Recepção de Mensagens Enriquecedoras
O verdadeiro gênio sem coração não tem sentido.
Nem a grande inteligência, nem a imaginação,
tampouco as duas juntas não caracterizam o gênio.
Amor! Amor! Amor! Eis a alma do gênio.
W.A. Mozart
O Post anterior suscitou uma série de mensagens recebidas, incisivas, todas enaltecendo o congraçamento que se faz quando um hino é cantado, mormente em situações especiais. Tive o prazer de assistir a muitas provas de dois campeonatos mundiais relevantes, de natação e de atletismo. O hino consagrado ao vencedor era por este seguido, tantas vezes acompanhado pelo canto – abafado pelas circunstâncias – ou pelas lágrimas do vitorioso. Bonito de se ver. Cesar Cielo ganhou duas medalhas de ouro e não se conteve ao receber a da prova mais rápida da natação, consagrando-o como tricampeão dos 50m livre. As lágrimas vertidas quando da execução do Hino Nacional Brasileiro comoveram a todos os que acompanharam o desenrolar das provas. Quanto passado de sacrifício, preparo exaustivo para se chegar ao pódio mais alto! Tudo isso deve ter povoado a mente do extraordinário nadador naquele momento sublime.
Meu dileto amigo Magnus Bardela rememora hinos destinados aos fiéis: “Fato é que lembrei dos corais harmonizados por J.S.Bach. Vieram (acho que todos, ou quase todos) dos hinários protestantes. Talvez Albert Schweitzer tenha algo sobre isso. E, entendo eu, que os hinos cantados e entoados pelos fiéis serviam (e servem) para fixação das Escrituras, bem como para o devocional cristão, congraçamento entre os fiéis, etc… Possuem, portanto, importância social e musical. E é bom lembrar que alguns corais serviram de ideia-base para outras obras de Bach, a exemplo de Paixões, Cantatas, Prelúdios Corais e outras tantas (através de citações, arranjos, etc). Entendo que ele não iria utilizá-los caso não tivessem relevância musical e/ou extra-musical”.
No contexto em que abordo a Torre de Babel que abriga as incontáveis correntes da música contemporânea dita erudita, menciono que a maior parte delas, com suas linguagens ininteligíveis para o ouvinte comum, estaria distante da melodia que é necessária a todo hino. De um músico que pediu para não ser mencionado – entendo e respeito suas razões – recebi um curto e-mail: “Professor, tente assobiar uma frase musical que seja produzida nesses laboratórios de música ‘erudita’ eletroacústica. Ao menos tente. Laboratórios que mais parecem masturbatórios mentais e que são louvados pelos poucos seguidores” (sic).
O compositor e pensador francês François Servenière, que me privilegia sistematicamente com apreciações contundentes de meus posts, a partir do tema Hino tece inúmeras considerações, mormente nos quesitos por mim abordados a respeito da presença de temas simples, inteligibilidade, convívio hino e povo, assim como da impossibilidade de determinadas tendências da música contemporânea, incompreensíveis ao cidadão comum, entenderem a anima de um hino.
“Uma instantânea reflexão, um primeiro questionamento me vem à mente após a leitura de seu texto: ‘a música, essa arte tão universal e mística, é feita para o povo ou não?’ A questão foi colocada pela música contemporânea, que se petrificou no insustentável posicionamento ‘nós somos a verdadeira e única música’. Você conhece minha resposta, não distante da sua. Sem povo, sem público, a música não existe. A música, etimologicamente, é a voz do povo, das intimidades individuais e de grupos, e não podemos separar a música popular da grande música. Meu eminente professor de composição Michel Merlet não cansava de dizer e repetir a seus alunos: ‘só há dois tipos de música, a boa e a mal feita’. Sem comentários! Lição que jamais esqueci. Se quisermos compor, inútil fazê-la chata, pois será imediata e eternamente rejeitada.
Após seu artigo, retomei meu Hymne des petits, des sans-grades et des handicapés e cantei-o em voz alta de um lado a outro da sala com as janelas abertas. Sem problemas com os vizinhos! Os hinos são feitos para serem cantados, cabeça descoberta, e são remédios ideais contra a adversidade. Nada melhor, quando não estamos bem, do que cantar um hino. Essa atitude nos reanima e confesso também ter ficado impressionado, aqui na Normandia, com o hino brasileiro sendo cantado pelo Maracanã lotado.
Mozart mostrou a possibilidade da mistura entre a bela melodia, identificada e memorizada instantaneamente por cada indivíduo, e a ciência musical mais avançada de sua época. Seu Requiem é um exemplo típico dessa combinação levada a termo. O compositor, na maioria das vezes e a cada nova composição, é confrontado com dilemas filosóficos e técnicos. Para quem escrevo? Para intelectuais, que necessitam de formas complexas para serem subjugadas, ou para o povo, que precisa de formas simples para sentirem a elevação? A escolha do estilo e do gênero é sempre uma escolha à la Corneille. Ela é idêntica na escolha de todo criador. Compondo uma música que deve subjugar o intelectual, sabe o autor que corre o risco quase certo de ser rejeitado pelo povo e pela posteridade. Sob outra égide, se a composição for simples e facilmente compreendida pelo povo, há risco de ser desacreditado pela crítica e pelos experts do métier que, na realidade, julgam pelo extremismo das propostas, mais do que pelo talento.
Seria necessário conciliar a grande exigência técnica (modernismo último) e compreensão popular. É difícil, mas há uma via que corresponde à demanda do mercado. A síntese de nossa época seguramente já existe em nossas mentes, por meios intelectualizado e formalizado, tendo como base nossos estudos e cultura. Esse caminho (voz) é natural.
A relação do hino e da poesia tem lógica. A poesia apresenta, como primeira característica, a observação da natureza. Ela descreve e narra, tece reflexões e fala das emoções e dos sentimentos por meio do ritmo e dos versos. Encontramos essa forma antiga entre os feiticeiros da África, assim como entre os gregos, para os quais ‘aquele que escreve um texto é um poeta’. O hino tem, pois, a vocação de ser um primo da poesia, e a canção, seu descendente comum. Toda canção, intimista ou popular, é um hino sobre tema particular ou mais geral, para população minúscula ou imensa. Amar uma ou várias não seria o encontro de palavras e de notas que farão a construção de nossa alma? Não seria o conjunto de ‘hinos’ que correspondem à nossa personalidade particular, que se fundem em nós de acordo com o nosso de profundis? A música mais complexa coloca-nos em contato com as formas mais elaboradas, embora às vezes possa levar à perda do contato com o Universo, cujo objetivo terminal é a constatação da vida. Esta, em definitivo, deveria ser sempre a expressão do amor.
Tem-se de refletir sobre a frase de seu último post: ‘Seria possível deduzir que, para que haja interação, independentemente da qualidade musical do hino, há a necessidade de que ele possa ser cantado por todos’. Meus questionamentos consequentes: ‘Por que a música, que é a linguagem essencial da vida, converteu-se ao longo de milênios, por complexidade natural, sofismas e nihilismos, em determinadas seitas da música contemporânea, seitas essas da linguagem da não vida? A antítese da linguagem da vida? A linguagem dos bunkers e das salas de dissecação da vida? A linguagem da ausência da comunicação entre os seres?’
Como sempre, penso que a causa do drama musical é a mesma que a do drama humano vivido por todos no século XX. Uma nova ideologia pensa transformar o homem, ‘criar um homem novo’ e quando ‘o povo não quer mudar, mudemos o povo’. Mesmas causas, mesmos efeitos! Não seria necessário aprofundar muito para encontrarmos consequências filosóficas e sociais nas artes e na música. Há heranças filosóficas que duram milhares de anos, fiéis ao Universo e às regras imanentes. Aí se encontram as grandes ideias.
Finalmente, teu post me inspirou, e foi motivo para evidenciar que a música é UMA, seja qual for a origem, e que a vontade de separá-la em múltiplas seitas não tem nenhum sentido, mesmo se inúmeros forem estilos e nomenclaturas. Entendo uma verdade: a música fala ao homem e ao seu coração. A não-música não o faz. E como coda aos meus comentários, muitas vezes fui impactado por músicas que não faziam parte de minha cultura adquirida, mas expressadas por criadores e músicos que falavam com o coração”. (tradução: JEM).
Cultuemos os hinos dos países, dos clubes, das associações. Bons ou “ruinzinhos”, como afirmou meu ex-colega mencionado no post anterior, eles são a certeza de que ainda há pulsar, amor e devoção neste planeta tão maltratado.
This week’s post resumes the subject of national anthems, this time with messages received from readers with their own reflections on the spirit of anthems and their ability to give people a sense of unity, safety and pride. The composer and intellectual François Servenière wrote a long comment approaching the subject from original perspectives.
Comentários