O sarau diversificado na Sociedade Brasileira de Eubiose

En la civilización de nuestros dias
es normal y obligatorio que la cocina y la moda
ocupen buena parte de las secciones dedicadas a la cultura
y que los “chefs” y los “modistos” y “modistas”
tengan ahora el protagonismo
que antes tenían los científicos, los compositores y los filósofos.
Mario Vargas Llosa

Desde a segunda metade do XIX século a reunião de vários intérpretes num sarau em sala menor era amplamente ventilada. Amy Fay (1844-1928), em precioso livro, ratifica essa prática tão a gosto do romantismo (vide blog “Amy Fay – Missivas cativantes de musicista norte americana”, 29/12/2012). Professores e alunos mais adiantados se apresentavam e o congraçamento se dava. Na segunda metade do século passado era comum a denominada audição, palavra que se adequava ao recital. Ainda hoje é tradição no país. Numa outra direção, a apresentação de vários intérpretes consolidados é realizada, mormente em datas comemorativas.

O recital do dia 15 de Outubro, no aconchegante auditório da Sociedade Brasileira de Eubiose, atingiu plenamente seu fulcral objetivo, a inauguração do novo piano Yamaha, model C7, o conhecido 3/4 de cauda, dimensão adequada para a sala com pouco mais de 200 lugares

Seis pianistas se apresentaram e a recepção foi calorosa durante todo o longo recital. Na ordem: Maria José Carrasqueira, Fábio Luz, Gilberto Tinetti, JEM, Renato Figueiredo e Eudóxia de Barros. Várias propostas foram apresentadas. Foi possível aos ouvintes, que lotaram a sala da SBE, acompanharem repertório que se estendeu do austríaco F.J. Haydn ao contemporâneo Antônio Ribeiro. Entre os seis houve ligeira preferência pelo repertório brasileiro. As saudações do público não apenas visavam aos intérpretes, como também à organização, representada àquela altura pela figura de Carlos Augusto de Souza Lima e dirigentes da SBE.

Os pianistas escolhidos pela Sociedade eram conhecidos do público frequentador, pois regularmente se apresentam em seu auditório. Quando afirmo que houve o congraçamento, é fato real. Colegas que poucas vezes se encontravam pelas mais variadas razões tiveram a oportunidade do franco diálogo e do convívio pleno e sincero.

Acredito que a iniciativa do sarau revelou-se exitosa, mercê dessa fórmula pouco habitual. Escrevia no post anterior que a apresentação individual de músico erudito não ventilado na mídia está a sofrer praticamente um esvaziamento por parte dos adeptos dessa modalidade artística. Sem a divulgação necessária, reduzem-se as expectativas. Estou a me lembrar de que há anos fui levar a um veículo de divulgação da cidade material relativo a uma apresentação. Daria um recital em sala ampla, mas não pertencente àquelas habitualmente frequentadas. A resposta foi direta, objetiva e sem nenhuma intenção malévola, pois, segundo o interlocutor, a ausência de uma maior divulgação em seu veículo informativo devia-se ao fato de a sala “não pertencer ao circuito dos locais de concerto” (sic). Certamente divulgariam, se houvesse o contributo financeiro e, quão mais intenso fosse esse, maior espaço haveria. Transmitida a resposta aos organizadores, trataram eles de fazer propaganda via redes sociais e a sala teve lotação plena. O recital conjunto do dia 15 último também recebeu público numeroso graças às redes sociais e àquilo vulgarmente conhecido como “boca a boca”.

Essas considerações fazem-se necessárias, pois doravante, mais do que a busca de uma pequena “nota”, uma quase “esmola” em veículo de comunicação, terá o instrumentista não mediático, não acompanhado por patrocinadores e fortes holofotes, de buscar essa nova modalidade de ventilação de eventos. Num sentido mais abrangente, estaríamos voltando às origens cristãs, quando a “nova” era divulgada através da oralidade dos voluntários e fiéis. Se entendida como uma fórmula de resistência ao poderio da mídia, ela pode mostrar-se eficaz e mereceria um estudo mais aprofundado. Sob égide mais ampla, deveriam músicos na acepção iniciar a crítica online, tão difundida no hemisfério norte. Sem intitular-se crítico, esse músico externaria via internet (blog, redes sociais) sua opinião, mormente em se tratando de jovens instrumentistas que gostariam imenso, como certamente nós seis, que estivemos tocando naquela noite de 15 de Outubro, apreciávamos outrora, de ter essa importante recepção crítica, apreciada por articulistas online descompromissados e, friso, músicos. Tenho utilizado este espaço para resenhas de livros, algumas gravações e apreciação de recitais.

Não seria o alcance das redes sociais um dos fatores amplamente divulgado da diminuição da venda de jornais e revistas? O enxugamento de hebdomadários e revistas mensais não teria como causas os patrocínios, que ficaram reduzidos graças à crise por que passa o país, mas também pelo dirigismo ad nauseam dos mesmos personagens? Através das redes sociais e dessa divulgação através da fala não voltaríamos a ter audiências maiores para a apresentação individual? Se, de um lado, mais e mais a cultura erudita está a ser descartada pelos meios de comunicação, se premiam Bob Dylan com a láurea máxima da literatura em detrimento de tantos autores de mérito, entre os quais Haruki Murakami, do Japão, país que aguardava a premiação como certa, não estaria a própria Academia sueca seduzida pelo canto das sereias? Em nosso país alguns autodenominados intelectuais estão sugerindo letristas pátrios bem conhecidos do público para o Nobel de literatura (sic)!!! Portas foram abertas aos personagens “surrealistas” de Hieronymus Bosch (1450-1516). Tempos atuais que, sob o aspecto de pilhéria tropical, poderíamos até entender como “apocalípticos”.

Retornemos ao recital do dia 15. Poucas vezes senti uma tão plena  irmanação. Uma das alegrias foi verificar, sentados no palco, estudantes de música, pois a sala, como afirmei, estava lotada. Na minha apresentação teci pequeno comentário sobre o compositor português, nascido nos Açores, Francisco de Lacerda (1869-1934). Soubesse eu que na plateia estava Maria Josefina, pianista e viúva do grande compositor Francisco Mignone (1897-1986), teria feito menção ao seu hercúleo trabalho no sentido da preservação da obra de seu marido. Dele toquei os “Seis Estudos Transcendentais”. A pianista Eudóxia de Barros, viúva do também ilustre compositor Osvaldo Lacerda (1927-2011) e que se apresentou com brilhantismo, não tem com dedicação ímpar trilhado caminho paralelo na divulgação das obras lacerdianas? O certo é que todos os que lá estiveram, pianistas e público, viveram momentos de intensa confraternização. Se o piano Yamaha (C7) foi o motivo central, mostrou-se a ideia benfazeja. Oxalá apresentações nessa configuração recebam a acolhida não apenas da SBE como de outras salas de resistência, e que redes sociais e a oralidade, mostrem-se ainda bem mais ativas. Poderemos enfim, quiçá, ver ressurgir a apresentação do músico instrumentista diante de uma mais ampla audiência.

The presentation recital of the new Yamaha piano at Sociedade Brasileira de Eubiose in São Paulo was a huge success. Before a packed audience, the six pianists invited for the occasion played a varied repertoire that was enthusiastically received by the public. An additional pleasure was meeting fellow pianists I do not see very often. Without media coverage, the success of the event was due to online word of mouth (blogs, social networks) and to the efforts of SBE director, Carlos Augusto de Souza Lima, and board members. Let’s hope other music associations follow in their footsteps, adapting to the internet era and opening their doors to musicians struggling to find small and mid-size venues for hosting classical music of a very high standard.