Há o que Comemorar neste País?

Chegamos a mais um anoitecer de ano, que permanecerá como  um número no calendário inexorável. Assistimos 2011, pasmos com os resultados que já eram esperados, não de agora. O leigo minimamente informado estava a saber que a zona do euro um dia chegaria ao impasse. Apesar das dificuldades cambiais, perdia-se “outrora” pouco tempo para a troca das muitas moedas espalhadas pela Europa. Os países integrantes sobreviviam, prosperavam ou não, mas caminhavam com as suas dificuldades e poucos acertos. Havia certa independência, e as relações entre os países europeus se processavam dentro de plausíveis parâmetros. O euro veio trazer anunciada a tragédia que podia ser vista num horizonte distante. O euro dos ricos e dos pobres, pasteurizado temporariamente como a verdade absoluta para países incomensuravelmente desiguais, mas contrapondo-se ao dólar ou à libra esterlina, doravante moedas “adversárias”. Não há luz à vista, não aquela do fim do túnel, mas a do pleno dia. Uma bruma cinzenta cobre os países que aceitaram a utopia da união monetária europeia. 2012… o que esperar? Paliativos.

O Brasil, país integrante dos BRICS, vive a ilusão polianesca. Governantes asseguram que tudo vai bem, que a inflação está sobre controle e que a crise internacional nos atingirá de raspão. Recebi recentemente por e-mail um texto de autora holandesa, em que a cidadã “viaja”. Verdadeira nefelibata, que sequer conhece os problemas internos de nosso país. Espalhado por milhões de computadores, essas considerações na realidade são destinadas aos privilegiados que pululam neste Brasil, movidos, tantas vezes, por estranhos propósitos. Tenta fazer-nos ver que vivemos numa maravilha absoluta. Para o cidadão comum, é só entrar em um supermercado, lojas em centros comerciais ou fora deles, assim como em restaurantes para verificar que a inflação teve características, por vezes, galopante.

Assim como parcela considerada da Nação, desiludo-me com o que se passa. Brasil, onde a corrupção endêmica consegue superar a cada ano a sua desfaçatez. As palavras “rubor nas faces”, tão utilizada em saudosos tempos, foi definitivamente banida dos dicionários decentes. Estamos à mercê de todos os impropérios. Nos três poderes houve aumentos salariais abusivos, que foram assinalados já no início do ano na Câmara Federal, de mais de 60%, e neste final de 2011, atingindo aos vergonhosos, acachapantes 200%, número este para determinada casta municipal. O que mais nos assusta é verificar a serenidade dos arautos dos poderes ao anunciarem esses achaques à população ordeira, honesta, que paga religiosamente seus impostos e que luta pela sobrevivência digna. Sob outra égide piorou muito a avaliação que o cidadão comum faz da Justiça em relação ao quadro que apresentei em blog bem anterior (A Justiça – Interpretação de uma Charge. 24/10/09). Morosa, nossa Justiça abre as janelas à impunidade, chaga que está a destruir a identidade do país.

Segurança, Educação e Saúde. A primeira praticamente não existe. Nas cidades maiores temos de nos esconder à noite e as grades em portas e janelas testemunham realidades. No país, o último dado de meses atrás dava 137 assassinatos por dia. Somos os campeões mundiais nesse quesito. Já perdemos a conta das caixas eletrônicas estouradas neste ano; dos ataques às pessoas, tantos deles fatais, da presença de falsários, estelionatários e traficantes presos e soltos através do habeas corpus, a verdadeira salvaguarda para que meliantes persistam no crime. Quantos foram os que morreram nos corredores da tragédia em hospitais e pronto-socorros públicos? E a Educação sucateada? A gurizada progride automaticamente, sem nenhum preparo. Mestres surrados em salas de aula por gangues de alunos. A droga a invadir, presentemente, até a infância.  Tristes realidades. A todos esses fatos o cidadão comum assiste nos canais abertos a porcentagem esmagadora das notícias destinadas ao mal, ao erro, ao desvio de conduta, à negligência das autoridades e, como “pérolas” diárias, ao latrocínio, ao sequestro, ao estupro, aos motoristas embriagados ceifando vidas mas soltos logo a seguir para responderem em liberdade após pagamento de fiança, e… à morte como elemento essencial. Será que apenas essas notícias interessam aos patrocinadores? Por acaso apresentadores sensatos podem interferir e impedir que essa lama continue a jorrar diariamente pelas telas? Para atenuar as mentes já massacradas dos teleespectadores, pequenas pílulas representadas por algumas notícias animadoras.

E o futebol? Dezenas de milhões de brasileiros adoram o esporte e têm lá seus times de preferência. A última decisão do Mundial de Clubes mostrou a nossa verdade. Nada mais temos para encantar dentro das quatro linhas de um campo de futebol. Já sabíamos do fosso abissal a separar a superioridade dos times europeus se comparados àqueles da América Latina. A evidência é transparente. Viu-se um milagre quando anos atrás o São Paulo foi massacrado pelo Liverpool, mas ganhou de 1 x 0, mercê da maior atuação da carreira de Rogério Ceni naqueles mundiais que não espelhavam realidades, pois decididos em um jogo apenas. O recente Barcelona e Santos não permitiu equívocos. Poderá porventura acontecer uma surpresa que não refletirá nada, é certo, entre os vencedores da sofrida Libertadores da América e a poderosa Champions League, mas a cada ano se torna mais difícil. O retrato de nosso futebol lá estava estampado em Yokoyama, sem subterfúgios. Em post bem anterior, que suscitou críticas por parte de fanáticos torcedores de times paulistas, apontava algo transparente. Escrevia àquela altura, em 2007, que tudo não passava de proporção. Os denominados “grandes” times brasileiros buscam seus reforços nos outros da série B, ou revelações que despontam em equipes menores, e que os grandes times europeus encontravam seu manancial de jogadores em vários países do mundo, mormente nos “grandes esquadrões” brasileiros ou argentinos. Apesar de títulos conquistados, nenhuma equipe brasileira conseguiria alguma coisa se atuasse um campeonato inteiro na Espanha, Itália, Inglaterra ou Alemanha. Acredito firmemente que as denominadas melhores equipes brasileiras estão, hoje, ao nível dos times da segunda divisão dos países mencionados. Sob outro aspecto, valeria a pena refletir neste fim de ano sobre quatro tópicos essenciais que fazem sucumbir o futebol pátrio: não há equipe brasileira que mantenha um elenco durante mais de uma temporada, pois as transferências de jogadores são constantes, sobretudo para o Exterior, da Europa ao leste europeu, do Médio ao Extremo Oriente; centenas de jovens embarcam para realização de esperanças que nem sempre se apresentam risonhas; um técnico não subsiste às poucas derrotas sucessivas; não é da tradição brasileira uma equipe que mantém a posse de bola ser atacada por jogadores contrários; o número de passes errados é algo inacreditável, diria, incomensurável, em nosso futebol e em toda a América Latina. Como pode um jogador ganhar fortuna se não sabe o básico do básico, fazer a bola correr até os pés de um outro de seu time? Ninguém estuda esse fundamento? Barcelona x Santos não serviria ao menos para abrir os olhos dos dirigentes e técnicos de nosso futebol? Numa visão sobre seleções, a da Espanha - última campeã do mundo - é coesa e tem seus jogadores entrosados, saindo de dois grandes times. Serão esses virtuoses da bola que estarão no Brasil em 2014. E o Brasil? Em um ano, como preparação para a copa em nosso país, o técnico de plantão já testou dezenas e dezenas, tantos deles sob pressão de empresários e patrocinadores. Nada a fazer. A imprensa escrita, falada e televisiva, despreparada em tantos segmentos, não incensa ad nauseam jogadores que, culturalmente sem bases, não têm a força para permanecer intactos frente à varredura que fazem de suas vidas? A presença de infinidade de empresários, movida unicamente por interesse financeiro, não criaria expectativas de vida melhor para meninos que estão a despontar? É só verificarmos o torneio que está por vir, a envolver uma infinidade de jovens na cidade de São Paulo. Quantidade de empresários com caderninhos a tudo anotar e pais que assinam qualquer contrato, imbuídos de quiméricas aspirações para seus filhos.

Finalmente, a São Silvestre. Devo participar pela quarta vez consecutiva. De maneira desrespeitosa e sem critérios sustentáveis - auscultei atletas profissionais  -, movidos por interesses econômicos e televisivos, os organizadores mudaram o percurso. Trata-se de uma irresponsabilidade. A descida, que se iniciava suave e homogênea pela Av. da Consolação, tranferiram-na para a Rua Major Natanael, a ladear o Cemitério do Araçá, passando pelo Estádio do Pacaembu, a continuar descendente pela Rua Itápolis para finalizar na Praça Charles Muller. Descida abrupta, um quilômetro após a largada, pasmem os leitores, que lesionará as articulações dos joelhos de incontáveis corredores inadvertidos e que  poderá também atingir a região do baço, órgão situado à esquerda da região abdominal, ao nível da nona costela. Uma descida desse teor e o baço sente a situação. Sem contar prováveis quedas devido ao declive acentuado. E que dizer do final da prova no Ibirapuera? A São Silvestre é festa para os atletas amadores, que durante o ano se confraternizaram nas dezenas de corridas espalhadas pela cidade. A Yescom, promotora do evento, impinge a esses atletas da alegria, após a árdua subida da Brigadeiro Luís Antônio, quando a musculatura e as articulações chegaram ao limite para corredores não profissionais, a descida igualmente abrupta no sentido do Ibirapuera. Dirigentes que mereceriam admoestação do Poder Público, que inexiste nessas situações em que interesses estranhos estão em jogo. Narrarei no próximo post a aventura. Espero, aos 73 anos, concluir condignamente a prova, só a correr, no meu ritmo, é certo.

Fim de mais um ano. Esse povo ordeiro, trabalhador, honesto continuará. Graças a ele podemos ainda acreditar. Sua índole é boa. Sofrendo toda espécie de pressão e até descaso, tem-se no povo a chama que impulsiona a Nação. Quanta verdade no texto do grande escritor português Almeida Garret (1799-1854) em Viagens na Minha Terra: “ Assim, o povo, que tem sempre melhor gosto e mais puro do que essa escuma decorada que anda ao de cima das populações, e que se chama a si mesma por excelência a Sociedade…”. Ele é maioria, mas infelizmente torna-se presa fácil dos políticos mal intencionados que, com promessas vazias, obtêm seus votos. Deixa-se manipular por movimentos sindicais de toda ordem que imperam no campo e nas cidades. Frei Beto, em artigo admirável publicado em Novembro último em um de nossos jornais, escreve sobre a corrupção em todas suas variantes. Ao final, um pequeno deslize. Acredita ainda que a consciência do cidadão poderia levá-lo, nas próximas eleições, à escolha dos melhores nomes. Creio ser uma utopia. Se parte da corrupção tem destino voltado aos votos, impossível o vislumbre de uma democracia decente. Mas vamos lá. Povo trabalhador que na escrita de Garret tem prazeres simples. Somemos - como exemplos fulcrais - a família consciente, amorosa  estruturada na retidão de propósitos; a Arte quando não a serviço dos poderosos ou das vaidades pessoais. Se avanços há que considerarmos neste nosso Brasil, nascem eles de mentes sãs da grande maioria da população, muitas delas de raro brilhantismo. Mas como dizia meu saudoso pai: “basta uma gota apenas de ácido para estragar o tonel do melhor vinho”.

Estava a finalizar o post, quando recebo, via e-mail, de meu querido amigo Luca Vitali que tantas ilustrações criou para os textos, um sugestivo desenho de fim de ano. Luca, o artista da esperança. Como não me associar ao seu entusiasmo? Submeto-me sempre ao ato artístico criativo.

A todos os fiéis leitores e tantos amigos, os meus melhores votos para 2012. Que ao menos, o bem mais precioso, a saúde, acompanhe-nos durante o ano inteiro.

Christmas season and the reflections it gives rise to: corruption in Brazil, with politicians using the machine of the state for their own benefit; non justified optimism on the rise, despite violence, education and health poor quality, infrastructure deficiencies and tax burdens; the decline of Brazilian football in comparison with the European one; the new route of the St. Sylvester Road Race held every 31 December in São Paulo and the difficulties competitors like me will have to cope with.