A Respiração Ininterrupta

Penso, como ser pensante,
que nada existe senão o pensamento,
o qual me pensa como ser pensante.
Agostinho da Silva

A insistência de meu dileto amigo Magnus Bardela para que nossas longas conversas fossem fixadas em texto fê-lo criar um blog para o ex-professor. Esse fato já o relatei bem anteriormente. No momento em que vi o blog oficialmente instalado tive até um certo receio de começar a inserir textos, mas dias após entendi que o mais importante para um blog é a periodicidade, seja ela diária, semanal ou a obedecer outras composições do calendário. Tê-lo de maneira hebdomadária foi a minha opção, e nascia o primeiro post aos 2 de Março de 2007 sob o título Praeambulum, a partir da magnífica introdução da Partita nº 5 em sol maior de J.S.Bach. A ilustração para aquele início foi a primeira caneta tinteiro que ganhei de meus pais no afastado 1948, uma Parker Júnior – Vacumatic.  Novamente ela está presente como segunda imagem deste post.  Basicamente, a esperança e o entusiasmo com que iniciei perduram. Em nenhum instante deixei de pensar no leitor como um cúmplice, a cumprir, pois, o que sugeria em minha primeira investida nesse meio eletrônico.

Cinco anos a escrever sem interromper o fluxo periódico têm explicações. O blog nascido nas fronteiras da aposentadoria, no período em que me aliviava de obrigações necessariamente burocráticas que todo docente consciente tem de assumir junto à universidade, fez-me refletir até sobre a natureza do homem.  Ao escrever três posts que tiveram enorme guarida entre os leitores, em que abordava, entre outros aspectos, a vida universitária como um todo, evidenciava pouco a pouco o distanciamento da Academia que se processava em meu interior (vide O Drama da Pós-Graduação – O Perigo do Circunstancial Endêmico, 21/06/2007; “Os Últimos Intelectuais” – Realidades bem Próximas, 21/03/2009; “Teoria Geral da Estupidez Humana” – “A Nova Ordem Estupidológica“, 14/08/2010). Reuniões por vezes enfadonhas e inócuas, crises próprias do convívio universitário, quantidade de relatórios de preferência destinados ao olvido, diminuição da qualidade humana em determinadas áreas, a ascensão “passivamente aceita” pela cúpula universitária de reivindicações exacerbadas e tantas vezes descabidas de poucos alunos, funcionários e… professores, a emperrarem o andamento dos cursos acadêmicos, aspectos esses contrapondo-se à dedicação dos que acreditam. Eles existem, seus perfis são respeitados aqui e alhures. São esses docentes que fazem fluir o pensamento criativo, transmitem às gerações o conhecimento autêntico nas muitas áreas da universidade, tornando-a respeitada.  Para o ex-professor, a recordação dos bons alunos ficou. Hoje essa categoria, a dos que estudam, tão manipulada por alguns “ideólogos” da mesma faixa etária e outros poucos docentes e servidores, perde dias, meses e semestre, impedida que é de maneira inconstitucional, de adentrar as salas de aulas. Tempos de negritude. O divisor de águas para o ex-professor dar-se-ia, pois, quando atravessou os muros rumo ao exterior da universidade.

Perguntaram-me do porquê de um blog diversificado, sem restringir-se à temática  sobre música. Esse questionamento foi frequente anos atrás. Colocadas as premissas no parágrafo anterior, ficaria evidente que a saída da universidade fez aflorar interesses e olhares que me eram caros, mas que ficavam em meu de profundis. Os posts destes cinco anos refletem nada mais do que aquilo que me vem à mente no suceder dos dias. Lógico que a Música é minha “placa mãe”, a tomar por empréstimo palavras da informática. Mas não é a única preocupação. Resenhas e comentários, impressões de viagens e, sobretudo, esse cotidiano que me encanta, mas a contrapor, hélas, posts céticos e amargos relacionados a essa praga que está a devorar o Brasil, sem a menor chance de erradicação: a corrupção no governo e nas empresas, estas assessoradas pelos lobistas que, sem pertencerem à categoria da mais antiga profissão do mundo, são profundamente danosos à sociedade. Recentemente, li em livro, que brevemente será resenhado nesse espaço, um dado aterrador: para cada membro do Senado americano há 125 lobistas! E aqui no Brasil, onde corredores do Congresso, de Assembléias e Câmaras estão infestados dessas figuras nocivas à sociedade como um todo? Quando algo que afeta o cidadão em seu cerne; naqueles trágicos momentos em que a dignidade daquele que labuta com lhaneza é atingida por força de medidas preventivas ignoradas pelo “poder”; nos episódios diários que refletem a ausência da segurança básica, do atendimento à saúde, da educação em tantos compartimentos, fatores que impactam a população como um todo; no descrédito que o brasileiro tem do judiciário excessivamente moroso e inúmeras vezes a contrariar apelo justo do cidadão que faz pulsar o país; nessa sanguessuga agigantada a cada ano a retirar, através dos impostos, o nosso plasma, não posso ficar silencioso. Infelizmente, esses fatos negativos tornam-se cada vez mais presentes e o “nada a fazer”, já comentado em posts anteriores, não é mais do que a reação natural após protesto que se faz necessário.

Continuaremos a escrever para o blog.  Assim como a respiração é natural, as leituras, o estudo pianístico diário e as corridas integram o meu viver. O ato de escrever transformou-se numa extensão do que me comove, daquilo que observo, do fato revoltante, mas também da pureza do cidadão simples, das viagens que sempre enriquecem o ser humano, dessa vida plena de surpresas.

São tantos os fiéis leitores que acompanham o blog nessa travessia que completa o primeiro lustro! Citá-los poderia fazer-me esquecer de outros nomes, que apresentam sempre  comentários inteligentes e enriquecedores, revelando dados que tantas vezes desconheço. Obrigado a todos. Escolhi como primeira ilustração o desenho feito por encantadora menina. Um dos leitores assíduos, o excelente compositor, orquestrador e pensador francês François Servenière, lê semanalmente o post, após a tradução, potável diria, proposta pelo Google. Tece suas opiniões profundas sobre cada texto e tantas vezes insiro-as em meu blog. Quando do lançamento de meu livro “Impressões sobre a Música Portuguesa” pela Imprensa da Universidade de Coimbra, no dia 1º de Novembro último, ofereci um recital na lendária cidade acadêmica, dele constando três peças de François Servenière em 1º audição absoluta. Dos Pirineus franceses, onde estava, viajou mais de 1.000km com esposa e filhos para prestigiar o evento. Sua filha Ambre, de 9 anos, um dia antes do recital fez o singelo desenho e nos ofereceu. A dedicatória ao casal era prova de afeto. Regina e eu ficamos bem comovidos. O desenho é de todos nós, estimados leitores.

O lustro ininterrupto devo-o muito a três figuras impecáveis que souberam sempre, mormente em tantas semanas de exceção representadas pelas tournées de concertos, não deixar de publicar textos que enviava do Exterior. As revisões e o resumo em inglês de minha dileta amiga Regina Pitta e o suporte técnico de Magnus Bardela, em momentos cruciais nesse período, assim como os desenhos e charges do excelente artista e permanente interlocutor Luca Vitali, são parte dessa continuidade do blog.  Agradecimentos de coração.

In this post I celebrate the five years of continuous existence of my blog, recalling the subjects that are dear to me, thanking visitors that send me stimulating messages and expressing  gratitude for the services of those who, behind the scenes, help me in this endeavor.