Menções de um Amigo

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Corrida de São Silvestre 2009. Poucos metros antes da chegada. Foto www.webrun.com.br . Clique para ampliar.

Por vezes olho na água meu rosto e minhas têmporas.
Não vejo cores vivas mas cabelos brancos.
Juventude perdida não se busca em nenhum lugar,
Haveria razão para turvar a água do lago?

Pai Chu Yi (772-846)

Prometi estender-me um pouco mais sobre a São Silvestre. Realmente, ela se torna a maior distância a que me proponho. Ser razoável é resultado de reflexão e, apesar da insistência de amigos corredores, não ousaria uma meia maratona, o que acarretaria treinos bem mais pronunciados e, com certeza, desgaste exagerado. Não estou eu a buscar apenas o prazer de correr e sua irmã gêmea, a qualidade de vida? Sob aspecto outro, a prova de 10 km, considerada clássica, torna-se para mim distância com a qual me sinto bem. São muitas espalhadas durante o ano e organizadas por várias entidades. Quanto às maratonas de revezamento, tem-se o congraçamento pleno e pertencer à equipe TA LENTOS reveste-se de uma alegria enorme. Somos oito a percorrer, cada um, 5 km e tantos metros. Se um faltar por motivo imprevisível, qualquer um de nós está apto a correr os 10.5 km. Uma energia só.
Tendo saído o resultado da São Silvestre 2009, verifiquei ter diminuído sensivelmente meu tempo pessoal, pois percorri a do ano de 2008 no tempo líquido de 02:10:34, sendo que na presente tive o desempenho em 01:48:07 (tempo bruto 02:05:06). Treinos mais acentuados, estratégia de corrida, dosagem e qualidade dos líquidos ingeridos, conselhos de diletos amigos corredores e conhecimento prévio do percurso ajudaram-me na performance.
Tive certa decepção ao procurar o resultado dos veteranos. Como a organização publica on-line a lista completa dos corredores e mais classificação, número afixado na camisa, idade, tempo bruto e tempo líquido, alguns da “terceira idade” não são idosos e há estranho conluio. No futebol há o caso dos denominados “gatos”, jogadores mais velhos que são registrados como sendo mais jovens. No caso da São Silvestre, ao contrário, figuras exibindo décadas a menos estão a correr com números originalmente atribuídos a cidadãos da terceira idade. É só confrontar resultados e fotos divulgadas com os números afixados no peito, sobretudo naqueles das últimas faixas etárias masculinas. Sempre serve de alerta a menção para que, no futuro, haja uma fiscalização à altura do magnífico evento. Há também aqueles que entram no meio da prova, ou quase no término, sem o número de inscrição, apenas para diversão. Não são poucos os que assim procedem.
Sob outra égide, foi uma surpresa receber via e-mail o belo texto do grande locutor esportivo das décadas de 60-80, hoje jornalista de sensível percepção, Flávio Araújo. Comove-me sua generosidade à flor da pele. Ao descrever a participação se seu filho caçula, Sílvio Américo, faz menções ao amigo igualmente septuagenário. Já o fizera anteriormente (vide Ecos da São Silvestre, 09/01/09). Transcrever o sensível texto traz-me felicidade e é um tributo a Flávio Araújo, inesquecível narrador esportivo. Agradeço ao dileto amigo ter permitido a publicação de sua crônica (04/01/10), originalmente destinada ao site www.ribeiraopretoonline.com.br para a Coluna Flávio Araújo.

A chegada. Tempo bruto: 02:05:06. Foto www.webrun.com.br . Clique para ampliar.

A São Silvestre tinha um toque de magia que
dominava a todos: do narrador ao público e aos atletas.

“Meu caçula correu a São Silvestre no último dia de 2009.
Estava lá desfilando sua juventude (de quarentão, diga-se, que para mim todos os que tem menos de 50 são jovens) pelas ruas quase sempre molhadas de São Paulo.
Realizou um sonho não apenas seu, mas alimentado ao longo dos anos por praticamente todos os seus irmãos mais velhos.
Que sonharam, mas não chegaram, como ele, às vias do fato.
Sílvio Américo materializou o desejo onírico dos demais.
Ao lado, ou próximo o quanto foi possível na imensa nebulosa humana que se formou, na condição de estrelas naturais do percurso, estava o meu querido amigo José Eduardo Martins, um dos maiores pianistas deste país e já veterano da competição, a que compareceu no ano passado com uma mensagem significativa, humana, emocionante.
E invulgar.
José Eduardo é uma figura admirável de brasileiro que não esconde seu DNA lusitano e o dignifica subindo com o mesmo aos cumes da altanaria e civilidade.
Contou-me Zé Eduardo que seus devaneios de correr a São Silvestre nasceram quando, bem jovem, ao lado do pai, o sábio José da Silva Martins, dois pares de bons ouvidos colados a um aparelho de rádio ouviam as transmissões que o locutor – transmudado pelo tempo em redator – levava até eles na última noite do ano.
Essa citação me remete aos tempos da São Silvestre noturna com saída e chegada na Avenida Cásper Líbero, pertinho das Estações ferroviárias da São Paulo de então.
Saia na frente da vanguarda que deixava a parte fronteira do Edifício onde ficavam a Rádio Gazeta e a flamante A Gazeta Esportiva, a patrocinadora e organizadora da competição.
Literalmente amarrado por cordas à carroçaria de uma das viaturas da emissora.
Era dessa forma que via, por um largo e sequente período, um Novo Ano raiar.
Não havia televisão e com a ausência de suas muitas câmeras não se podia, como os colegas da atualidade, fazer uma transmissão plena de detalhes de um estúdio abrigado e confortável.
Havia a necessidade de ir a campo e se ombrear aos participantes e às indefectíveis motocicletas da Polícia Militar de São Paulo para que meus olhos pudessem visualizar algo e transformar essa parca visão em sons entusiásticos.
A SS tinha algo de magia para o jovem locutor e para o público que lotava as ruas onde passavam os participantes.
Bem amarradinho ao meu posto, eu me considerava um deles.
E a narração que o microfone filtrava era distribuída generosamente para todo o hemisfério, creiam.
O por quê ?
Acontece que a prova de então não era uma disputa de brasileiros contra quenianos ou até mesmo de africanos contra africanos, como aconteceu na última quinta-feira.
O primeiro brasileiro só surgiu depois de sete estrangeiros.
Não havia reserva de mercado e, no caso, só se esse preceito se estendesse aos países participantes e não às individualidades.
Além dos europeus, competiam sempre atletas do México, da Colômbia, do Equador, do Chile, Argentina, Uruguai e vai por aí afora.
Como as transmissões em Ondas Curtas eram mesmo potentes, tornava-se comum a cadeia que conosco faziam diversas emissoras de países que tinham competidores correndo pelas ruas de São Paulo.
Pela dificuldade nas comunicações, nosso som era aleatoriamente colocado no ar nos mais diversos países da Costa do Pacífico.
Depois de dois ou três dias começavam a chegar os telegramas da All América Cables com as informações dessas emissoras dando conta (além das saudações costumeiras) de como a transmissão fora recebida.
Quase sempre, um ‘canhão’.
Hoje, mudou a São Silvestre?
Ou mudamos nós?
Como o Natal de Machado de Assis, no seu célebre conto ‘A Missa do Galo’, creio que é ’sim’ a resposta para ambas.
Ante a força do progresso a minha voz, ou minha escrita, como nos versos de Noel Rosa, silencia.
Que ressoem em mim apenas as lembranças e que estas possam servir aos mais jovens sem nenhum sentido de dicotomia entre uma e outra época ou de que o ontem foi melhor do que o hoje e vice-versa.
Só reforçando a frase que diz que recordar é viver.
Ainda me recordo, logo …
E se estou vivo, aproveito para desejar um FELIZ ANO NOVO a todos vocês que me acompanharam até aqui, desejando que estejamos juntos também em 2010.”

Junto-me aos votos de Flávio Araújo: paz, saúde, convívio humano e realização neste 2010.

The impact of the Saint Silvester on the runners is strong. Going on with the subject of my previous post, I give more details of my performance in the 2009 race and also transcribe here the article of my friend and journalist Flávio Araújo posted on Ribeirão Preto online sports section. He gives his view of the race as it is today and as it was in the past, when it was held at night, and does not hide his enthusiasm with the participation of one of his sons in last year’s race.