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A austeridade a serviço da interpretação excelsa

 

Creio que os mais árduos estudos, o talento mais autêntico
e a aplicação mais séria não bastam,
se a vida inteira não for orientada na direção da meditação.
Edwin Fischer

Foram dois episódios que corroboraram a atenção maior a esse grande pianista, mestre e regente. Estudava em Paris e, ao completar 21 anos, amigos que trabalhavam no escritório de uma grande empresa de matérias-primas para a indústria da perfumaria, da qual meu pai era representante em São Paulo, o que fez com que eu morasse durante meu estágio no andar superior, com direito a um piano e uma sala de banho, ofereceram-me um LP com a gravação de Edwin Fischer do Concerto nº 5 (Imperador) para piano e orquestra de Beethoven. Almoçava com os funcionários da empresa na cantina do escritório. Momentos a não serem esquecidos. O LP, ouvido inúmeras vezes na interpretação extraordinária de Edwin Fischer, estimulou-me a estudar o Concerto, o que o fiz sob a orientação do ilustre pianista e professor Jean Doyen.

Em uma segunda oportunidade, o ilustre pianista português Sequeira Costa, com quem também estudei na capital francesa todos os Estudos de Chopin, louvava constantemente um de seus mestres, Edwin Fischer. Quando no Porto para recital violoncelo-piano com Madalena Sá e Costa (07/01/1986), sua irmã, a notável pianista e professora Helena Sá e Costa, falou-me com ênfase das qualidades inalienáveis de seu mestre Edwin Fischer.

Nascido na Suíça, Edwin Fischer foi um dos mais destacados pianistas de seu tempo, numa linha diferenciada dos grandes pianistas românticos. Cultor de J.S.Bach, afirmou sobre a obra do compositor: “É o logos, a última destinação de todo ser que se incarna em suas composições. Como um homem pode criar uma tal totalidade, alguma coisa tão definitiva e também tão atemporal?”

Edwin Fischer foi um árduo crítico daquilo que se chamou “estilo de época”, mormente em relação à interpretação das obras originalmente escritas para cravo, mas executadas ao piano. Entrevistado por Bernard Gavoty (Edwin Fischer – Les Grands Interprètes. Genève-Monaco, René Kister, 1954), Fischer expõe o que pensa: “Não a um Silbermann (cravos do século XVIII) em detrimento daquilo que vos oferece um Steinway (piano de concerto); não exija de uma pluma, que arranha um fino fio de aço, a sonoridade generosa e redonda de um martelo feltrado interrogando docemente uma corda enrolada por cobre, com dois metros de extensão e esticada sobre uma tábua harmônica longa como uma mesa de cozinha”. Como regente corroborou a divulgação das obras de J.S.Bach.

Clique para ouvir a Fantasia cromática e fuga de J.S.Bach, uma das mais emblemáticas criações do Kantor para teclado. Edwin Fischer realiza uma extraordinária interpretação ao piano, austera, mas não desprovida de grande intensidade emotiva. O tratamento amplo da dinâmica na fantasia e o rigor no tratamento e na condução das vozes na fuga atestam a presença do Grande Mestre do teclado.

https://www.youtube.com/watch?v=KhkYxELjVq0

Edwin Fischer também se tornaria intérprete referencial das obras de Mozart, Beethoven, Schubert, Schumann e Brahms. Ao longo dos 13 anos de blogs ininterruptos, quando abordo aspectos interpretativos, saliento sempre que são as execuções desses grandes mestres do passado que, imbuídos da tradição, repassam-na aos pósteros. Continuo crítico às interpretações plenas de artifícios nessa civilização do espetáculo que privilegia a cena, o gestual, a expressão facial em “êxtase” e repleta de contorções. Câmeras acompanham os mínimos movimentos. Não seriam esses elementos, por si só, fatores essenciais de um descuido daquela que deveria ser a primordial preocupação, a passagem fiel da mensagem?

Neste ano em que se comemoram os 250 anos de nascimento de Ludwig van Beethoven, transcrevo texto basilar de Edwin Fischer de como penetrar em seu universo sonoro: “Achar-me-ão talvez presunçoso, mas tenho a impressão que nos tornamos muito refinados, muito cultivados! Sabemos hoje de maneira precisa como Beethoven queria que se fizesse isso ou aquilo. Temos edições nas quais há três páginas de explicação para uma página de música. Somos capazes de distinguir o Beethoven que ouvia daquele já surdo… Tão sábios! Não obstante, os vulcões que o atormentaram no seu trabalho de fazer nascer, os sóis que o iluminaram, os gritos que despedaçaram seu coração – tudo isso não mais nos emociona. Todavia, é justamente nessa direção que é necessário buscar as fontes da interpretação. Esqueça o piano, esqueça o estilo, a educação, o saber e busque Beethoven! Transforme seu piano em órgão, em violino, em instrumento de sopro, em tímpano – mas, sobretudo, faça com que ele cante! Conduza à luz viva todo o mundo mergulhado no império das sombras! Deixe-se levar ao reino da imaginação, onde habita o espírito de Beethoven!”

Clique para ouvir a Sonata nº 8, op 13 de Beethoven (Patética):

https://www.youtube.com/watch?v=wSCUmAgp4Ms

Ouvindo-se as gravações de Edwin Fischer da maturidade ficaria transparente sua observação sobre esse estágio, respondendo a uma pergunta de Bernard Gavoty, que ouvira o pianista ao vivo como solista do Concerto nº 4 de Beethoven: “Mudamos com a idade! Se você me ouvisse na minha juventude – tempestuoso -, certamente teria dado risada! Um dia, Richard Strauss apontou meu erro, reprimindo-me pelo fato de não tocar sobriamente o começo desse Concerto e delicadamente observou: ‘Porque tanta empolgação? Deixe apenas seu cartão de visita…’ Compreendi desde então”.

Quanto a Mozart, Fischer tinha real prazer de tocar suas obras quando recebia amigos íntimos.

Seria contudo, de maneira maiúscula, a presença das criações de J.S. Bach não apenas em sua atividade pianística como também na de regente de mérito. Foi o primeiro a gravar a integral do Cravo Bem Temperado nos anos 1930 e até nossos dias seu trabalho tem-se mostrado modelo de absoluta apreensão dos 48 Prelúdios e fugas que compõem os dois livros da monumental obra.

Entre seus alunos, destacam-se: Thierry de Brunhoff, Daniel Barenboim, Paul Badura Skoda, Reine Gianoli, Évelyne Crochet e Alfred Brendel. Este último confessaria que foi Edwin Fischer quem mais o influenciou.

Bernard Gavoty, nesse convívio com Edwin Fischer, escreve suas conclusões: “Felicito-o por não ser um virtuose como os outros, quero dizer, um caixeiro viajante que faz a volta ao mundo com sua valise de amostras à mão. Felicito-o igualmente pela dedicação que concedeu à música de câmara, a esse repertorio sublime, diverso e inesgotável. Ao sucesso, você preferiu a glória de seus deuses eleitos; ao seu repouso, a alegria do público. Você é pródigo no meio de parcimoniosos; puro em uma época onde prepondera a habilidade; lírico em um tempo em que nos sentimos estéreis; grande em um século onde se vê pequenez… É bom, é bonito.”

De minha parte, sempre admirei esses mestres do passado que entenderam, guardando as inerentes individualidades, que a interpretação tem continuidade através da observância da tradição. Como metáfora, poderíamos entender as rupturas que se têm acentuado nessa civilização do espetáculo, como barragens a alterar o curso natural de um rio com consequências imprevisíveis. E estas já se mostram. Contudo, ainda há aqueles que preservam a tradição, caminho seguro para conhecermos a origem originária de um determinado período da história da composição e de seus criadores.

Nesses tempos terríveis do COVID-19, ouvir interpretações desses mestres, que mantinham uma relação distinta com a música, é um bálsamo para o espírito.

The Swiss-born pianist and conductor Edwin Fischer (1886-1960) is one of the most celebrated classical musicians of the 20th century, an outstanding interpreter of Bach, Mozart, Beethoven, Schubert, Shumann and Brahms. His complete recording of Bach’s The Well-Tempered Clavier is to date considered exemplary. Fischer’s concern has always been to show the brilliance of the composers he played rather than his own. As for me, I’ve always admired the austerity of the great masters of the past, respectful of tradition and the inner spirit of the music they were playing.

Físico avantajado frente à interpretação plena de contrastes sonoros

Na Idade Média,
eis um homem que teriam queimado vivo por feitiçaria.

Gieseking a tocar Debussy é Gulliver em Lilliput,
mas também Monet em Giverny.

Bernard Gavoty
(“Walter Gieseking – Les Grands Interprètes”)

Tem-me causado surpresa a recepção aos posts dedicados aos grandes mestres do teclado de antanho. Adultos das várias faixas etárias estimulam esse caminho e nomeiam pianistas notáveis e basicamente desconhecidos pelas novas gerações. Sob outro ângulo, alguns jovens estão bem interessados nesses “monstros sagrados” e, surpresos, apreendem que a interpretação sofreu modificações em direção aos preceitos da nossa civilização do espetáculo.

Walter Gieseking, ilustre pianista franco-alemão, notabilizou-se pela interpretação personalíssima, memória inusitadamente utilizada na apreensão das obras e pela surpreendente interpretação das integrais de Mozart, Debussy, Ravel, assim como das 32 Sonatas de Beethoven, dos dois livros do Cravo bem Temperado de J.S.Bach e de criações relevantes da música contemporânea.

Ouvi-o em São Paulo em recital memorável. Foi nas fronteiras das décadas de 1940-1950. Estou a me lembrar daquele pianista forte, com corpo de atleta de arremesso de peso, que dimensionava as sonoridades em seus limites extremos. Poeticamente, o crítico Bernard Gavoty comenta: “sob os dedos de Gieseking, o piano não é mais um instrumento de percussão onde os martelos são acionados, mas um cofre mágico de onde saem a voar, graças a toques misteriosos, as sonoridades adormecidas” (“Les Grands Intérprètes, Genève-Monaco, Renè Kister, 1954).

Clique para ouvir, na interpretação de Walter Gieseking, Claire de Lune, de Claude Debussy:

https://www.youtube.com/watch?v=MhadMhkFnnQ

A sua interpretação da integral para piano de Claude Debussy – conhecida até então – foi, durante um bom tempo, entendida como modelo. Estudos aprofundados da obra do compositor francês, tendo-se em conta aspectos entendidos fulcrais, como dinâmica, agógica e acentuação, assim como o respeito absoluto às intenções de Debussy, certamente o primeiro músico a tudo notar para que dúvidas não pairassem – lembremos sua frase: “quatro semicolcheias são quatro semicolcheias” -, fizeram com que a interpretação concebida por Gieseking sofresse contestação devido a determinadas liberdades. Contudo, sua leitura do conjunto da criação de Debussy ainda é referência. Por extensão, Maurice Ravel recebeu de Gieseking execuções memoráveis, mormente da Sonatina, Gaspard de la Nuit et Miroirs. Dessa última, ouçamos Alborada del Gracioso:

https://www.youtube.com/watch?v=7Ifp5KStkv4

Estou também a me lembrar de meu pai chegando em casa com um grande álbum azul a conter a integral para piano de Mozart em LPs. Foram dias não esquecidos a ouvir Walter Gieseking.

Clique para ouvir a Sonata em Lá Maior K. 331 de Mozart (Sonata da Marcha Turca)

https://www.youtube.com/watch?reload=9&v=NHlJ1oP2Kq8

Duas curiosidades sobre Gieseking que me foram transmitidas pelo saudoso amigo e ilustre pianista Arnaldo Estrella (1908-1980). Gieseking esteve mais de uma vez no Brasil dando inúmeros recitais sequenciais, mormente no Rio de Janeiro. Quando na cidade, invariavelmente se deslocava para a região serrana a fim de caçar as famosas borboletas e, para tanto, trazia o material de coleta necessário. Contou-me também sobre fato largamente conhecido. Gieseking aprendera a memorizar muitas obras apenas através da leitura visual fora do teclado. Certamente uma das razões de seu repertório gigantesco. Comunicado pelos agentes do Rio para que tocasse obra do nosso Villa-Lobos bem conhecida do público brasileiro, o pianista recebeu a partitura antes da viagem, memorizou-a durante a travessia e à noite apresentou-a memorizada no recital . Nas viagens subsequentes, apresentava não apenas Villa-Lobos, como também a emblemática Il Neige!, de Henrique Oswald.

Bernard Gavoty enfatiza, ao entrevistar Gieseking antes de um recital: “Uma circunspecção emana desse colosso tão mestre de seus dedos que vos olha sem pestanejar, como se houvesse contemplado somente paisagens campestres”.

Para o estudante de piano, Gieseking tem considerações que levam à reflexão: “Nunca realizo exercícios técnicos. Entendo-os quase como supérfluos. Após aprender arpejos, escalas e outras noções fundamentais da técnica do piano, ele as sabe! Para que fatigá-lo e inutilmente aborrecer os dedos? Creio que, quando as mãos aprendem a tocar com igual força, o que pode parecer pouco natural, mercê do fato de que a força dos dedos não ser a mesma, e de que os ouvidos habituaram-se a controlá-los, a técnica lá está, disponível em qualquer momento”. Tem-se de compreender a extraordinária facilidade pianística demonstrada desde a infância a corroborar o pensamento incisivo de Gieseking.

Nas gerações do passado, a interpretação de Gieseking, ainda hoje referencial, era considerada icônica. Ele mesmo sentia-se “feliz e orgulhoso” pelo fato de seu nome estar sempre associado à obra de Debussy. Os estudos musicológicos que se acentuaram na segunda metade do século XX, passaram a entender a obra do compositor francês de maneira mais “hermética”, poder-se-ia afirmar. Há muita intuição, por parte de Gieseking na interpretação das criações de Debussy (Clair de Lune é um exemplo de diáfana concepção da peça), e esse frescor, até pioneiro, ainda desperta vivo prazer ao ouvirmos suas gravações.

Clique para ouvir Reflets dans l’eau, primeira do 1º tríptico de Images para piano de Claude Debussy:

https://www.youtube.com/watch?v=fPpIJB-0Nzk

O acúmulo de mensagens estimulando-me nessa vertente provisória que dei ao blog tem sido benfazejo. Perpetuar esse passado “remoto” é o caminho preciso para entendermos que a interpretação, a desconsiderar a essência essencial de uma partitura, não é razoável. A partitura possibilita liberdade, em termos, ao intérprete, liberdade contudo acentuadamente entendida por tantos como liberalidade de toda ordem. E essa deveria ser combatida, mas, nessa civilização do espetáculo, que visa  preferencialmente o “choque”, lentamente nos distanciamos da tradição. Pouco a fazer.

The French-born German pianist Walter Gieseking (1895-1956), considered one of the most extraordinary musicians of the last century, is particularly remembered by his recordings of the complete piano works of Mozart, Debussy, Ravel, Beethoven’s sonatas, the two books of Bach’s ‘The Well-Tempered Clavier and significant pieces by more modern composers. His photographic memory allowed him to memorize unfamiliar repertoire with ease and then perform it flawlessly. Though more rigorous music critics complain his rendition of Debusssy’s works is not totally faithful to the composer’s intentions, to date his Debussy recordings are regarded as benchmarks by many fellow musicians and music-lovers. I’ve seen him play once in São Paulo. A huge athletic figure with a sensitive touch, capable of exploring the limits of sonority of which the piano seemed capable.

 

 

 

 

 

Gerações se hipnotizaram com sua magia

The piano is the easiest instrument to play in the beginning and the hardest to master in the end.

Vladimir Horowitz (“Evening with Horowitz – a personal portrait”. Entrevistas a David Dubal)

A recepção aos posts sobre Arthur Rubinstein e Wilhelm Kempff foi extraordinária. Leitores de gerações mais novas, que desconheceram os pianistas excelsos do passado, confessam quase unanimemente acessar intérpretes relativamente jovens, com performances tecnicamente impecáveis e gestuais que exemplificam a atual civilização do espetáculo, em vídeos tecnologicamente irrepreensíveis. Mais e mais focalizam a expressão facial e as artimanhas corporais. Essa atitude, se de um lado promove acentuadamente essa nova geração, pouco a pouco lança uma neblina sobre os virtuoses do passado. Vários leitores solicitam-me três intérpretes com mais de um “voto”. Pela ordem numérica de sugestões, Vladimir Horowitz, Emil Guilels e Alfred Cortot. Excepcionalmente, um jovem escreveu, interessado nos ilustres pianistas do passado. Acredito ser de suma importância o conhecimento desses mestres que percorreram décadas do século XX, artistas completos.

Vladimir Horowitz foi e continua a ser referência absoluta para a minha geração. Jovem, ainda em São Paulo, todos os LPs que surgiam eram adquiridos por nosso pai. Estou a me lembrar de sua interpretação personalíssima dos Quadros de uma Exposição, de Moussorgsky, onde não faltaram as suas intervenções na partitura em vários quadros. Diria que essa extraordinária criação para piano solo do compositor russo, transcrita para grande orquestra por Maurice Ravel, adquirira nessa releitura de Horowitz elementos possivelmente extraídos da versão orquestral. Logicamente não serviria como modelo a ser seguido, pois todas as interpretações que surgiram ao longo das décadas têm obedecido ao manuscrito original. Contudo, não se pode negar a performance gigantesca de Horowitz nessa releitura.

Em França, durante os anos que lá passei a estudar, Horowitz era um demiurgo para meus colegas pianistas. Estou a me lembrar de visitar frequentemente uma senhora russa em Paris, Mme Legros, com o colega e saudoso amigo Pierre Leroux, 1º prêmio em Nápoles. Dizia-nos ela que privara da amizade do jovem Horowitz na Rússia e que, quando este estava para entrar no palco, era praticamente empurrado por amigos para iniciar recital, mercê da ansiedade. Assim que começava a tocar, o maravilhamento se dava. Nossa geração extasiava-se com a fabulosa técnica a serviço de uma musicalidade extrema. Sua gama da dinâmica abrangia da mais ínfima sonoridade aos fortes mais intensos e tudo era ouvido sem quaisquer ataques abruptos.

O crítico Harold Schonberg, ao abordar dois dos grandes pianistas românticos do passado recente, Arthur Rubinstein (vide blog de 01/02/2020) e Vladimir Horowitz escreve: “Um foi Arthur Rubinstein (1886-1982), cuja carreira cresceu a tal ponto que muitos o consideravam como o maior pianista vivo… O caso de Horowitz é mais complexo. Nunca teve o aprumo e la joie de vivre de Rubinstein, nem sua saúde emocional. O que teve foi uma técnica, a mais brilhante de seu tempo e talvez a melhor em sua consistência na história do piano. Junto a essa técnica, uma sonoridade grandiosa, sem aspereza, sonoridade não ouvida desde os dias de Anton Rubinstein (1830-1994).” (The great pianists, Simon & Schuster, 1987).

O leitor terá acesso à biografia de Vladimir Horowitz através da internet. O propósito deste blog é salientar determinadas qualidades imensas do pianista considerado como aquele da técnica mais abrangente de sua época, aliada a uma musicalidade eminentemente pessoal e envolvente. Pessoal, pois distingue-se de Arthur Rubinstein, que, no trato do rubato, já citado no blog acima mencionado, foi único.

No livro “Evenings with Horowitz a personal portrait” (depoimentos recolhidos por David Dubal, New York, Carol 1994), Horowitz se revela quase por inteiro. De grande interesse suas opiniões sobre seu entendimento da interpretação e das obras de seu repertório executadas de maneira singular. Também discorre sobre colegas contemporâneos, caracterizando-os preferencialmente em suas qualidades individuais, mas precisas na análise. Tendo gravado muitas Sonatas de Domênico Scarlatti (1685-1757), tece comentários sobre a interpretação do músico napolitano atualmente: “O cravo não pode alcançar a continuidade sonora do piano. Neste eu ainda tento tocar a música como se fazia no período de Scarlatti. Contudo, nunca desejo imitar o cravo, mas simplesmente mostrar ao público como a música soa ao piano”.

Clique para ouvir a Sonata L23 de Domenico Scarlatti:

https://www.youtube.com/watch?v=RDOLyPqd-cc

 

Seus comentários sobre a música romântica, personalíssimos igualmente, provocam reflexões. A monumentalidade de suas interpretações não impede que se pronuncie: “Toda peça é difícil. Mais você a conhece, mais complexa ela se apresenta, pois toda peça é realmente difícil”. Intérprete fantástico dos compositores russos, Moussorgsky, Tchaikowsky, Scriabine, Rachmaninov e Prokofiev.Clique para ouvir de Alexandre Scriabine o Poema Vers la Flamme. Nessa extraordinária peça escrita em 1912, executada ao vivo em sua residência, igualmente Horowitz dificulta ainda mais a já complexa escrita do compositor russo.

https://www.youtube.com/watch?v=MueioLajS2E

Das transcrições para piano de vários compositores, sempre a torná-las ainda mais complexas técnico-pianisticamente, Horowitz comenta sobre suas possibilidades e defeitos, mormente na juventude da idade madura: “tinha consciência de meus terríveis defeitos – minha negligência com detalhes, meu modo de encarar alguns concertos como um passatempo agradável, tudo devido àquela facilidade diabólica de apreender e transmitir as peças e então tocá-las despreocupadamente em público”. É desse período a “pirotecnia” das transcrições, entre as quais a da célebre The Stars and Stripes Forever de John Philip Sousa.

Ouçamo-la:

https://www.youtube.com/watch?v=2uNh3Um7LaM

A finalizar o post convidaria o leitor a ouvir a magistral performance de Horowitz do Concerto nº 3 de Rachmaninof para piano e orquestra, em 1978, sob a regência de Zubin Mehta:

https://www.youtube.com/results?search_query=horowitz+rachmaninoff+concerto+3

No próximo blog abordarei o grande pianista e músico na acepção, Alfred Cortot (1877 – 1962). Na opinião de Vladimir Horowitz, ninguém interpretava Schumann melhor do que ele.

This post is about the Russian-born American classical pianist Vladimir Horowitz (1903-1989), widely regarded as one of the greatest pianists of all time. When I was a teenager my father would buy every record Horowitz put out. Though sometimes criticized for distorting the composers’ intentions to show off his art, his outstanding technical ability combined with unlimited musicality made him an idol of my generation and he sustained his popularity until death. Thanks to the countless recordings he has left us, today we can still marvel at his masterful performances.