Pianista a ter a perfeição como objetivo maior

Ser pianista e músico não é uma profissão.
É uma filosofia,
um estilo de vida que não se pode fundamentar
nem sobre as boas intenções,
tampouco sobre o talento natural.
É necessário, antes de tudo,
um espírito de sacrifício inimaginável.
Arturo Benedetti Michelangeli

Os mais de oitenta pianistas do passado focalizados neste espaço desde Março de 2007 destacaram-se pelas interpretações preciosas, um legado para os pósteros, que podem assimilar tendências várias que, no todo, são sempre admiráveis e servem de modelo àqueles que tencionam preservar a tradição.

Dos pianistas já falecidos há uma linhagem significativa na Itália. Preponderando, o notável Ferrucio Busoni (1866-1924), compositor, pianista, escritor e revisor, considerado um dos maiores da história no cenário mundial. Se a Itália também teve Carlo Zecchi (1903-1984) e outros meritórios menos divulgados, a lembrança de Arturo Benedetti Michelangeli se faz necessária, pois um dos mais perfeitos e cuidadosos intérpretes do século XX.

Nascido em Brescia, na Itália, teve sólido aprendizado no Conservatório de Milão a partir dos dez anos de idade. Aos 19 ganharia o primeiro prêmio no Concurso Internacional de Genebra e receberia do notável Alfred Cortot, que presidia o Concurso, palavras que teriam reflexo na carreira do jovem pianista, “um novo Liszt”.

Michelangeli granjeou ao longo de sua carreira a notoriedade dos eleitos, pois um dos maiores perfeccionistas da arte pianística. A contrastar com a qualidade das performances, de sua vida privada sabe-se pouco. Lendária tornar-se-ia sua relação com o palco e as apresentações. Chegou a cancelar inúmeras vezes recitais por não se sentir à vontade com determinada sala de concerto, ou por motivos outros, como a qualidade do piano, ruídos… Só se apresentava se as condições fossem rigorosamente satisfatórias. Como professor, orientou alguns pianistas que vingaram em suas carreiras: Mauricio Pollini, Martha Argerich, Adam Harasiewicz, Ivan Moravec, entre outros. O pianista e professor Pietro Maranca (1944-1995), nascido na Itália e aportando no Brasil aos seis anos de idade com seus pais, após estudos preliminares em São Paulo esteve sob a orientação de Michelangeli. Contou-me episódios relacionados às hipocondrias, que não eram poucas, do notável pianista.

As interpretações de Michelangeli se situam num plano absolutamente superior, mercê de qualidades inalienáveis, que se estendem do aspecto formal através do respeito fidelíssimo  às partituras, estilo requintado com que concebia suas interpretações, singularidade do fraseado, conduzido com plasticidade personalíssima, onde inexistem excessos ou arroubos. Poder-se-ia acrescentar, execução refinada. Sua técnica impecável compreendia a básica ausência de movimentos “extras” das mãos, dedos e do corpo, a resultar a concentração plena na transmissão da mensagem musical. Tornaram-se legendárias suas leituras das criações de Debussy: dos dois cadernos de ImagesChildren’s Corner e dos dois livros de Préludes.

Clique para ouvir, na interpretação de Arturo Benedetti Michelangeli, de Claude Debussy, do IIº caderno de ImagesPoissons d’or:

https://www.youtube.com/watch?v=bK1R4ZSjteQ

Intérprete impecável das criações de Maurice Ravel, tinha, entre suas obras mais frequentadas, Gaspard de la Nuit e o Concerto em Sol maior para piano e orquestra. Estou a me lembrar dos efeitos que causou em Paris sua gravação do Concerto em sol, de Ravel, em 1958. O Concerto fora dedicado à Marguerite Long, que fez sua estreia mundial sob a regência do autor, interpretando a criação inúmeras vezes e gravando-a. Sua bela interpretação é considerada paradigmática. Todavia, com a aparição do registro de Michelangeli, opiniões se dividiram no meio musical parisiense. A mensagem de Michelangeli apreendia uma visão mais interiorizada da obra, mormente do segundo andamento, e um toque menos “digital”, da ponta dos dedos, característica insofismável do toque singular da lendária Marguerite Long.

Clique para ouvir, na interpretação de Arturo Benedetti Michelangeli, sob a regência de Sergiu Celibidache, de Maurice Ravel, o Concerto em Sol para piano e orquestra:

https://www.youtube.com/watch?v=WKy8jjmRvJA

O repertório de Michelangeli não fazia frente ao da maioria dos  intérpretes anteriormente focalizados neste espaço, muitos deles pianistas de integrais. Entretanto, a qualidade de suas performances evidencia a presença musical na fronteira da perfeição. São inúmeras as suas gravações ao vivo, a contrastar com um menor  número de registros em locais fechados, como estúdios.

Seria possível entender essa miragem perfeccionista através de poucos dados sobre sua vida privada. Insone tantas vezes, sabe-se que lhe era habitual estudar noite adentro a fim de encontrar, no repertório que dominava, soluções outras.

Apesar de ter gravado apenas um disco a homenagear Chopin, suas interpretações são paradigmáticas. Clique para ouvir, na interpretação de Arturo Benedetti Michelangeli, de Fréderic Chopin, o Andante Spiantato e Grande Polonaise Brilhante, op. 22:

https://www.youtube.com/watch?v=-3mpQa4_UCs

Michelangeli deve ser entendido como um norte para as novas gerações. Ele evidencia a cumeeira, o mais elevado grau de realização pianística sob todos os aspectos técnico-interpretativos, acrescido de uma postura  impecável no palco, sem gestual supérfluo. Não seria essa impecabilidade o respeito absoluto à transmissão integral da música, só a música?

Clique para ouvir, na interpretação de Arturo Benedetti Michelangeli, de Domenico Scarlatti, Sonata em si menor, K.27:

https://www.youtube.com/watch?v=jLMavBj446g

Arturo Benedetti Michelangeli, one of the legendary pianists of the twentieth century, has always pursued obsessively the highest standards of excellence in his performances. Displaying unusual poetic treatment of his repertoire, his recordings may be considered a model of tradition preservation. Little is known about his private life, since he led a reclusive life, keeping distance from social events.