O Músico Frente às Opções

François Servenière. Clique para ampliar.

 Ce que l’on te reproche, cultive-le, c’est  toi même.
Jean Cocteau

Amizades  independem do tempo que escoa. Podem permanecer uma existência inteira, têm a prova de fidelidade, mãe de todas virtudes. Se recentes, mas sob a égide da sinceridade, a concentração se dá, e será possível entendê-las como hors du temps. Não por outro motivo, entre os budistas relações são compreendidas como pertencentes a gerações que podem “levitar” durante séculos ou milênios. Ciclos da renovação.

O acaso levou-me a conhecer François Servenière, compositor, orquestrador e pensador de  méritos. Buscava ele no site musimem.com dados sobre o excelso pianista e professor Jean Doyen, mestre de sua professora de piano e meu também. Ao verificar a foto inserida em meu texto no site mencionado, teve a grata surpresa de ver a mesma imagem, só com outra dedicatória. Ao final da matéria havia o meu site, e assim Servenière me escreveu. Trocamos  e-mails durante bom período.

Quando meu dileto amigo Elson Otake sugeriu a inclusão no YouTube de algumas gravações por mim realizadas na Europa, certo dia recebi um imenso e-mail de François Servenière a considerar as interpretações, deslumbrado pela presença de compositores que desconhecia, como o conimbricense Carlos Seixas (1704-1742), Almeida Prado (1943-2010) e Ricardo Tacuchian (1939- ). Hoje já são 51 músicas no YouTube – som e imagem. Passamos a trocar longos e-mails sobre música, estética, criação, postura do artista frente à mídia e do compositor diante de escritas tortuosas. Penso num futuro publicar nossas reflexões.

Fixamos um encontro quando de minha ida a Paris em Janeiro, a fim de participar do júri de duas teses de doutoramento na Université Sorbonne. Num dia sem atividades acadêmicas, almoçamos e permanecemos à mesa em restaurante em Montparnasse das 12:30 às 18:00 !!! O compositor frente às múltiplas tendências, o intérprete diante do repertório, missão de ambos, mesmice ou renovação, estética, literatura, aventuras, corridas… Temas tratados com empatias. Não faltaram menções jubilosas à família, seus quatro filhos, minhas filhas e netas, nossas mulheres. Tempo para um conhecimento que se nos antolhava ancestral. Entreguei-lhe quase todos os meus CDs gravados na Europa, enviando-lhe mais tarde outros pelo correio. Servenière também me ofereceu CDs que gostei imenso e uma partitura singular, Tribulations d’un Écureil Lambda (coleção a conter sete peças para piano). Durante o almoço, solicitei ao amigo um comentário a respeito das gravações que se traduziria, esperava eu, em mais um e-mail. No final de nosso único encontro caminhamos pelo Boulevard Montparnasse, pegamos o metrô até Convention, e andamos a conversar pela rua do mesmo nome. Dia a não se esquecer.

Em posts anteriores (vide Ecos da Cirurgia da Mão – Rizartrose, 30/10/10 e Rue de Lévis,  20/11/10), abordava o pensamento e a criação musical de François Servenière (1961- ). Excelente compositor, orquestrador e editor musical, mas sobretudo músico sensível na acepção. Algumas de suas composições  podem ser apreendidas através de seu site inserido no menu de meu blog e bem evidenciam os caminhos por ele traçados. Escreve tanto música de concerto como para filmes, ballet e clips, assim como o gênero canção. Sua magnífica criação para dois  pianos, Rhytmics and Repetitives (24 peças para dois pianos), teve gravação em França pelo extraordinário pianista François-René Duchable e Hélène Berger e em Tokyo pelo duo Tetsu e Mazaki.  Mencionaria, entre tantas outras obras de Servenière: Apologie des Fragances (1ª Sinfonia), Énigme (ballet para piano, percussão e amostragens), La Belle et la Bête (Suite Sinfônica), Queue Diable (piano, percussões e orquestra sinfônica), Exercices de styles (25 peças para piano). Há várias criações de Servenière para filmes: Les Pirates de Noël (Suite Sinfônica), Gagliostro, Zigomar contre Nick Carter. Gabriel Yared, Oscar de música do filme O Paciente Inglês, assim escreveria sobre Servenière: “… uma música muito original, estruturada sobre um grande senso de arquitetura, de harmonia e de contraponto. Há muito tempo não ouvia obras que me fazem ter esperanças pela música”.  Após longas reflexões a considerar a composição, especialmente para piano, de escrita extremamente complexa e até de difícil entendimento para o público, chegaria à conclusão que deveria, sem se abster da alta qualidade, criar obras que penetrassem o coração dos homens. E um universo se lhe ofereceu, livre das amarras ditadas pelas tendências hodiernas.  Aberto a todos os gêneros, sua música é extraordinariamente bem escrita, a causar uma sensação penetrante. Foge das elucubrações – as tais obras de primeira e única apresentação. Para quem tem o privilégio de conhecê-lo, seu pensar é vasto e percorre numa conversação de Spinoza a Woody Allen, da Grécia Antiga à modernidade. Cultura enciclopédica, assimilada e reflexiva. Diria, bem o espírito francês clássico de clareza, elegância e criatividade. Uma de suas obras que me encanta é Seasons Vertigo, quádruplo  concerto para piano e orquestra, que pode ser ouvida na íntegra (12 peças) ou em segmentos.

Clique aqui para ouvir a Suite Seasons Vertigo de François Servenière.

Após o meu regresso à minha cidade bairro, Brooklin-Campo Belo, mergulhei  nos meus estudos pianísticos, em meus escritos acadêmicos ou não, nas leituras e retornei às corridas, hoje fazendo parte de minha respiração. Um silêncio de um mês se fez, até que, repentinamente, recebo de François Servenière um dossier completo de todas as minhas gravações, analisadas em seus pormenores. Foi uma emoção muito grande, pois acredito inusitado tão grande debruçamento monolítico sobre a obra pianística de um intérprete. Esperava um e-mail a comentar o apanhado geral crítico, recebi 37 páginas ! Servenière, à maneira de tantos autores russos, analisa, mas se posiciona, e suas experiências pessoais no campo musical intercalam a audição de meus CDs. Ao ouvir La Boîte à Joujoux de Claude Debussy, como exemplo, estava a partilhar o espaço seu filho Tom de 14 meses que, como toda criança nessa idade, não pára. Pois, escreve ele, o miúdo ouviu a obra silenciosamente. Debussy teria atingido seu propósito !

Para um intérprete que há bem mais de vinte anos escreve que basicamente inexiste crítica musical competente  em nossa cidade, foi um grande impacto. Dos dois CDs de Estudos contemporâneos belgas e brasileiros, Servenière pormenoriza cada autor e suas técnicas. Despertam-lhe a atenção os ciclos de Estudos para piano belgas e brasileiros contidos em dois CDs.  De Henrique Oswald, tem a mais reveladora impressão positiva, pois o desconhecia e o coloca entre os mais importantes  compositores do período. “Mas há mais, pois Henrique Oswald surge certamente nesse novo mundo do hemisfério austral  com uma obra a ser colocada na categoria dos pilares da música”, escreve Servenière. E páginas são dedicadas aos três CDs que gravamos para piano solo, violino e piano e câmara e piano em terras flamengas. Mais um reconhecimento pleno, agora em França, à qualidade de Henrique Oswald, após a recepção que se prolonga durante anos na Bélgica. Sobre os quatro CDs de música portuguesa, sofre um choque causado pela qualidade das composições. E só de pensar que os intérpretes de Portugal mais ventilados no Exterior ignoram quase que completamente a criação em terras lusíadas, a constituir tal fato algo muito estranho, para menos dizer.

É, pois, com imenso gosto que inseri no item Essays de meu site www.joseeduardomartins.com o dossier crítico integral de François Servenière. Trata-se de um privilégio a recepção que o notável músico francês concedeu aos meus tantos CDs gravados na Bulgária, Portugal e, preferencialmente, na mágica capela de Sint-Hilarius em Mullem, na planura da Bélgica Flamenga, para o selo De Rode Pomp e sempre sob os cuidados técnicos de um dos maiores engenheiros de som do planeta, Johan Kennivé. Contudo, a fim de facilitar o acesso imediato, insiro neste espaço o link da monografia crítica de François Servenière.

Clique para ler o dossier crítico das gravações de J.E.M., escrito por François Servenière.

The French composer François Servenière and I met by chance on-line and our friendship began via e-mails. Last January in Paris we met face-to-face for the first time and spent an afternoon talking about everything. He is a diversely talented person and has a multiplicity of interests. On the occasion we exchanged our CDs and I mentioned I would like to know his opinion about my recordings. I was expecting a few lines by e-mail but some weeks later, already in Brazil, I was surprised to receive a 37-page dossier dissecting each piece of the 19 CDs! Classical music criticism may be in decline, but not for him. Two links in my blog point to his review of my performances (in French) and also to Servenière’s work Seasons Vertigo, a quadruple concerto for piano and orchestra that delights me.

“Adagiário Açoriano”
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Parece-me, Sancho,
que não há rifão que não seja verdadeiro,
porque todos eles são sentenças tiradas da própria experiência,
mãe das ciências todas.
Miguel de Cervantes
Don Quixote de La Mancha, Livro III, cap. XXI

 

Luca Vitali, o excelente artista plástico, mora hoje no Guarujá. Sempre que vem a São Paulo visita sua cidade bairro, Brooklin-Campo Belo. O prazer de estarmos juntos para uma conversa descontraída em um dos cafés do bairro torna-se uma constante.

A certa altura me pergunta o porquê dos ditos populares açorianos frequentarem meus blogs em forma de epígrafe. Não é a primeira vez que fazem tal observação.

Se considerarmos a arte e todas as suas categorias ou a literatura como perenidades, o povo, essência essencial, tem sempre de ser lembrado. Ao longo dos séculos, é a manifestação popular que subsiste e transpõe gerações. Geralmente sofrido, tendo de gerar a riqueza dos países, essa massa anônima, tanto no campo como nas cidades, recebe todas as agruras da natureza e pior, o tacão do Estado através de impostos abusivos, mormente a ele destinados e, tantas vezes, a exploração dos poderosos. Porém, a tradição tem de continuar e assiste-se anualmente em todo o planeta à perenização das festas populares, das venerações às figuras sacras, da descontração e do recolhimento interior coletivo em datas especiais. Permanece na história das histórias das civilizações esse pulsar, que é ainda uma das salvaguardas da humanidade.

Em posts anteriores já mencionara o impacto que a tournée que realizei em 1992 por três ilhas do arquipélago dos Açores me proporcionou. No meu imaginário, o Arquipélago está como um dos paraísos possíveis, tão grande foi a minha empatia com as terras percorridas e com aquele povo singular. E de pensar que aquelas ilhas estão numa primeira terça parte, se considerada for a distância Lisboa-Nova York. Sob outro aspecto, fica em região por onde passa uma fenda que se estende do Círculo Polar Ártico à Antártida. Abalos sísmicos por lá são constantes, assim como ondas, por vezes, gigantescas. Presenciei uma delas aproximar e defrontar-se com estrondo sobre uma falésia em Angra do Heroísmo.

O arquipélago dos Açores foi descoberto em 1427, quando os marinheiros portugueses já vislumbravam o além-mar por ordem precisa do Infante D. Henrique (1394-1460). Pertencentes a Portugal, as nove ilhas ocupam 2.300km2, sendo a maior São Miguel, com seus 747km2, e a menor, Corvo, com apenas 18km2. Os Açores foram povoados paulatinamente. A população do arquipélago não chega a 250.000 habitantes, mercê de imigrações acentuadas, mormente para os Estados Unidos. No Brasil, em séculos anteriores a imigração açoriana se fez presente, principalmente em Santa Catarina.

Daquelas terras visitadas para recitais e palestras trouxe quantidade apreciável da literatura açoriana, traduzida em romances, livros de arte e de história. Entre as obras acalentadas, o Adagiário Popular Açoriano (Armando Cortes-Rodrigues. Adagiário Popular Açoriano, Angra do Heroísmo, Antília – Secretaria Regional da Educação e Cultura, 2 volumes, 1982).

Há muitos termos que se apresentam como sinônimos parciais. Adágio, provérbio, ditado, dito popular, rifão e outros mais. Há, contudo, determinadas nuanças interpretativas. Como exemplo, provérbio tem carga a exprimir veracidade a ser considerada, enquanto o adágio contém, por vezes, um certo sentido imediato e jocoso. Como observa Francisco Carreiro da Costa, autor do prefácio do Adagiário Popular Açoriano, “os adágios são um prodigioso manancial para o estudo das tradições populares”. Os ditados populares, de origem anônima e constituídos de frases curtas, são atemporais, pois impossível precisar o nascimento de determinados rifões. Depositados durante anos, decênios ou séculos, os adágios podem sofrer alterações em um ou outro termo, mas restringem-se ao conteúdo essencial, a ser transmitido através da oralidade.

Apesar de profundo parentesco com o adagiário do continente, o popular açoriano é rico em peculiaridades, com distinções, por vezes tênues, entre ditos populares nas várias ilhas. Estudos aprofundados foram realizados ao longo das últimas décadas a respeito do adagiário açoriano, inclusive teses acadêmicas. Há debruçamentos pormenorizando-os em Portugal, nos Açores e no Brasil. O espaço a que me proponho semanalmente no blog impede-me de detalhar essa profícua literatura de estudos, que poderá ser acessada via internet.

Sempre que um tema do cotidiano penetra em seara mais descontraída ou a necessitar de qualquer conceituação, instintivamente lembro-me desse precioso Adagiário Popular Açoriano. Primeiramente pela riqueza e, a seguir, pela proximidade tão evidente entre os ditos populares dos Açores e os frequentes no Brasil. O autor da coleta, Armando Cortes Rodrigues, organizou-o alfabeticamente, o que proporciona o prazer de se apreender as diferenças ocorridas nessas frases nas ilhas espalhadas pelo Atlântico Norte, numa latitude idêntica à continental portuguesa. A metodologia empregada torna mais fácil a busca temática. Sob aspecto outro, o Adagiário reflete bem “a idiossincrasia, os costumes, as tradições e preconceitos morais dos Açorianos”, segundo Francisco Carreiro da Costa.

Faz-se necessária a exemplificação, a traduzir a atávica observação do povo açoriano naquilo que lhe é familiar. Insular, em terras sujeitas a constantes tremores, tem mais acuradamente o senso da percepção. Selecionamos alguns entre os milhares mencionados nos dois volumes.

Arquipélago dos Açores.

Adágios advindos do captar meteorológico:

Abril chuvoso,
Maio ventoso
e Junho amoroso,
fazem um ano formoso.   (Flores)

Baleia no canal,
terás temporal.  (S. Jorge)

Dia de Maio,
dia de má ventura,
m
al amanhece,
logo escurece. (Santa Maria)

Em Janeiro dá a capa ao marinheiro
e em Maio, tira-a. (Pico)

Em Maio,
a chuvinha da Ascensão
dá palhinhas e dá grão. (Terceira)

Em Outubro, Novembro e Dezembro,
quem come do mar,
tem que jejuar. (Pico)

Névoa pela manhã,
sereno hoje,
sereno amanhã
. (S. Jorge)

Nuvens paradas, cor de cobre,
é temporal que se descobre
. (Pico)

Trovão no Verão,
Água na mão
. (Flores)

De ordem moral:

A boca que mente,
Mata a alma. (Pico)

Antes morte
Que vergonha. (Terceira)

Antes uma saia velha
De boa fazenda
Do que uma saia nova…
Nosso Senhor nos entenda. (Flores)

Chuva goteira,
mulher trameleira,
põem um homem na rua. (S.Miguel)

Do amor, que não convém,
nasce o mal e pouco bem. (S.Miguel)

Mais vale honra
do que riqueza. (Corvo)

Ninguém diga o que não sabe
nem afirme o que não viu. (Flores)

Quem perde a honra, por causa do negócio,
perde o negócio mais a honra (S.Jorge)

Viúva honrada,
Porta fechada. (S.Jorge)

Da mesa, do alimento e da bebida:

Antes um naco de pão com amor
do que galinha com dor. (S.Jorge)

Da tigela à boca
se perde a sopa. (Flores)

Disse o leite ao vinho:
- Venhas em boa hora, amigo. (S.Miguel)

Em cima de comer,
nem carta ler. (S.Miguel)

Em cima de melão,
de vinho um tostão. (Santa Maria)

Em Janeiro,
um porco ao sol,
outro no fumeiro. (S.Miguel)

Sabe da panela
quem mexe nela. (Flores)

De ordem do cotidiano jocoso:

Divertido ! Divertido !
deu a mulher no marido. (Pico)

Mula que faz him
e mulher que fala latim
raramente há boa fim *. (S.Miguel)
(* “Na linguagem popular micaelense fim é sempre feminino”)

Mulher barbuda,
de longe a saúda. (Faial)

De categorias várias:

Bem toucada,
não há mulher feia. (S.Miguel)

Dinheiro compra  pão,
não compra gratidão. (S.Miguel)

Enquanto há dívidas,
não há herdeiros. (S.Miguel)

Mais vale muito saber do que muito ter. (Santa Maria)

Mulher de janela,
nem costura nem panela. (S.Miguel)

Não há oiro
sem fezes. (S.Jorge)

Quem menos sabe, mais finge saber. (Santa Maria)

 

Gostaria imenso de inserir tantos outros ricos adágios que se espalham em diversas categorias do viver. O espaço de um blog pressupõe determinados limites. Fica, contudo, nessa diminuta exemplificação, o pulsar do povo insular que permanece através dos séculos, nessa ladainha repetitiva e saborosa que está sempre a sofrer acréscimos. Diferentemente dos modismos das frases que têm vida breve e geralmente oriundas dos meios televisivos, o que realmente se pereniza é essa fala incisiva, ingênua, despretensiosa e, sobretudo, anônima. A única certeza, o adágio não morre.

 
A friend, the graphic designer Luca Vitali, asked me why so many of the epigraphs in my posts are Azorean proverbs. His question brought back memories of my trip to the Azores islands in 1992 and the book of Azorean adages in 2 volumes I bought on the occasion. In this post I comment this collection of short sayings, some brilliantly phrased: their straightforwardness, irony and practical wisdom.

 



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O Interesse dos Leitores

Eu tenho que confessar meu espanto, por vêzes consternação,
face a atitude de certos públicos “especializados” nos santuários
daquilo que nesciamente nomeou-se arte contemporânea.
Por que não falarmos de masoquismo ?
De outra maneira, eu não explicaria essa espécie de empenho
em aceitar a chatice de se ouvir sempre os mesmos disparates técnicos
destinados a “preparar os ouvidos”,
depois esse tipo de  servidão que leva, após o concerto,
expressões fabricadas (“interessante ! divertido ! muito forte !…”),
somente destinadas a mascarar a decepção.
Por que tanta gentileza e amabilidade
quando acabamos de ouvir verdadeiros horrores ?
O que poderia justificar, entre os melômanos sinceros,
a aceitação de tais sofrimentos, a absorção de poções também amargas ?
Serge Nigg

Tantas são as impressões que um livro pode nos causar. A leitura pressupõe interesse, e quão mais uma obra nos diz algo, mais referências ficam gravadas. Livro bom não é esquecido, nem na memória, tampouco na estante.  Acalentado, pode esclarecer-nos,  abrir novos rumos, fazer com que mudemos, inclusive, determinados conceitos.
Resolvi escrever um blog sobre o livro “Serge Nigg, compositeur” porque constatei que, através daquelas páginas que não atingiam a centena, havia conceitos de extraordinária força, pensados por um músico que no final da vida estava a planar sobre o infindável campo do conhecimento. A recepção às ideias de Serge Nigg foi imensa. Leitores – músicos, amadores e leigos -  pronunciaram-se, inclusive um arquiteto, a apreciar trecho de sua área de atuação. Selecionei alguns comentários mercê do espaço proposto para o blog.

Dois compositores brasileiros da maior dimensão escreveram a opinar. Ricardo Tacuchian observa: “Não conheço a obra de Serge Nigg e fiquei impressionado com as ideias dele que você resumiu de modo primoroso. Vou procurar conhecer mais a obra e o pensamento deste homem que, tão solitariamente, desmistifica o mundo ‘populista e oficial’ das artes. Me identifiquei com quase tudo que você cita em seu post. Mais uma vez, parabéns pelo seu trabalho semanal e obrigado por esta valiosa informação  sobre uma figura tão eminente e com um pensamento tão próximo ao meu”. Mario Ficarelli comenta: “Que prazer foi para mim ler o depoimento de Serge Nigg. Foi como estar lendo algum depoimento meu de agora ou no futuro. Compartilho plenamente todo o seu pensamento a respeito da composição”.

De Portugal, a competente professora e gregorianista Idalete Giga considera: “Gostei demais do seu post sobre o compositor Serge Nigg, que eu desconhecia. As respostas a Gérard Dénizeau revelam-nos um compositor profundo, que está já  muito para além do barulho do mundo. São uma verdadeira lição de sabedoria, de coragem, de despojamento. É curioso que, quando fala de modismos, do dodecafonismo, do ‘progresso em arte’, da música electroacústica, dos compositores snobs, da obra aberta, etc. entra em cheio no meu pensamento. Estou em plena sintonia com ele. ‘Captar o passado, Apreender o presente, Pressentir o futuro’  é o essencial para a criação de uma obra de arte, que não deve estar sujeita a ‘modismos’. De facto, são raros, muito raros os compositores que conseguem sintetizar o passado, criar  a partir dele no presente e projectar-se no futuro. Isto sempre senti, por ex., no nosso genial J.S. Bach.”

O compositor e orquestrador francês de reais méritos, François Servenière, tece comentários: “Li e reli seu post consagrado a Serge Nigg. Conhecia, não pessoalmente, o professor compositor do Conservatório de Paris, mas foi ele mestre de inúmeros amigos meus compositores, entre eles Josef Baán, eslovaco. Concordo com muitas de suas conclusões, assim como com sua lucidez em relação ao dodecafonismo através das impressões anteriores de Schöenberg… e sobre muitos outros temas abordados”.

O arquiteto Marcos Leite atém-se à sua área e discorda da comparação feita por Serge Nigg a respeito da comparação arquitetura-música: “A solidez é só parte e consequência da concepção do projeto. A criação é resultado de uma bagagem obrigatória do Arquiteto que sabe que seu projeto tem solução estrutural exequível e, muitas vezes, já o apresenta ao engenheiro calculista. A estética aceitável é bom uso da técnica disponível aplicada à nova proposta de desenho e atendendo à funcionalidade do uso “.

K. Vertessem, da Holanda,  enviou e-mail via site: “Serge Nigg é para mim referência. Colegas meus estudaram com ele e entendiam o seu pensamento enciclopédico, mas coerente quanto à sua linha adotada, do dodecafonismo às obras menos herméticas.  Interessa-me muito essa publicação da Université Sorbonne. Vou providenciar”.

Curiosamente, os três primeiros, competentes músicos, sentem a identificação plena, dizendo que poderiam até ser os autores de determinadas posições adotadas por Serge Nigg. Sobre a música eletroacústica, Serge Nigg mostra-se absolutamente refratário. Recordo-me de ter assistido pela televisão em Paris, na década de 1990, mesa redonda em que dirigentes de gravadoras e jornalistas discutiam sobre a indústria fonográfica. À música erudita ou de concerto estava reservada uma fatia irrisória quanto à vendagem – comparada com a música popular – e dessa fatia a música eletroacústica representava parcela ínfima… da música erudita ! Seria possível pressupor que o contato humano, geralmente inexistente, esteja a apontar as causas, mesmo que Festivais tenham público aficionado. Seria essa ausência “humana”, no complexo elo criação e interpretação, que motivaria Nigg a refletir sobre a matéria. Diferentemente da gravação, onde o pulsar e até a respiração do intérprete podem ser ouvidos, a música eletroacústica apontaria para outro direcionamento. Mesmo quando há interação nessa intermediação eletroacústica e intérprete, haveria sempre uma metamorfose, não dos segmentos eletroacústicos registrados, mas do próprio ato instantâneo do executante. É algo para outras reflexões, apesar de, paradoxalmente, projetos relacionados à eletroacústica serem os que estão a  receber polpudas verbas de institutos de fomento. Acrescentaria, tendências não inteiramente compreendidas pelos fomentadores e minimamente aceitas pelo público de concertos. Voltemos ao blog sobre Serge Nigg que despertou tanto interesse: modismos ?

Importa considerar que os testemunhos de Sérgio Nigg despertaram um tão grande interesse. Prova inconteste de seu pensamento incisivo.

Readers of my post on Serge Nigg  – among them many professional musicians –  wrote to me giving their views on Nigg’s words. The post of this week is a selection of some messages I received.