Navegando Posts publicados em dezembro, 2011

Há o que Comemorar neste País?

Chegamos a mais um anoitecer de ano, que permanecerá como  um número no calendário inexorável. Assistimos 2011, pasmos com os resultados que já eram esperados, não de agora. O leigo minimamente informado estava a saber que a zona do euro um dia chegaria ao impasse. Apesar das dificuldades cambiais, perdia-se “outrora” pouco tempo para a troca das muitas moedas espalhadas pela Europa. Os países integrantes sobreviviam, prosperavam ou não, mas caminhavam com as suas dificuldades e poucos acertos. Havia certa independência, e as relações entre os países europeus se processavam dentro de plausíveis parâmetros. O euro veio trazer anunciada a tragédia que podia ser vista num horizonte distante. O euro dos ricos e dos pobres, pasteurizado temporariamente como a verdade absoluta para países incomensuravelmente desiguais, mas contrapondo-se ao dólar ou à libra esterlina, doravante moedas “adversárias”. Não há luz à vista, não aquela do fim do túnel, mas a do pleno dia. Uma bruma cinzenta cobre os países que aceitaram a utopia da união monetária europeia. 2012… o que esperar? Paliativos.

O Brasil, país integrante dos BRICS, vive a ilusão polianesca. Governantes asseguram que tudo vai bem, que a inflação está sobre controle e que a crise internacional nos atingirá de raspão. Recebi recentemente por e-mail um texto de autora holandesa, em que a cidadã “viaja”. Verdadeira nefelibata, que sequer conhece os problemas internos de nosso país. Espalhado por milhões de computadores, essas considerações na realidade são destinadas aos privilegiados que pululam neste Brasil, movidos, tantas vezes, por estranhos propósitos. Tenta fazer-nos ver que vivemos numa maravilha absoluta. Para o cidadão comum, é só entrar em um supermercado, lojas em centros comerciais ou fora deles, assim como em restaurantes para verificar que a inflação teve características, por vezes, galopante.

Assim como parcela considerada da Nação, desiludo-me com o que se passa. Brasil, onde a corrupção endêmica consegue superar a cada ano a sua desfaçatez. As palavras “rubor nas faces”, tão utilizada em saudosos tempos, foi definitivamente banida dos dicionários decentes. Estamos à mercê de todos os impropérios. Nos três poderes houve aumentos salariais abusivos, que foram assinalados já no início do ano na Câmara Federal, de mais de 60%, e neste final de 2011, atingindo aos vergonhosos, acachapantes 200%, número este para determinada casta municipal. O que mais nos assusta é verificar a serenidade dos arautos dos poderes ao anunciarem esses achaques à população ordeira, honesta, que paga religiosamente seus impostos e que luta pela sobrevivência digna. Sob outra égide piorou muito a avaliação que o cidadão comum faz da Justiça em relação ao quadro que apresentei em blog bem anterior (A Justiça – Interpretação de uma Charge. 24/10/09). Morosa, nossa Justiça abre as janelas à impunidade, chaga que está a destruir a identidade do país.

Segurança, Educação e Saúde. A primeira praticamente não existe. Nas cidades maiores temos de nos esconder à noite e as grades em portas e janelas testemunham realidades. No país, o último dado de meses atrás dava 137 assassinatos por dia. Somos os campeões mundiais nesse quesito. Já perdemos a conta das caixas eletrônicas estouradas neste ano; dos ataques às pessoas, tantos deles fatais, da presença de falsários, estelionatários e traficantes presos e soltos através do habeas corpus, a verdadeira salvaguarda para que meliantes persistam no crime. Quantos foram os que morreram nos corredores da tragédia em hospitais e pronto-socorros públicos? E a Educação sucateada? A gurizada progride automaticamente, sem nenhum preparo. Mestres surrados em salas de aula por gangues de alunos. A droga a invadir, presentemente, até a infância.  Tristes realidades. A todos esses fatos o cidadão comum assiste nos canais abertos a porcentagem esmagadora das notícias destinadas ao mal, ao erro, ao desvio de conduta, à negligência das autoridades e, como “pérolas” diárias, ao latrocínio, ao sequestro, ao estupro, aos motoristas embriagados ceifando vidas mas soltos logo a seguir para responderem em liberdade após pagamento de fiança, e… à morte como elemento essencial. Será que apenas essas notícias interessam aos patrocinadores? Por acaso apresentadores sensatos podem interferir e impedir que essa lama continue a jorrar diariamente pelas telas? Para atenuar as mentes já massacradas dos teleespectadores, pequenas pílulas representadas por algumas notícias animadoras.

E o futebol? Dezenas de milhões de brasileiros adoram o esporte e têm lá seus times de preferência. A última decisão do Mundial de Clubes mostrou a nossa verdade. Nada mais temos para encantar dentro das quatro linhas de um campo de futebol. Já sabíamos do fosso abissal a separar a superioridade dos times europeus se comparados àqueles da América Latina. A evidência é transparente. Viu-se um milagre quando anos atrás o São Paulo foi massacrado pelo Liverpool, mas ganhou de 1 x 0, mercê da maior atuação da carreira de Rogério Ceni naqueles mundiais que não espelhavam realidades, pois decididos em um jogo apenas. O recente Barcelona e Santos não permitiu equívocos. Poderá porventura acontecer uma surpresa que não refletirá nada, é certo, entre os vencedores da sofrida Libertadores da América e a poderosa Champions League, mas a cada ano se torna mais difícil. O retrato de nosso futebol lá estava estampado em Yokoyama, sem subterfúgios. Em post bem anterior, que suscitou críticas por parte de fanáticos torcedores de times paulistas, apontava algo transparente. Escrevia àquela altura, em 2007, que tudo não passava de proporção. Os denominados “grandes” times brasileiros buscam seus reforços nos outros da série B, ou revelações que despontam em equipes menores, e que os grandes times europeus encontravam seu manancial de jogadores em vários países do mundo, mormente nos “grandes esquadrões” brasileiros ou argentinos. Apesar de títulos conquistados, nenhuma equipe brasileira conseguiria alguma coisa se atuasse um campeonato inteiro na Espanha, Itália, Inglaterra ou Alemanha. Acredito firmemente que as denominadas melhores equipes brasileiras estão, hoje, ao nível dos times da segunda divisão dos países mencionados. Sob outro aspecto, valeria a pena refletir neste fim de ano sobre quatro tópicos essenciais que fazem sucumbir o futebol pátrio: não há equipe brasileira que mantenha um elenco durante mais de uma temporada, pois as transferências de jogadores são constantes, sobretudo para o Exterior, da Europa ao leste europeu, do Médio ao Extremo Oriente; centenas de jovens embarcam para realização de esperanças que nem sempre se apresentam risonhas; um técnico não subsiste às poucas derrotas sucessivas; não é da tradição brasileira uma equipe que mantém a posse de bola ser atacada por jogadores contrários; o número de passes errados é algo inacreditável, diria, incomensurável, em nosso futebol e em toda a América Latina. Como pode um jogador ganhar fortuna se não sabe o básico do básico, fazer a bola correr até os pés de um outro de seu time? Ninguém estuda esse fundamento? Barcelona x Santos não serviria ao menos para abrir os olhos dos dirigentes e técnicos de nosso futebol? Numa visão sobre seleções, a da Espanha - última campeã do mundo - é coesa e tem seus jogadores entrosados, saindo de dois grandes times. Serão esses virtuoses da bola que estarão no Brasil em 2014. E o Brasil? Em um ano, como preparação para a copa em nosso país, o técnico de plantão já testou dezenas e dezenas, tantos deles sob pressão de empresários e patrocinadores. Nada a fazer. A imprensa escrita, falada e televisiva, despreparada em tantos segmentos, não incensa ad nauseam jogadores que, culturalmente sem bases, não têm a força para permanecer intactos frente à varredura que fazem de suas vidas? A presença de infinidade de empresários, movida unicamente por interesse financeiro, não criaria expectativas de vida melhor para meninos que estão a despontar? É só verificarmos o torneio que está por vir, a envolver uma infinidade de jovens na cidade de São Paulo. Quantidade de empresários com caderninhos a tudo anotar e pais que assinam qualquer contrato, imbuídos de quiméricas aspirações para seus filhos.

Finalmente, a São Silvestre. Devo participar pela quarta vez consecutiva. De maneira desrespeitosa e sem critérios sustentáveis - auscultei atletas profissionais  -, movidos por interesses econômicos e televisivos, os organizadores mudaram o percurso. Trata-se de uma irresponsabilidade. A descida, que se iniciava suave e homogênea pela Av. da Consolação, tranferiram-na para a Rua Major Natanael, a ladear o Cemitério do Araçá, passando pelo Estádio do Pacaembu, a continuar descendente pela Rua Itápolis para finalizar na Praça Charles Muller. Descida abrupta, um quilômetro após a largada, pasmem os leitores, que lesionará as articulações dos joelhos de incontáveis corredores inadvertidos e que  poderá também atingir a região do baço, órgão situado à esquerda da região abdominal, ao nível da nona costela. Uma descida desse teor e o baço sente a situação. Sem contar prováveis quedas devido ao declive acentuado. E que dizer do final da prova no Ibirapuera? A São Silvestre é festa para os atletas amadores, que durante o ano se confraternizaram nas dezenas de corridas espalhadas pela cidade. A Yescom, promotora do evento, impinge a esses atletas da alegria, após a árdua subida da Brigadeiro Luís Antônio, quando a musculatura e as articulações chegaram ao limite para corredores não profissionais, a descida igualmente abrupta no sentido do Ibirapuera. Dirigentes que mereceriam admoestação do Poder Público, que inexiste nessas situações em que interesses estranhos estão em jogo. Narrarei no próximo post a aventura. Espero, aos 73 anos, concluir condignamente a prova, só a correr, no meu ritmo, é certo.

Fim de mais um ano. Esse povo ordeiro, trabalhador, honesto continuará. Graças a ele podemos ainda acreditar. Sua índole é boa. Sofrendo toda espécie de pressão e até descaso, tem-se no povo a chama que impulsiona a Nação. Quanta verdade no texto do grande escritor português Almeida Garret (1799-1854) em Viagens na Minha Terra: “ Assim, o povo, que tem sempre melhor gosto e mais puro do que essa escuma decorada que anda ao de cima das populações, e que se chama a si mesma por excelência a Sociedade…”. Ele é maioria, mas infelizmente torna-se presa fácil dos políticos mal intencionados que, com promessas vazias, obtêm seus votos. Deixa-se manipular por movimentos sindicais de toda ordem que imperam no campo e nas cidades. Frei Beto, em artigo admirável publicado em Novembro último em um de nossos jornais, escreve sobre a corrupção em todas suas variantes. Ao final, um pequeno deslize. Acredita ainda que a consciência do cidadão poderia levá-lo, nas próximas eleições, à escolha dos melhores nomes. Creio ser uma utopia. Se parte da corrupção tem destino voltado aos votos, impossível o vislumbre de uma democracia decente. Mas vamos lá. Povo trabalhador que na escrita de Garret tem prazeres simples. Somemos - como exemplos fulcrais - a família consciente, amorosa  estruturada na retidão de propósitos; a Arte quando não a serviço dos poderosos ou das vaidades pessoais. Se avanços há que considerarmos neste nosso Brasil, nascem eles de mentes sãs da grande maioria da população, muitas delas de raro brilhantismo. Mas como dizia meu saudoso pai: “basta uma gota apenas de ácido para estragar o tonel do melhor vinho”.

Estava a finalizar o post, quando recebo, via e-mail, de meu querido amigo Luca Vitali que tantas ilustrações criou para os textos, um sugestivo desenho de fim de ano. Luca, o artista da esperança. Como não me associar ao seu entusiasmo? Submeto-me sempre ao ato artístico criativo.

A todos os fiéis leitores e tantos amigos, os meus melhores votos para 2012. Que ao menos, o bem mais precioso, a saúde, acompanhe-nos durante o ano inteiro.

Christmas season and the reflections it gives rise to: corruption in Brazil, with politicians using the machine of the state for their own benefit; non justified optimism on the rise, despite violence, education and health poor quality, infrastructure deficiencies and tax burdens; the decline of Brazilian football in comparison with the European one; the new route of the St. Sylvester Road Race held every 31 December in São Paulo and the difficulties competitors like me will have to cope with.

 

 

 

 

João Gouveia Monteiro

Não nego que os nossos jovens não leiam mais.
Por exemplo, é seguro que lêem muito mais periódicos.
E também lêem muito mais em suporte informático.
O que eu digo é que eles, em média, lêem pior,
que há uma infantilização da leitura.
E a prova é que a sua capacidade de expressão por escrito
se está a degradar fortemente.
Pelo menos entre os jovens que frequentam a Faculdade de Letras,
disso não tenho a menor dúvida.
E se é assim em Letras…
João Gouveia Monteiro

Ao longo da existência deste espaço tenho-me referido, não poucas vezes, à aptidão de quem escreve sobre determinada área. Mais me causa admiração quando um autor competente penetra no campo da síntese. Delicia-me verificar verdadeiras viagens ao miniaturismo de certos temas. Abordei recentemente o magnífico estudo de síntese de José Maria Pedrosa Cardoso ao traçar, com ímpar competência, uma História Breve da Música Ocidental (Coimbra, Imprensa da Universidade de Coimbra, 2010). Faço-o novamente não sem razões. A leitura das Crônicas de João Gouveia Monteiro, Professor da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, onde leciona sobretudo história europeia da Idade Média e história militar antiga e medieval, leva-me à certeza de que o espírito de síntese quando natural, sem empáfia, faz com que todos possam compreender conteúdos aparentemente intransponíveis para o leigo (Crônicas de História, Cultura e Cidadania, Coimbra, Imprensa da Universidade de Coimbra, 2011).

O notável medievalista aceitou escrever quinzenalmente, durante cerca de dois anos, pequenas crônicas para o “Diário de Coimbra”. Reunidas em livro, tem-se três categorias de textos, que se concentram nas Viagens pela História, O Olhar da Cultura e Coimbra e Cidadania. A dimensão de cada texto estaria a obedecer estritamente aos espaços do jornal, duas páginas ou pouco mais na formatação em livro. E é nessa permanência da mensagem a ser transmitida por inteiro que reside a magia de Crônicas de História, Cultura e Cidadania.

Percebe-se, nas três categorias de textos, a preocupação de João Gouveia Monteiro em não deixar dúvidas quanto às suas intenções. Quando na primeira parte, Viagens pela História, dá-nos em poucas palavras verdadeiras aulas, mormente do período medieval, e rememora em datas históricas feitos militares, tratados que marcaram, uniões matrimoniais movidas por nítidos interesses, fatos heroicos. Não apenas transparece a competência inequívoca do autor, como está-se diante da História real, sem tergiversações. Seria lógico supor que tais condensações, destinadas a um público leigo, pudessem conter uma visão exegética excessiva, o que daria ao texto a certeza da informação, mas o desestímulo ao leitor ávido por notícias do cotidiano. É exatamente nesse pormenor que reside a magia do texto de João Gouveia Monteiro. O autor dá a mão ao leitor, caminha com ele, brevemente, pelo fato histórico e interpreta-o como se estivesse presente aos atos que construíram o desenrolar desse pulsar, que sempre esteve a nos conduzir.

Abre a sequência dos episódios das narrativas, Viagens pela História, com crônica que não deixa dúvidas sobre o que vai ser desenrolado: “Varo: devolve as minhas legiões!”, e o acontecimento histórico evocado, traz-nos “ao vivo” Públio Quintílio Varo, legado provincial da Germânia e antigo governador da Síria, que foi protagonista de uma das maiores humilhações do exército de Roma, quando o Império perderia três legiões, delas constando aproximadamente 15.000 homens. Deu-se a batalha a noroeste da Alemanha, próximo da Holanda. Grande tragédia no século 9 da era cristã e que levaria o Imperador Augusto a dizer, enfurecido em pleno delírio: “Quintilo Varo, devolve as minhas legiões”.

De agradabilíssima leitura os textos sobre episódios passados em Portugal e alhures na Idade Média. Detém-se em Fernão Lopes com admiração, a evidenciar as qualidades desse que foi o grande cronista da nobreza portuguesa no século XV. Denomina-o, inclusive, “cronista do povo”. Essa participação descontraída diante da História se faz sentir em tantos títulos das crônicas: “Nós iremos a Jerusalém…”, história que se passa no Egito e na Tunísia no século XIII; “O Infante D. Henrique faz anos!”; “A India com que o Gama não contava!”; “A boda que deu em revolução”, referindo-se à celebração matrimonial de D. Beatriz (filha única de D. Fernando e D. Leonor Teles) com D. Juan (rei de Castela). Feitos pela Europa são revisitados pelo autor que, nessas pílulas literárias, transmite-os ao leitor, mormente quando efeméride está a aguçar a sua memória.

No segmento a abordar “O Olhar da Cultura”, torna-se evidente o fascínio de Gouveia Monteiro pelos livros. Cerca de metade dos textos os tem como fulcro central. Insiste no tema, assistindo com certo estupor à diminuição, entre os jovens, dessa frequência indispensável ao livro: “Ter o livro como um companheiro insubstituível e que não se troca por (quase) nada”. Teme pelo futuro, pois sente o resultado através da escrita pobre dos estudantes. Em “O lugar do estudo na vida universitária” apresenta um certo ceticismo quanto ao estado atual ao qual a docência está a ser conduzida “… os investigadores são agora massacrados com pequenas tarefas burocráticas (questionários, relatórios, reuniões, formulários, fichas, etc.) em que despendem um tempo precioso. O resultado destes dois factores é inevitável: estudam muito menos e a escola a que pertencem caminha a passos largos para se tornar uma espécie de liceu superior”.

Em “Coimbra e Cidadania”, terceiro segmento do livro, Gouveia Monteiro revela seu amor inquestionável pela cidade, a apontar sua destinação cultural, problemas existentes nos espaços públicos; história: “Pedro e Inês: frias memórias de Janeiro”, ao se referir ao trágico romance entre Inês de Castro e D.Pedro I em pleno século XIV, e à valoração que se faz necessária da figura de El-Rei, ainda não devidamente realizada.

Quando criei meu blog, fi-lo a pensar em fugir de meus textos acadêmicos em determinados momentos. Mas, acima de tudo, senti-me livre das por vezes enfadonhas notas de rodapé e das avaliações, nem sempre confiáveis, de colegas com as mais variadas intenções. Hoje aposentado, se frequento o texto acadêmico após aprofundamentos, faço-o liberto de entraves burocráticos. Folga-me verificar nessas crônicas do ilustre medievalista João Gouveia Monteiro, a liberdade que não apaga a competência. Deliciosa a incursão do autor no cinema “histórico”. Ei-lo a comentar “Robin Hood: a história por trás da lenda” de Ridley Scott, tendo Russell Crowe como ator principal, assim como “Bannockburn: uma batalha a lembrar Mel Gibson”. Essa aparente fuga da exegese apenas dimensiona o lado humano e polifacetado de Gouveia Monteiro.

Deixei para o fim  temas relacionados ao Natal, trazendo-nos o espírito de confraternização. Em duas crônicas a efeméride aflora. Na primeira, “O Natal de 800 e a magia da História”, a lembrar que no dia 25 de Dezembro de 800 Carlos Magno era aclamado: “Naquele dia santíssimo da Natividade do Senhor, quando o rei se ergueu depois de orar na missa em frente ao túmulo do bem-aventurado Pedro apóstolo, o papa Leão colocou-lhe uma coroa na cabeça e todo o povo dos Romanos o aclamou: Vida e Vitória para Carlos Augusto, coroado por Deus grande e pacífico Imperador dos Romanos”, conforme consta nos Anais Laurissenses. Concretizava-se a aliança entre a Igreja Católica e a mais forte potência do Ocidente europeu. Em uma segunda, “Os Reis Magos e o incenso dos pagãos”, o autor se pormenoriza nas oferendas dos Três Reis Magos – Baltazar, Melchior e Gaspar – e na simbologia pagã dos presentes ofertados: ouro, mirra e incenso, explicando-as. João Gouveia Monteiro escreve: “Quanto às oferendas, se o ouro se compreende bem, por ser riqueza própria de um rei, já a exótica mirra (usada nos embalsamamentos) e, sobretudo, o incenso (uma resina que produz fumos odoríferos, provenientes de árvores da África e da Arábia), são mais intrigantes. É certo que o uso do incenso está bem atestado entre os Egípcios, os Fenícios, os Persas, os Hebreus, os Romanos e os Árabes, tendo a sua queima alastrado à China. O curioso é que só no séc. IV d.C. o incenso parece ter entrado nos hábitos dos cristãos. Até lá, ele era utilizado pelos ‘pagãos’ romanos, os ‘sacrificados’ e ‘incensados’ que, perseguidos, renunciavam a ser cristãos queimando incenso em honra dos imperadores e dos deuses do panteão romano”!

Crônicas de História, Cultura e Cidadania é obra a ser lida. Trará imenso prazer a quem tiver o exemplar, que pode ser adquirido diretamente de Coimbra: http://livrariadaimprensa.com .

Desejo a todos os meus generosos leitores um Natal pleno de alegria interior. Para os cristãos, que o significado da data penetre nos corações e nas mentes. Para os não cristãos, que a paz seja duradoura.

The post of this week is an appreciation of the book “Crónicas de História Cultura e Cidadania” (Chronicles of History, Culture and Citizenship), written by João Gouveia Monteiro, a medievalist who teaches Middle Age History and Ancient Military History at the University of Coimbra.

 

 

Apresentação do Dr. César Nogueira

Crê com todo o teu ser;
só assim terás atingido o máximo da dúvida.
Agostinho da Silva

A apresentação de meu livro “Impressões sobre a Música Portuguesa” deu-se em Coimbra aos 3 de Novembro último. Entre os ilustres professores doutores que se pronunciaram a respeito durante a cerimônia de lançamento, César Nogueira, musicólogo e regente coral em Coimbra, leu seu texto e acaba de envià-lo via internet.  À gentileza do gesto do pesquisador, soma-se a sua anuência, a meu pedido, para que inserisse a arguta apresentação em meu blog. Publico-a pois,  pelo fato, in adendo, de que durante vários meses, mercê da indicação dos competentes Professores Doutores João Gouveia Monteiro e José Maria Pedrosa Cardoso, o Dr. César Nogueira esteve à testa das revisões de um livro que tem cerca de 60 exemplos musicais, mormente em dois artigos analíticos. Se o prefácio do notável musicólogo e Professor Catedrático Mário Vieira de Carvalho sobrevoa a engajada literatura contida, analisando-a impecavelmente sob a égide de uma realidade que existe, hélas, nas culturas luso-brasileiras, o Dr. César Nogueira penetra em campo hermenêutico mais pragmático e pormenoriza determinados textos. É com prazer, pois, que partilho com meus leitores o texto de apresentação do competente  músico.

“Começo por agradecer à IMPRENSA DA UNIVERSIDADE DE COIMBRA, pela oportunidade e a honra que me concedem de, aqui, hoje, participar na apresentação de IMPRESSÕES SOBRE A MÚSICA PORTUGUESA, Panorama, Criação, Interpretação, Esperanças.

Permita-me o autor, Sr. Professor José Eduardo Martins, pianista e musicólogo, iniciar a minha exposição, com uma primeira impressão, que ficou da leitura atenta do seu livro. Assim, não na forma, mas na substância, a obra parece-me claramente organizada segundo duas posturas distintas assumidas pelo autor. Numa, o Senhor Professor fala de si, como homem que também é músico. Na outra, respeita a atitude do músico que também é homem. Não se trata de enquadrar os textos destas duas classes distintas em partes físicas diferentes na organização textual já que estas duas posturas manifestam-se, entrecruzadas, em toda sua a narrativa. Na primeira, José Eduardo Martins deixa transparecer os traços fundamentais das raízes familiares, da formação e as linhas de conduta da sua personalidade no convívio com as múltiplas individualidades que se foram cruzando consigo. Apresenta-nos, aí, passagens plenas de afecto e de sensibilidade que vão construindo, no leitor, uma espécie de lastro onde se instala a ideia da vontade de conhecer, também, este brasileiro tão aportuguesado ou, vice-versa, este português – com a sua licença – tão abrasileirado. Dos testemunhos de José Eduardo Martins, fica-nos a ideia que, este homem, conheceu todo o meio musical português dos últimos 50 anos. Júlia d’Almendra, João de Freitas Branco, Sequeira Costa, Tânia Achot, Ivo Cruz (pai e filho), Lopes-Graça, Jorge Peixinho, Vieira Nery, Mário Vieira de Carvalho e Pedrosa Cardoso são alguns dos nomes que perpassam nos seus escritos, detendo-se mais nuns do que noutros, evidentemente. Destaco, neste registo – diria eu – assumidamente intimista, o texto: ‘A transparência através das cartas’, onde se evidencia a amizade, ‘em Debussy’, com a pedagoga e ‘debussysta’, Júlia d’Almendra.

De todo modo, em qualquer das duas posturas, é tanto o respeito e, mesmo, o amor pela música portuguesa e pelos seus cultores locais, que, em José Eduardo Martins, de facto, cumpre-se – não só neste seu livro mas, especialmente, na sua vida – um pouco da, sempre adiada, aliança cultural permanente entre Portugal e o Brasil. É bem sabido que todos temos desaproveitado, sistematicamente, esse património intangível mas muito real, que radica na circunstância de dois povos partilharem uma mesma língua, e tudo o mais, de comum, que esta condição comporta. José Eduardo Martins e a sua vida são a excepção a esta regra determinista e implacável que teima em separar o que é junto por nascimento e natureza. A este desígnio refere-se Mário Vieira de Carvalho, no prefácio a ‘Impressões Sobre a Música Portuguesa’, quando afirma, cito: ‘É neste contexto que a singularidade de José Eduardo Martins se agiganta. Ao longo de mais de cinquenta anos, não se limitou a manter e expandir contactos, a promover intercâmbios, como já o tinham feito Lopes-Graça e Jorge Peixinho ou, por exemplo, Gilberto Mendes. Foi muito mais além. Dedicou-se de uma forma continuada à investigação da música portuguesa’. E mais adiante, acrescenta, relativamente à postura de alguns intérpretes portugueses, mais alheios à produção composicional nacional: ‘Poucos ousam escapar ao cânone hegemónico nas salas de concerto ou na produção fonográfica: como se o intérprete precisasse do prestígio do cânone para se sentir ele próprio prestigiado enquanto intérprete, e a música portuguesa fosse um sacrifício, um ónus, que não valesse a pena’.

Ora, para José Eduardo Martins, a música portuguesa vale a pena e, é sobre a sua postura enquanto músico e sobre a maneira como esse músico intérprete se manifesta e reflecte sobre as suas opções estéticas e técnicas pianísticas que aqui me vou deter. E, posto este ponto prévio, que me ajuda a melhor encontrar o caminho desta intervenção, tomo a liberdade de destacar – pelo conteúdo eminentemente musicológico, na área da interpretação, da estética e da análise musical, diria eu, pura e dura – os textos sobre Carlos Seixas, Francisco de Lacerda e sobre Fernando Lopes Graça. Evidencio, ainda, um rico e bem fundamentado ensaio académico sobre interpretação: ‘Interpretação Musical frente à Tradição – Piano como Modelo’, embora, sobre ele, dada a escassez de tempo, não possa deter-me mais do que afirmar que é uma excelente peça de reflexão estética sobre a arte de interpretar reportório pianístico. Quando, atrás usei a expressão ‘pura e dura’, pretendi deixar claro que a linguagem usada, em alguns destes textos é marcadamente técnica, e a ela não terá fácil acesso o leitor menos informado nas coisas da música e, até, em concreto, se não existir alguma experiência e conhecimento básico no campo do que especificamente respeita às questões do que poderíamos chamar ‘pianismo’ ou, mais genericamente, como o próprio autor diz, ‘tecladismo’.

Assim, a título de exemplo, quando o autor alude à ‘técnica consagrada dos cinco dedos’ para, com isso, fazer valer a tese de que o piano herdou e desenvolveu aspectos técnicos e estilísticos do cravo – instrumento praticamente esquecido durante o século XIX – vale aqui lembrar que o uso do polegar foi uma conquista evolutiva da técnica do teclado e que, em 1716, em L’ART DE TOUCHER LE CLAVECIN, François Couperin defendia, ainda, o uso de se passar o 3º dedo por cima do 2º ou do 4º evitando, assim, utilizar o polegar! A generalização do uso do 1º dedo teria ainda de esperar. Em França, citando Patrick Montan, terá sido Jean-Philipe Rameau o primeiro a defender o uso deste dedo, tratando-o ainda, inicialmente, pelo seu nome anatómico e não pelo número ‘1’ com que mais tarde se rotulou. De igual modo, quando José Eduardo Martins compara Seixas com o Scarlatti, é preciso ter noções de leitura musical e perceber tipos distintos de textura. Diz o autor, e parece-me bem, que o discurso do compositor de Coimbra apresenta traços de uma certa irregularidade técnica e musical, sendo difícil, ao executante, antever, como em Scarlatti, o percurso do fraseado. Reside aí, também, parte do encanto e da qualidade do compositor – não é previsível, numa época em que, paradoxalmente, a previsibilidade era a componente estética do conforto mental. Digamos que Carlos Seixas ‘não vai’ para onde, naturalmente, as nossas mãos e dedos acham que ‘deveria ou poderia ir’. Ora, não é fácil fazer sentir isto a quem não conheça um teclado! Contudo, o modo como o discurso é organizado – simples e sem excessos estilísticos supérfluos – e porque as ideias são claras e, note-se, bem sustentadas pela experiência prática, o difícil revela-se fácil de explicar e de entender.

Mas José Eduardo Martins não se fica por estas observações meticulosas, naturalmente mais caras a pianistas e cravistas. Aventura-se, sem receios nem preconceitos, na defesa e fundamentação das teses que sustentam o uso de instrumentos modernos na performance da música antiga. E fá-lo com propriedade dando exemplos felizes da consagração desta ideia – grandes pianistas, de sempre, não tiveram pejo em ler Scarlatti, Rameau ou Bach e só um certo fundamentalismo conservador é que não vê, não só a ausência de desvantagens como os benefícios que esta prática pode conquistar. Sobre Seixas, José Eduardo Martins mostra-nos as suas primeiras impressões através do contacto com a pianista polaca Felicja Blumental cujas gravações dos cravistas portugueses impressionaram muito positivamente Santiago Kastner, primeiro estudioso do compositor conimbricense. Esse contacto precoce com o compositor barroco português parece ter representado uma marca indelével de tal modo forte que José Eduardo Martins jamais deixaria de tocar, gravar e a estudar Carlos Seixas e toda a envolvente que a interpretação pianística de um barroco convoca, como muito bem se evidencia em ‘As Sonatas para Teclado de Carlos Seixas Interpretadas ao Piano’.

Francisco de Lacerda – uma espécie de ‘Um Açoriano em Paris’ à portuguesa e, segundo Bettencourt da Câmara, o primeiro compositor impressionista português – em boa hora abandonou os estudos preparatórios de Medicina, no Porto, para estudar música e abraçar uma carreira de nível internacional, principalmente como regente de orquestra. José Eduardo Martins, nos capítulos: ‘Francisco de Lacerda – O Açorianismo Universal’ e ‘Claude Debussy e Francisco de Lacerda: correspondências sonoras’, enquadra as opções estéticas do compositor da Fajã da Fagueira no contexto dos ousados ventos de mudança da Paris de fins de oitocentos e princípios de novecentos. As abissais diferenças sociais e culturais entre S. Jorge e Paris podem comparar-se aos radicais antagonismos entre os ensinamentos conservadores da Schola Cantorum que frequentou na cidade das luzes e os atrevimentos radicais da estética do tempo protagonizadas por um Satie, um Debussy ou um Ravel. Imagine-se o choque para quem, nos dizeres de Bettencourt da Câmara ‘O murmúrio das vagas e o soprar da brisa fresca foram os seus primeiros mestres de música’! Mas esse choque foi muito bem resolvido por Lacerda. Do concerto de hoje ficámos, (ou) ficaremos, com essa mesma impressão! Sem dúvida marcado pela presença de Debussy, José Eduardo Martins lembra-nos, não só mas também, da opção de Lacerda pelo miniaturismo nas suas ‘Trente-six Histoires Pour amuser les enfants d’un artiste’, sem dúvida, uma das marcas de estilo do compositor francês. Particularmente no artigo dedicado à comparação entre Debussy e Lacerda, José Eduardo Martins desce ao pormenor músico-interpretativo mais recôndito só possível ao grande especialista que é, também, neste campo, como intérprete e como musicólogo.

Lopes-Graça aparece referenciado neste livro em nove capítulos. Cinco desses capítulos são dedicados especificamente ao compositor de Tomar e à sua obra. O autor mostra um conhecimento profundo da obra de Lopes-Graça e lança pistas, mais uma vez muito endereçadas a um público especialista, sobre critérios interpretativos na obra pianística, assim como descreve aspectos analíticos do maior interesse e oportunidade sobre o compositor e pianista, introdutor do modernismo em Portugal. Em ‘Alguns Aspectos do Idiomático Técnico Pianístico e da Escritura Composicional em Quatro Obras Essenciais de Fernando Lopes-Graça’, a profusão de citações musicais, com a colagem no texto de excertos de partituras da obra de Lopes-Graça, requer, por parte do leitor, mesmo daquele mais familiarizado com arte da música, grande concentração e empenho. Diria que é um texto não para se ler, mas para se estudar.

Não poderia terminar sem mencionar o artigo onde José Eduardo Martins evoca a publicação recente, também pela Imprensa da Universidade de Coimbra, de ‘História Breve da Música Ocidental’. Trata-se de fazer a justiça merecida à obra, de investigador, musicólogo e professor, de José Maria Pedrosa Cardoso que, no resumidíssimo volume, consegue traçar as linhas mestras da história da música ocidental, tarefa apenas possível a quem pode, pelo profundo conhecimento, separar o essencial do acessório sem cair, ainda assim, nas malhas do banal fácil e já mais do que suficientemente repetido até à exaustão. Mas a proposta literária de Pedrosa Cardoso não é, neste livro, a de um resumo condensado. A escolha dos títulos dos capítulos revela, por si só, estar-se, realmente, perante uma outra maneira de ver e de classificar os tempos da música no tempo e, desse modo, revela-se aqui uma nova história já que história não é só a verdade mas sim, e principalmente, a interpretação da verdade.

O livro de José Eduardo Martins não é só um livro. É um livro e um CD com 40 faixas de música interpretada pelo autor. Acaso não houvesse já razões de sobra para a justificação desta edição, só o facto de se acrescentar a possibilidade de ouvir a música sobre a qual se falou, representa uma originalidade valiosa pelos grandes benefícios que transporta.

Felicito, de novo, autor e editora pela obra lançada.

Obrigado.

César Nogueira”

Acabara de finalizar o post, quando recebo do ilustre Professor Henrique Manuel S. Pereira, da Escola das Artes da Universidade Católica Portuguesa (Porto), o comentário sobre meu livro. Compartilho-o com o leitor, que poderá acessá-lo clicando no link:

http://guerrajunqueiro.wordpress.com/2011/12/14/impressoes-sobre-a-musica-de-junqueiro/

This week’s post is a transcription of the introduction to my book on Portuguese music that was released by the Coimbra University Press last November. This introduction was written by Professor César Nogueira, musicologist and choral conductor in Coimbra.