Bracara Augusta, a Terra Paterna

Gravura da Igreja de Sta. Cruz, em Braga

Aos 11 de Junho de 1898, nascia em Braga José da Silva Martins, meu pai. Viajou para o Brasil em 1928 e nunca mais voltou à terra, vindo a falecer em 2000, aos 102 anos. Naturalizou-se brasileiro, mas incutiu em minha mãe e em meus três irmãos o amor a Portugal e, em particular, a Braga. Não fazia distinção entre os dois países, tão intrinsicamente ligados.
Estive várias vezes na cidade, mas o presente recital foi o primeiro. Deu-se no Conservatório Calouste Gulbenkian. Após comentar as obras que seriam apresentadas, dediquei o recital à memória de meu pai. Negar que estava emocionado, impossível seria.
Em fins de Maio tarda a anoitecer na Europa. Tendo ensaiado no belo auditório dessa imensa Instituição de Ensino, fui à janela da sala contígua e ouvi um melro a cantar, melodia bem diferente daquela dos melros de Mullem, na Bélgica. Encimando um beiral, seu canto era uma despedida da tarde chuvosa. Olivier Messiaen já dizia que os pássaros acumulam os cantos através dos anos. Fascinam aqueles que lhes dão ouvidos. Lembrei-me do pai. Desde a infância, minha mãe, meus irmãos e amigos costumávamos ouvi-lo declamar poemas luso-brasileiros. Em sua longa existência soube recitar, de memória, cerca de 350 poesias. Um dos prediletos era o belo, longo e trágico poema de Guerra Junqueiro, O Melro:

O melro, eu conheci-o:
Era negro, vibrante, luzidio,
madrugador, jovial;
Logo de manhã cedo
Começava a soltar, dentre o arvoredo,
Verdadeiras risadas de cristal.

Lembrei-me com afeto dos versos que fazem parte de meus acúmulos. O canto do pássaro e as reminiscências, à la manière de Marcel Proust, estimularam-me para a performance. Entrei no palco pleno de uma nostálgica alegria. Busquei o melhor de mim, pois algo místico estava a acontecer. De onde estiver, meu pai captou a mensagem.