antes da Copa, que éramos os francos favoritos; do próprio Scolari, que prometeu tanto aos brasileiros, criando nos mais incautos a sensação da invencibilidade; dos jogadores envoltos nas mais diversas propagandas; dos holofotes em altíssima voltagem e do sobrevoo dos helicópteros quando dos deslocamentos hollywodianos.

Sob outro aspecto, rádios e canais de televisão apresentavam um verdadeiro tsunami, exibindo exaustivamente durante meses publicidades banalíssimas sobre a copa, encomendadas por empresas privadas e estatais. Musiquetas pavorosas, insistentes, com textos massacrantes marcaram essa propaganda de patrocinadores os mais variados, de Bancos, a lojas que vendem “sem juros”, de revendedoras de automóveis a hotéis com “promoção”… Festival anacrônico. Em página inteira publicada no Estadão na quarta-feira, 9 de Julho, um dia após o Mineiratzen, lê-se publicidade de uma das maiores empresas do Brasil na área de alimentação: “Valeu a pena torcer. E se não deu para papar mais um título agora, nossa torcidinha tem tempo pela frente pra ver o sexto, o sétimo, o oitavo… Quem tem alma de criança nunca perde por esperar, Seleção # TE AMO JUNTINHO”. É de pasmar!!! Logo, logo a mais poderosa rede de televisão estará a conclamar “… faltam mil e tantos dias para o Copa do Mundo em Moscou” !!! E toda a lamentável distorção estará a se perpetuar!!!

Após a trajetória dos últimos anos, Scolari não deveria ser convidado a dirigir uma seleção. Técnicos com mais idade mantiveram-se atualizados. Sir Alex Ferguson (1941- ), que esteve na lista dos maiores treinadores do mundo até bem recentemente a dirigir o Manchester United da Inglaterra, é apenas um extraordinário exemplo. Scolari, Murtosa, Parreira não acompanharam a evolução técnico-tática do futebol. A acachapante derrota diante de uma Alemanha organizadíssima comprova a falta de estratégia de um trio atônito com o desenrolar do massacre infringido ao selecionado brasileiro. É só acompanhar o retrospecto de Scolari nestes últimos anos, saliento bem. Após passagem frustrada pela seleção portuguesa, com duas derrotas frente à mediana equipe da Grécia, a primeira e a última partida da Copa da Europa de 2004, não propiciando aos portugueses festejos em seu país, dirigiu despreparado o poderoso Chelsea da Inglaterra, retirando-se pouco tempo após. A seguir esteve a dirigir no Uzbequistão. A “inesquecível” condução como técnico do Palmeiras, abandonando o barco quando a equipe deslizava em direção à série B, o que de fato aconteceu, e as direções anteriores seriam motivos indiscutíveis para o arquivamento de seu nome como técnico, vencedor sim no passado, de certames no Brasil e da Copa de 2002. Esses feitos jamais serão olvidados e ficarão registrados na história do futebol pátrio. Assumir o cargo de técnico da seleção brasileira, tendo Carlos Alberto Parreira, outro desatualizado, foi temeridade a anunciar naufrágio. Sob outro aspecto, entendo profundamente constrangedora a atitude dos três, Scolari, Parreira e Murtosa, abandonando à própria sorte a seleção após o terceiro gol da Alemanha. Encolhidos em suas cadeiras, abrigados do vexame e não dando a menor possibilidade de reação à equipe pessimamente escalada para enfrentar a poderosíssima seleção alemã. Desestruturada em sua espinha dorsal, pois negligenciando o meio de campo, setor cerebral de uma equipe, tornaram-se nossos perdidos jogadores presas fáceis da blitzkrieg germânica, que atacava com rapidez, desorganizando por completo nossos setores defensivo e dianteiro. A imagem que me vinha à mente após os poucos minutos de terror, quando tomamos 5 gols, era a dos filmes sobre a segunda grande guerra em que tanques e aviões nazistas invadiam sem piedade as hostes “inimigas”. Frise-se, em nenhum instante a extraordinária equipe alemã utilizou de recursos desleais e seus jogadores demonstraram até uma certa “piedade” em relação à nossa seleção. Se quisessem forçar as blitz, teriam chegado não aos sete gols, mas certamente à maior goleada da história de todas as copas, dez, onze ou mais gols!!! A comparação com a blitzkrieg, friso, relaciona-se ao poder de ataque, pois a seleção alemã, num sentido absolutamente oposto aos nazistas, foi certamente a mais simpática, comunicativa e generosa entre todas que estiveram no país. Que o diga o Estado da Bahia, onde se hospedaram. Legaram ao simpático povo baiano a sede que planejaram e construíram.

Considerando a decisão de alguns técnicos, como Fabio Capello (Rússia), Cesare Prandelli (Itália) e outros que não estou a me lembrar, após os 7 x 1 contra os alemães o mínimo que Scolari e a Comissão Técnica poderiam fazer seria anunciar a pronta demissão após o jogo deste sábado. Veremos. Mas fica a pergunta cruel, temos hoje algum técnico no Brasil ao nível dos experientes europeus ou mesmo argentinos? Falam de Tite. Campeão Mundial Interclubes em 2012 pelo Corinthians. E depois? Sucumbiu com o mesmo time no campeonato brasileiro do ano seguinte. Muricy foi tímido e não preparou convenientemente o Santos para o desastre de 4 x 0 frente ao Barcelona, também a disputar o Mundial Interclubes. Internacional de Porto Alegre e o Atlético Mineiro deram vexame ao serem derrotados nas semifinais desse certame em outros anos, também mal orientados nas retas finais. Sob outra égide, os técnicos das seleções da Colômbia (José Pekerman) e do Chile (Jorge Sampaoli) são da Argentina e levaram as equipes por eles dirigidas a avançar na Copa do Mundo como jamais acontecera anteriormente para os dois países. Argentinos eram os dois que decidiram a Liga dos Campeões da Europa neste 2014. Teríamos a humildade de convidar um excelente técnico europeu? Para a Confederação Brasileira de Futebol e para o ego de nossos treinadores seria impossível pensar em técnico do país vizinho. A seleção dos Estados Unidos teve a treiná-la um dos maiores jogadores da Alemanha em passado recente, Jürden Klinsmann, e cumpriu com dignidade sua participação na Copa.

Sob outro contexto, gostaria de salientar que a não realização das eliminatórias pela seleção do Brasil como país sede, resultou situação aparentemente tranquila, mas péssima no que concerne à presença permanente da tensão em jogos decisivos. Quem sedia a Copa tem a participação garantida. Contudo, eliminatórias significam atividade constante e testes essenciais para jogadores que despontam ou não estão glorificados pelos holofotes. Cria-se uma equipe base que, durante mais de um ano, terá de pontuar para se garantir entre os primeiros nas eliminatórias. Jogadores entram com adrenalina lá em cima pela expectativa dessa pontuação, apresentam-se frente às hostis torcidas de outros países sul americanos nos chamados jogos de volta. Essa participação é o peristilo do que poderá acontecer numa copa. Todavia, livre das eliminatórias, teve nossa seleção como jogos extras partidas amistosas sem qualquer interesse futebolístico. Em se tratando do Brasil, a CBF busca seleções por vezes insignificantes de países longínquos para pelejas que só buscam o lucro e, logicamente, nem os jogadores têm a adrenalina alterada, tampouco esses jogos são lembrados. Quantos não foram os mergulhos abissais no mar da corrupção que a CBF realizou nessas últimas décadas envolvendo, entre outras estranhas negociações, esses jogos “caça-níqueis”? Nada, mais nada é capaz de modificar as estruturas corroídas da CBF.

Assim como o dia 16 de Julho de 1950 jamais será esquecido, o célebre Maracanazo, também o dia 8 de Julho ficará na memória, o Mineiratzen, nos textos, nas conversas de botequim, no cotidiano sob todas as formas e nesse imaginário nostálgico do sofrido povo brasileiro. Preparado para as fotos que seriam divulgadas ad nauseam, caso vencêssemos a Copa, certamente o Planalto silenciará sobre o desastroso match frente aos alemães. Silenciará também sobre obras inacabadas nos entornos dos estádios e na infraestrutura, sobre os gastos estrondosos das grandes arenas e, infelizmente, sobre os gigantescos e belíssimos elefantes brancos que ficarão plantados em Manaus e Cuiabá. Nada a fazer neste país à deriva. “O povo tem memória curta”. Acredita o Planalto que logo as nuvens cobrirão todo o infortúnio. Nada a fazer. As eleições batem à porta.

Post Scriptum:

O texto entrou aos cinco minutos deste último sábado. Corroborando o que se lê em meu blog, porém com a acuidade e o olhar mais aprofundado de um dos maiores locutores e comentaristas que o Brasil conhece, Flávio Araújo, insiro excerto da “Coluna” que recebi, publicada em site especializado no dia 14/07/2014.

“O país do futebol de outrora é hoje a pátria da corrupção, onde as mãos largas dos políticos se fecham em busca do poder a qualquer preço e pelo maior tempo possível. O futebol muito fez pelo Brasil em tantos anos de conquistas, mas chegou o momento de abrirmos os olhos desse povo hoje enganado em todos os sentidos. Seja pelos políticos produzidos pelos marqueteiros para mentir em busca de votos, seja pelo falso ufanismo imperante nas tevês. Quem não via que o Brasil não tinha time para ganhar a Copa? Só os cegos globais”.

After Brazil’s 7-1 defeat by Germany in World Cup semi-final, a humiliation on epic scale, I raise some considerations about the sad situation of Brazilian football today.